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DEGREDO
Após 2.000 dias afastado do partido, o ex-tesoureiro retorna com status de estrela

Está de volta à cena política um dos principais operadores do PT. No fim de semana, mais de 2.000 dias depois de afastá-lo pelo envolvimento no escândalo do Mensalão, o Diretório Nacional da legenda aprovou o pedido de refiliação do ex-tesoureiro Delúbio Soares. Considerado um arquivo vivo do momento mais crítico da história do partido, o “professor”, como é tratado por amigos mais próximos, refugiou-se no silêncio nos últimos cinco anos e seis meses e demonstrou rara lealdade aos chamados capas pretas do partido. “A palavra é prata, o silêncio é ouro”, diz Delúbio quando é abordado sobre os dias de “exílio”. Agora, de volta ao partido que ajudou a fundar, com as bênçãos do ex-presidente Lula, de quem nunca deixou de ser amigo pessoal, Delúbio trabalhará mais à vontade. A amigos, tem dito que a principal lição aprendida nos últimos anos foi a de assimilar a “virtude da discrição”. No entanto, a esses mesmos amigos, Delúbio assegura que irá retomar a influência que mantinha no partido e que em seu horizonte próximo estão as urnas. Pode ser já no ano que vem, na disputa municipal em Buriti Alegre (GO), onde nasceu, ou em 2014. “Seu projeto não descarta a possibilidade de disputar uma cadeira no Senado, caso consiga retomar musculatura no PT”, disse um dos principais aliados de Delúbio no partido na tarde da quarta-feira 27. “Muitos especulam que ele pensa em se candidatar a vereador no ano que vem, mas Delúbio quer voar mais alto.”

Na última semana, a reportagem de ISTOÉ ouviu amigos e pessoas do círculo íntimo do ex-tesoureiro. Esteve na residência de Delúbio em Goiânia e almoçou com companheiros de longa data em seu restaurante preferido, o Tucunaré na Chapa, localizado numa região central da cidade.

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“Goiânia vai entrar em júbilo pela volta de
Delúbio. Vamos organizar uma grande festa”

Ivanor Florêncio Mendonça, ex-presidente do PT de Goiânia

De acordo com os relatos, o projeto de Delúbio é, de fato, ambicioso. Sustentado por uma base partidária composta pelos mais ilustres petistas, o ex-tesoureiro acalenta o desejo de ser eleito deputado federal nas eleições de 2014. E, se tudo correr como o planejado, quer se tornar senador quatro anos depois. “Ele está empolgado e diz que começa uma nova etapa na vida dele”, diz sua irmã, Delma. “O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada”, costuma repetir Delúbio, citando pensamento da poetisa Cora Coralina.

O petista já cogitava concorrer à Câmara dos Deputados na eleição de 2010. No entanto, prevaleceu a avaliação de que em ano eleitoral aquele não seria o momento para o partido referendar a sua volta. Agora, o cenário é outro. O diretório do PT de Goiânia prepara uma grande festa nos próximos dias para comemorar o retorno do seu mais ilustre filiado. O evento, que marcará a reabilitação política do ex-tesoureiro, deve reunir mais de 500 pessoas, entre dirigentes nacionais e locais. “Goiânia vai entrar em júbilo pela volta de Delúbio. Mesmo que ele não queira, nós vamos organizar a festa”, afirma o ex-presidente do PT municipal, Ivanor Florêncio Mendonça.

Delúbio é identificado no meio político e empresarial como “o cara que segurou tudo”, no ápice da crise do Mensalão, entre 2005 e 2006. Esse respeito adquirido em razão da fidelidade encontra eco no PT nacional. Durante reunião da corrente Construindo um Novo Brasil (CNB) e um jantar na noite da quinta-feira 28, na residência em Brasília da senadora Marta Suplicy (PT-SP), Delúbio foi saudado como estrela de primeira grandeza. Dezenas de correligionários o aplaudiram de pé. Alguns se emocionaram. “O partido fez justiça a Delúbio. Ninguém erra individualmente. Os erros são coletivos”, comemorou Francisco Rocha, o Rochinha, coordenador da CNB e membro da Comissão de Ética do PT. “Na nossa Constituição não há prisão perpétua. Por isso, apoiei a volta do Delúbio”, justificou o senador Eduardo Suplicy (PT-SP). “Ele já pagou um preço muito caro”, compadeceu-se o ex-presidente Lula em reunião com integrantes da tendência CNB. Ao avalizar o retorno de Delúbio, Lula, na verdade, apenas reforçou publicamente um entendimento que tem desde o início do ano. O martelo foi batido em fevereiro, quando os dois companheiros mantiveram uma rápida conversa pelo telefone. “Pode tocar o pedido de refiliação pra frente”, endossou Lula. Assim, o plano, em curso desde 2009, ano em que Delúbio ensaiou um frustrado retorno, chamado por ele de “resgate da cidadania petista”, estava enfim alcançado. O pedido de refiliação apresentado ao Diretório Nacional se resume a uma única folha com três parágrafos, uma clara lembrança à fidelidade dos últimos anos e um tom emocional: “Sou PT de formação e de coração. Portanto, quero voltar a militar no partido”, redigiu o ex-tesoureiro.

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CASA
Delúbio no Hotel Nacional, onde sempre se hospeda na capital

Depois de apresentar o documento, em reunião no diretório, o homem que diante de uma CPI, de delegados da PF e membros do Ministério Público se manteve firme apesar de todas as provas do Mensalão, conteve as lágrimas, mas falou com a voz embargada: “Minha identidade política é a mesma do PT. Preciso de minha identidade de volta.” Mas a trilha que leva ao regresso triunfal imaginado por Delúbio ainda contém uma série de obstáculos. Um deles remete ao próprio escândalo que o abateu. Até 2012, o ex-tesoureiro terá de enfrentar o julgamento do Mensalão no Supremo Tribunal Federal. Delúbio é um dos 38 réus do processo. Investigado pelos crimes de formação de quadrilha e corrupção ativa, o petista é acusado de recolher pelo menos R$ 55 milhões em recursos “não contabilizados”, distribuídos a políticos e assessores em envelopes e saques na boca do caixa. Em recente depoimento à Justiça, ele negou a existência do esquema e reafirmou que os empréstimos feitos por meio do publicitário Marcos Valério serviram para pagar dívidas partidárias. Ao repetir o discurso entoado pela cúpula petista, Delúbio espera ser absolvido. “O prejuízo que eu tinha de ter já tive”, minimizou ele em recente conversa com um correligionário.

O ex-tesoureiro também será julgado no Superior Tribunal de Justiça por ter supostamente apresentado declarações falsas para continuar recebendo salário como professor da rede pública estadual, mesmo sem aparecer na sala de aula. Em primeira instância, ele foi condenado em maio do ano passado a devolver R$ 164,6 mil ao Estado. Se o STJ repetir a sentença, o petista pode ter suspensos os direitos políticos por oito anos. “Estamos recorrendo. Foi um exagero do Tribunal de Justiça”, disse o advogado Sebastião Ferreira Leite. Caso o processo em segunda instância não seja julgado até as eleições de 2014, Delúbio pode ainda ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa, se o Supremo entender que a punição se aplica a políticos condenados anteriormente à aprovação da lei. Com isso, ele corre o risco de não poder concorrer a um mandato eletivo.

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“Acho que a vida dele pode melhorar e as pessoas
nos olharem com menos desconfiança”

Delma Soares, irmã

Delúbio está convencido de que na Justiça será também reabilitado, mas considera que a volta ao PT é fundamental para isso, porque mostraria a todos um militante agindo à luz do dia, e não escondido. “Ele nunca deixou de fazer política no PT”, diz Ivanor Florêncio. “Não teve articulação do PT em que ele não estivesse envolvido. A volta dele, se fosse um filme, seria a volta dos que não foram”, garantiu um influente petista. Mas, embora diversos interlocutores petistas digam que o ex-dirigente nunca perdeu prestígio e influência na legenda, o PT teve de atravessar um processo de mudança de correlação de forças internas para recebê-lo novamente. Ou seja, as forças que movem o PT de 2011 são muito parecidas com as que moviam o partido em 2005. A tese de refundação da legenda, vociferada depois do Mensalão, aparenta estar no arquivo. Só nos últimos dois anos é que a tendência Construindo um Novo Brasil, principal responsável pelo retorno de Delúbio, recuperou a força perdida durante a crise do Mensalão. Em 2009, quando Delúbio fez a primeira tentativa para regressar, a tendência ocupava 42% das cadeiras do comando do partido. Hoje, em boa parte sob a influência do ex-ministro José Dirceu, detém 60% de seu Diretório Nacional. Já a corrente Mensagem ao Partido, criada pelo atual governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, que apresentava resistências a Delúbio, perdeu espaço, mas continua a não endossar a volta do tesoureiro do Mensalão. “Não existe nenhum fato novo que justifique a volta de Delúbio. Passados quase seis anos, diferente de outros dirigentes envolvidos, não houve qualquer autocrítica quanto aos ocorridos”, diz Valter Pomar.

Fora da política, aqueles que observam Delúbio sob a luz dos depoimentos colhidos no processo do Mensalão buscam entender como o ex-tesoureiro se manteve nesses anos de “exílio”, uma vez que não é nem remunerado pelo partido, nem pelo Estado. “O Delúbio é um mistério”, diz o promotor Fernando Krebs. “Ninguém explica como ele consegue manter o padrão de vida que tem.” O ex-tesoureiro argumenta que recebe cerca de R$ 15 mil por mês provenientes de uma imobiliária “online” que administra. Ele é sócio majoritário da Geral.com – Serviços de Divulgação Ltda., com 95% das ações. Os outros 5% pertencem a sua irmã, Delma. Segundo registro na Junta Comercial, a empresa vende publicidade para sites na internet e propaganda de rua em Goiânia. A empresa ocupa duas salas no terceiro andar da Galeria Ipê, numa das avenidas mais movimentadas de Goiânia. Além de Delma e Delúbio, a empresa possui dois funcionários: uma secretária, Fátima, e um consultor que verifica e monitora os imóveis vendidos pelo site. O negócio foi fundado em 2007, um ano após Delúbio ser expulso do partido. Quem toma conta é Delma. O ex-tesoureiro só aparece a cada duas semanas. “É uma satisfação muito grande o retorno do Delúbio ao partido. Acho que a vida dele pode melhorar e as pessoas nos olharem com menos desconfiança”, diz Delma.

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ALEGRIA
Delúbio ainda faz churrascos na fazenda do pai (acima) e mantém uma imobiliária em Goiânia

No “exílio”, Delúbio costuma dividir a semana entre Goiás e o litoral norte de São Paulo, onde reside sua mulher, Mônica Valente, membro do Diretório Nacional do PT. Em Goiânia, o ex-tesoureiro divide com a irmã uma casa de 250 metros quadrados, com três quartos e duas salas. Na garagem ficam abrigados um Gol 1999 e um Fiat Idea com três anos de uso e ainda não quitado. Quando está no Estado, a rotina do tesoureiro do Mensalão, segundo os amigos, é a mesma dos tempos em que ele lecionava matemática no Colégio Liceu, em Goiânia. Mantém velhos hábitos, como pescar na fazenda do pai, em Buriti Alegre, ler – sobretudo clássicos de Shakespeare – e assistir a jogos de futebol. O ex-tesoureiro é são-paulino roxo e não perde uma partida do clube paulista. Além de almoçar no Tucunaré na Chapa, Delúbio costuma comer bolinhos fritos na pamonharia Frutos da Terra e gosta de cozinhar. Sua especialidade é um arroz com carne seca, prato tradicional goiano conhecido como Maria Isabel. “Ele continua o mesmo. Humilde, leal e pau pra toda obra. Está sempre a serviço do partido”, afirmou Ivanor. “Ele virou capa preta do PT, mas nunca largou a base. Sempre veio aqui para conversar, comer e beber cerveja com a gente”, reforçou o amigo de mais de 30 anos.

O ex-tesoureiro volta ao PT no momento em que o partido vive um ambiente político bastante tranquilo. E, até juridicamente os petistas acreditam que o retorno de Delúbio possa ser favorável. “Ao reintegrá-lo, o partido mostra força e coesão na hora de enfrentar o processo do Mensalão e isso é bom para todos os envolvidos”, entende o deputado paulista Rui Falcão, presidente nacional do PT.

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