O governador da província de Córdoba (Argentina), o peronista José Manuel de la Sota, 53 anos, acredita que os primeiros 100 dias do presidente Néstor Kirchner, também peronista, completados nesta terça-feira 2, devolveram a autoconfiança do povo argentino depois de anos de uma aguda crise econômica e social. “Ninguém mais acreditava na Argentina, mas o presidente Kirchner conseguiu reverter esse quadro, graças principalmente à sua transparência e ao tratamento especial que ele deu à questão econômica nas negociações com o FMI e os organismos internacionais de crédito”, disse De la Sota a ISTOÉ durante sua passagem por São Paulo, na semana passada, onde se encontrou com empresários e políticos para falar sobre a nova legislação para atrair investimentos. O governador, ex-embaixador no Brasil, acredita que até
a relação da população argentina com os políticos melhorou muito nos últimos tempos: “Eu mesmo fui reeleito governador de Córdoba com
52% dos votos em 8 de julho passado. Um ano atrás, nenhum político argentino poderia ficar tranquilo em relação aos humores do eleitorado”, disse. Quanto à polêmica criada pela decisão de Kirchner de revogar as leis que beneficiavam militares acusados de violação de direitos humanos durante a ditadura (1976-1983), De la Sota, um ex-preso político, acredita que para uma reconciliação nacional é necessário que a
verdade venha à tona.

Ninguém quer vingança, mas, sim, justiça. Os judeus sempre lembram
o episódio Gueto de Varsóvia com o intuito de preservar a memória histórica. Além disso, hoje é inconcebível que um ex-terrorista ou um ex-militar torturador afirme que faria tudo de novo. A violência e o terrorismo não têm justificativa; principalmente o terrorismo de Estado”, diz.

Mas o principal problema da segunda província mais importante da Argentina depois de Buenos Aires, como de resto do país, é a economia. Córdoba, que representa 10% do PIB argentino, foi uma das mais afetadas pela brutal crise econômica que abalou o país vizinho nos últimos anos. Muitas empresas, principalmente montadoras como a GM, foram embora. No último ano, contudo, houve uma lenta recuperação da economia provincial e até o fim do ano o governo acredita que Córdoba, hoje com déficit zero, possa ter um superávit fiscal. Em função desse quadro, o governador De la Sota está apostando na mudança de perfil da economia cordobesa. “Na indústria automotiva, as decisões são tomadas longe da Argentina e do Brasil. Prefiro promover setores industriais em que a decisão fique conosco”, afirma. “Agora estamos investindo, por exemplo, em setores de serviços, como o software”, diz De la Sota.

A grande alavanca da reconstrução é uma lei de promoção do desenvolvimento industrial que tem o objetivo de atrair investimentos externos para a província. O Brasil, para onde se destinam 48% das exportações cordobesas, é o principal alvo dessa estratégia. Defensor
do incremento do comércio no Mercosul, o político peronista tem uma opinião muito clara sobre a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), proposta pelos EUA: “Qual é a vantagem da Alca? Até agora, eu não sei. Se a Alca não for um negócio compartilhado, não temos por que aceitá-la. Uma coisa é o que falam os empresários americanos, outra são os fatos. Quando exigimos que os EUA cumpram o acordo de comprar as cotas de importação de amendoim cordobês, por exemplo, eles compram o amendoim que exportamos para Rotterdã, na Holanda. Então, eu insisto: qual é a vantagem?”