O caos dos grandes centros urbanos tornou-se um prato cheio para arquitetos e urbanistas. E, como não poderia deixar de ser, a Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo (BIA), em sua 5ª edição, elegeu a metrópole como tema. Frequentemente associada à desordem e à imprevisibilidade de seu crescimento, a grande cidade é hoje um vasto campo a ser explorado e modelado por profissionais que mantêm uma relação direta com o futuro dos espaços onde vivemos.

O tema da mostra – que custou R$ 3,8 milhões à Fundação Bienal – chama atenção para outro fato: a organização da 5ª BIA quer falar a linguagem do público leigo e abdicar um pouco do tecnicismo que marcou outras edições. Os problemas metropolitanos, assunto tratado também na última Bienal de Artes Plásticas de São Paulo, interessam diretamente ao cidadão comum, o que dá à bienal um formato mais acessível, mais divertido. Ao lado de plantas, cortes e perspectivas, serão valorizadas as maquetes, os painéis, a interatividade digital, as projeções, além do design de móveis, que ganha peso no evento.

Para citar algumas novidades, o Programa Monumenta, de Brasília, com mestres que estudaram no Centro Europeu de Veneza, vai restaurar obras, como quadros e esculturas, à vista do público, e um vagão do metrô de São Paulo servirá como sala de projeção, mostrando futuras estações. “O brasileiro não tem conhecimento para discutir com o poder público. Iniciativas como esta da bienal, que atraem até quem não entende nada de arquitetura, equipam a sociedade com argumentos, conscientizam”, diz um dos curadores da exposição, o arquiteto Pedro Cury, que divide a curadoria geral com o arquiteto Ruy Ohtake. De fato, os assuntos propostos na mostra Metrópoles, que reúne curadorias de sete cidades (Tóquio, Londres, Nova York, Berlim, Beijing, Joannesburgo e São Paulo), derivam de problemas cotidianos, com soluções para a moradia popular, a ecologia, o trânsito.

No segundo andar do prédio da bienal começa a maratona da mostra com as sete cidades. A primeira é Nova York, com sua explícita aplicação do que nos Estados Unidos denominou-se I.D. (Identity Design), uma arquitetura de grife, na qual os projetos ganham valor pela sua assinatura, da mesma forma como funciona a moda. O arquiteto francês Philippe Starck, por exemplo, que despertou interesse pela concepção do hotel-butique Royalton em 1989, destacou-se mundialmente tanto pelos desenhos de móveis quanto de edifícios. Junto a ele, outras estrelas, como os americanos John Pawson, autor do desenho da loja-matriz da Calvin Klein na Madison Avenue, e Richard Gluckman, importante projetista de galerias, posam, nestes projetos da bienal, como mentores de grandes lojistas, estilistas, galeristas e empresários, que buscam certo status em novos modelos de prédios.
 

Obviamente, esse enfoque dado pela curadoria de Nova York é muito peculiar de uma capital com recursos financeiros, também ligada à vanguarda da arte contemporânea. Inclusive pela dimensão dos sete projetos de um futuro World Trade Center, que competiram para substituir as Torres Gêmeas, distancia-se de exibições das metrópoles de países em desenvolvimento, como é o caso de São Paulo, Beijing e Joannesburgo. As três cidades – uma da América do Sul, uma da Ásia e uma da África, como ressalta Cury – dedicam-se a montagens que, em parte, revelam problemas sociais relativos à pobreza, por meio de projetos como os de moradia popular.

O corredor de São Paulo, por exemplo, abriga desenhos e maquetes sobre a revitalização paisagística das margens do rio Tietê. O projeto das instalações esportivas que seriam erguidas caso a cidade recebesse as Olimpíadas de 2012, o que inclui modernização urbanística e a construção de ginásios e uma vila olímpica, de Paulo Mendes da Rocha, também será exposto, antes de ser engavetado, talvez para sempre. Já as cidades européias, como Berlim, ficam no meio termo. A capital alemã traz, entre outros, projetos de integração das duas Alemanhas, depois da queda do Muro, em 1989. “O visitante, em ziguezague, pode ver a curadoria de uma cidade como continuação da outra. Elas não estão em salas fechadas”, explica Pedro Mendes da Rocha, filho de Paulo, que projetou a disposição dos espaços.

À parte a mostra das metrópoles, o público da 5ª BIA poderá contemplar o que está à frente de toda a arquitetura contemporânea, com a exposição de grandes arquitetos no terceiro andar do edifício. A retrospectiva do inglês Norman Foster é uma passagem obrigatória, nesta seção. Dono do maior escritório de arquitetura do mundo, com 600 profissionais, Foster virou estrela internacional, assumindo uma estética futurista que remodelou a paisagem de Londres. O novo edifício da prefeitura da cidade, com sua forma oval assimétrica e as paredes de vidro e metal, a reforma do British Museum, com uma nova e grande cúpula, e o projeto da estação de metrô de Canary Wharf serão exibidos por meio de maquetes, painéis e projeções.

A iraquiana radicada em londres Zaha Hadid é outro destaque, e não por acaso sua exposição segue a de Foster: a arquiteta também caiu no seleto grupo de profissionais com projetos nos quatro cantos do mundo. Um de seus principais trabalhos, o Centro Rosenthal de Arte Contemporânea, no Estado de Ohio (EUA), integra a malha de vias que circundam o museu com as próprias passagens do interior do prédio, cuja forma exerce a função de atrair e ao mesmo tempo deslumbrar o público. Em linha oposta, com funções mais sociais do que estéticas, há as importantes presenças de uma exposição com curadoria do português Álvaro Siza, e projetos do grupo holandês MVRDV.

Organizado pelo arquiteto Abílio Guerra, o fórum de debates assume papel fundamental na troca de informações entre países. “Queremos deixar o hall dos acadêmicos”, diz Guerra. Entre os importantes nomes do evento, estão os premiados franceses Patrick Berger e Christian de Portzamparc; a inglesa Filomena Russo, autora de projetos preocupados com a ecologia; Riek Bakker (Holanda), que fala sobre o projeto de desenvolvimento estratégico do porto de Roterdã; o jurista Karl Jasper (Alemanha), sobre a recuperação social e ecológica de cidades alemãs às margens do rio Emscher; e o inglês Peter Cook, “pai” de grandes arquitetos europeus, que também tem mostra ao lado de Foster e Hadid.

De Cook, o público pode conferir, por exemplo, a galeria Kunsthauz,
da cidade de Graz (Áustria), com seu bizarro formato alienígena. As palestras não aceitam reservas, e os 350 lugares disponíveis serão preenchidos por ordem de chegada. Mais informações sobre os participantes estão no site www.vitruvius.com.br.

Com tantos nomes importantes, a bienal não poderia esquecer do brasileiro Oscar Niemeyer, que projetou um espaço especialmente
para a ocasião, no primeiro andar, vizinho a uma pequena igreja do cenógrafo J.C. Serroni, com escala quase real. São espaços muito especiais, localizados logo na entrada da exposição. No mesmo andar, Pedro Mendes da Rocha projetou um pátio com entrada gratuita,
onde também haverá uma loja de livros especializada em arquitetura, exposições de faculdades e um lounge, para quem quiser descansar
um pouco as pernas. Afinal, como sempre, a Bienal exige muita energia
e disposição. Quem sabe, mais de uma visita.