O ronco era inconfundível. Uma Harley-Davidson Fat Boy acabava de entrar no estacionamento do Fórum de Parelheiros, em São Paulo. “Foi daqui que pediram um juiz?”, perguntou o magistrado Otávio Augusto Machado de Barros Filho enquanto tirava o capacete diante do olhar atônito dos seguranças. “Esse é o serviço de juiz-delivery”, brincou Barros. Ele é um dos motociclistas que trocam o terno e a gravata pela jaqueta de couro e capacete sempre que podem. Essa tribo urbana, que idolatra a liberdade ao mesmo tempo que foge do trânsito, não pára de crescer. Além de juízes e advogados, inclui também executivos, delegados e profissionais de diversas áreas.

O xodó dessa turma são as motos de grande cilindrada – mais potentes, caras, confortáveis e, claro, chamativas. O maior expoente da categoria é a americana Harley-Davidson, uma lenda que acabou de completar 100 anos. É a marca de motos mais antiga ainda produzida em série. Sua história começou em Michigan com os jovens William Harley e Arthur Davidson, que em 1903 adaptaram um motor a uma bicicleta. Presentes em duas guerras mundiais, as Harley viraram símbolo de rebeldia em filmes de Hollywood e possuem uma legião de fãs que chegam até a tatuar o logotipo da marca no corpo.

“A Harley é um mito de ferro e metal e passa uma sensação de segurança, força e potência”, desmancha-se o juiz Barros, que pelo menos três vezes por semana usa sua Fat Boy para ir ao trabalho. Numa mochila, leva os processos e uma camisa que vai se juntar à gravata e ao paletó que deixa de prontidão no gabinete. Nas horas vagas, usa a moto para encontrar os amigos do motoclube Mad Fox (Raposa Maluca). Também viaja com a mulher, a decoradora Alice Rossi, dona de uma Yamaha TDM de 750 cilindradas. Os dois, por sinal, se conheceram há cinco anos, num encontro de um motoclube. Alice usa a moto para tudo – até para comprar peixe no mercado municipal. “Levo a compra na mochila”, conta.

As motos de grande cilindrada como a Harley e seus genéricos representam 1% das vendas do setor no País. Mais de 85% do
mercado ainda é dominado por máquinas de até 200 cilindradas,
que são os modelos preferidos pelos serviços de entrega que pipocam
nas grandes cidades e os mais acessíveis aos bolsos das classes C e D. Mas o motoqueiro que tem dinheiro não pensa duas vezes antes de gastá-lo numa máquina mais potente. “Esse tipo de moto tem um
público cativo. As vendas tendem a aumentar nos próximos anos”,
diz Franklin de Mello Neto, diretor-executivo da Abraciclo, a associação dos fabricantes de motocicletas.

A tendência é começar a vida sobre duas rodas com motos mais baratas e depois pular para modelos mais potentes. É o que fez o delegado paulista Marco Antônio Ribeiro de Campos, 58 anos de idade e 30 de moto. Sua primeira máquina tinha apenas 125 cilindradas. Depois, evoluiu para modelos de 400 cilindradas, 750 cilindradas e 1.100 cilindradas até chegar na sua moto atual, uma Suzuki Intruder de 1.500 cilindradas, um dos modelos que se parecem com a lendária Harley. Nem mesmo os três acidentes que já sofreu o fazem desistir do hobby. Eles lhe causaram ferimentos por todo o corpo, um rompimento de tendão e uma fratura no ombro, mas não arranharam nem de leve sua paixão pelas duas rodas. “Ninguém é perfeito. Gosto de liberdade e nunca vou largar o motociclismo”, afirma ele. “Mas não aconselho isso para ninguém”, brinca.

Barbie de moto – Outro fanático por motos é o empresário Julião Escudero, de Jundiaí, no interior paulista. A cada final de semana, ele roda pelo menos 600 quilômetros montado em sua Harley-Davidson Heritage Classic de 1.450 cilindradas. Escudero viaja acompanhado por outros 20 amigos, todos empresários com mais de 50 anos, que fundaram o grupo Anciãos ao Vento. “Troco o ar-condicionado e o CD-player do carro pelo cheiro da estrada e pelo ronco da Harley, que é música para mim”, diz Escudero.

O sabor do vento no rosto não é apenas privilégio de quem tem modelos potentes. A estilista Lula Romero, 30 anos, que trabalha como vendedora na butique Daslu, uma das mais chiques e caras de São Paulo, foge do trânsito numa scotter italiana Aprilia Scarabeo de 50 cilindradas. O visual de Lula no trânsito – maquiagem e brincos sob o capacete e salto alto – lhe rendeu o apelido de “Barbie de moto”. E ai de quem tente mexer com ela – Lula conta com a proteção dos motoboys, que a adotaram como mascote. “Quando estou de carro me sinto mais desprotegida e tenho muito mais medo de ser assaltada”, diz a moça, que só deixa a motoca na garagem quando está muito frio. Aí, faz como a música e vai de táxi.