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MODERADORA
Em jantares, Eva Braun (acima, com Hitler) interrompia o ditador em assuntos sérios

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Uma jovem no matadouro: essa sempre foi a imagem que a história ofereceu da ex-assistente de fotografia Eva Braun, mais conhecida como a mulher do ditador alemão Adolf Hitler. Agora uma biografia vem à luz e afirma exatamente o oposto. Em “Eva Braun – A Vida com Hitler” (Companhia das Letras), da historiadora Heike B. Görtemaker, a primeira-dama do nazismo é retratada como possuidora de uma ambiguidade semelhante à da personagem bíblica que lhe deu nome – ao mesmo tempo ingênua e consciente de seus passos. “Ela era tudo, menos uma loira burra”, disse a autora em entrevista e é essa a sensação que se tem ao ler a biografia. Ao contrário de mero adereço exibido por Hitler, Eva Braun é mostrada como uma mulher que apreciava a vida noturna, a agitação cultural e o mundo dos esportes, imagem que está longe do perfil de garota burguesa perdida em futilidades cotidianas. Um traço famoso, contudo, subsiste. Eva era realmente fofoqueira e passava horas “aborrecendo os comensais com mexericos e patacoadas do mundo do cinema.”

A historiadora teve acesso aos depoimentos da secretária de Hitler, Christa Schroeder, segundo a qual a companhia da mulher, que o führer conheceu aos 17 anos (ele tinha 40 na época), foi providencial. “Sua presença servia-lhe de escudo contra todas as outras mulheres intrusivas”, escreve Heike. Para o policial da SS Rochus Misch, o comportamento de Eva mudava “bruscamente” assim que Hitler ausentava-se da casa de veraneio de Berghof, nos Alpes bávaros. “Antes mesmo que as limusines desaparecessem na curva, já começavam os preparativos para diversas brincadeiras. Pouco antes tão bem-comportada, ela virava tudo de pernas para o ar.
E ficava alegre e brincalhona, quase infantil”, disse.

A vida conjugal não era um parque de diversões. Hitler praticamente aprisionava a mulher em casa sob pretexto de proteger a imagem pública. Mas ela demonstrava sua autonomia por outras vias e começou a exercer uma influência sub-reptícia. Foi nessa época que Eva passou a vender ao fotógrafo Heinrich Hoffmann, o retratista oficial do governo, imagens de sua vida íntima – Hitler não dava importância ao fato. Amigo de longa data de Eva, foi Hoffmann quem a apresentou ao ditador e também a ensinou a usar uma câmera fotográfica quando trabalhavam juntos no final dos anos 1920. Além de ágil nos disparos, Eva participava ativamente das conversas à mesa e quando seu marido, uma vez terminada a refeição, continuava a discutir um assunto mais sério, agia ­como moderadora: interrompia-o com voz forte perguntando-lhe as horas ou algo furtivo. O führer dava por encerradas as suas explanações.

O par nazista vivia conflitos de um “casal normal” e, segundo o livro, Eva apoiou as ideias do marido até o fim. Cartas consultadas por Heike provam que ela não se opôs aos planos de suicídio em conjunto, finalmente acontecido em 30 abril de 1945 com a invasão de Berlim pelas tropas soviéticas. Momentos antes de o casal tirar sua vida, Hitler havia ligado para o seu motorista Erich Kempka e pedido que providenciasse 200 litros de gasolina. O fogo seria usado para apagar as provas de seu desaparecimento. A biógrafa defende a ideia de que a influência de Eva sobre o marido, que só se casou com ela dois dias antes de se matar, foi pouco explorada devido à identificação de Hitler como o artífice do genocídio. A propaganda nazista também ajudou, já que sempre procurou ocultar o romance. Isso ajudava a construir a imagem do líder imaculado, que cultivava a figura da mãe e, paradoxalmente, se vendia como o ídolo solteiro das mulheres, uma espécie de artista de cinema que não poderia decepcionar seu público ao anunciar um casamento.

Talvez por isso, até hoje ainda pairam dúvidas sobre a existência de um envolvimento físico entre os dois.
Em depoimentos conflitantes, a autora toma as rédeas: “Essa é uma questão que fica no ar.” Resta saber se em relação a essa Eva, Eva Braun, Hitler se comportou como Adão.

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