Mergulhar na escuridão abissal assemelha-se a viver no árido deserto de Marte sem oxigênio e em temperaturas extremas. Essa é a conclusão a que chegaram os cientistas americanos do Woods Hole Oceanographic Institution (WHOI) durante os últimos e bemsucedidos testes realizados na semana passada com o mais novo e revolucionário robô submarino desenvolvido nos EUA, batizado com o nome de Nereu.

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Todos os testes, é claro, ainda foram feitos em laboratórios que simulam as profundezas dos mares, e por mais avançados que sejam eles são bem diferentes das condições reais da natureza. Mas os especialistas estão otimistas e não é sem razão que comparam a pesquisa espacial ao estudo da fossa abissal oceânica: em ambas as situações as condições ambientais são extremamente difíceis ao estudo. Assim, o mesmo desafio que move a Nasa na exploração de planetas anima os cientistas da WHOI a conhecer aquele que é considerado o ponto mais extremo da Terra: a fossa das Ilhas Marianas, localizada a 5,3 mil quilômetros a leste do Havaí, no oceano Pacífico – um lugar onde as trevas são permanentes a uma profundidade estimada em 11mil metros.

O que está em jogo é a ampliação do conhecimento sobre as zonas mais inóspitas da Terra já estabelecidas pela ciência.

E é com esse objetivo que o robô Nereu será mergulhado no mês que vem para estudar as Ilhas Marianas.

Até hoje apenas duas missões estiveram no local, mas nenhuma o explorou – tratava-se apenas de uma espécie de ensaio tecnológico, no limite do que a ciência podia alcançar à época, para a grande jornada que agora se inicia. Em 1960, a bordo do submarino Trieste, dois dos mais experientes mergulhadores dos EUA, Don Walsh e Jacques Piccard, desceram 10.916 metros. Em 1995, o robô submarino Kaikô foi submerso a 10.911 metros. A missão Trieste durou apenas 20 minutos, mas venceu o desafio de colocar um submarino sob toneladas de pressão. Foi uma proeza. Um gigantesco passo à frente deu o robô Kaikô, ao gravar pela primeira vez algumas imagens, ainda pouco nítidas, até porque seus movimentos estavam tolhidos por cabos de aço que o prendiam à superfície.

Foi assim que Kaikô mergulhou, porque era o máximo de tecnologia que se tinha até aquele momento. Agora será diferente porque o novo robô explorará o fundo do mar com autonomia de até 20 horas (nenhum cabo o prende), graças às suas baterias de íons de lítio. Para essa tecnologia, as pesquisas da Nasa contribuíram decisivamente.

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"Ainda assim teremos cautela. Primeiro iremos trabalhar a mil metros de profundidade, depois a quatro, seguindo então para os oito mil metros. Esse será um momento crucial. Desse patamar, Nereu vai direto, em queda livre, para a profundidade total", diz Andy Bowen, do WHOI. Segundo ele, todo cuidado é pouco porque a cada centímetro que se desce aumenta em cinco toneladas a pressão. Isso pode danificar o robô, e esse é um risco que não vale a pena correr – a sua estrutura de 2,8 toneladas custou US$ 5 milhões. Há nesse ambiente abissal determinadas formas microscópicas de vida (seres extremófilos como bactérias unicelulares) que lá conseguem sobreviver, mas isso só ocorre porque estão adaptadas há milhões de anos a circunstâncias tão adversas à vida. Pode-se argumentar que Nereu é mais forte, bem mais forte, porque é um robô. Não importa: ele é um corpo estranho e é difícil garantir que os seus componentes não sofrerão danos a 11 quilômetros de profundidade.

Um dos grandes desafios é a ausência total de luz. "Para se ter uma ideia, numa água límpida, e ao meio-dia, a luz solar diminui 10% a cada 60 metros que nela se mergulhe.

A 500 metros já há quase uma escuridão total", diz Bowen. Foi justamente essa dificuldade, a do breu, que mais pesou no tempo de desenvolvimento do robô Nereu: levaram-se seis anos somente na fase de implantação e testes de um perfeito sistema tecnológico de inteligência artificial com sensores químicos, sonar para navegação e câmeras digitais acondicionadas em compartimentos de cerâmica sintética, material extremamente resistente a ambientes de condições extremas.

Todo o comando do Nereu estará em um navio de controle. "Ele será os nossos olhos no fundo do Pacífico. Chegará aonde jamais chegaríamos sozinhos", diz Tim Shank, da equipe da WHOI. "Desta vez iremos montar o mais sofisticado e preciso laboratório no fundo do mar." Os cientistas sabem que lá encontrarão formas de vida e elas auxiliarão nos estudos geológicos.

"Desta vez iremos montar o mais sofisticado e preciso laboratório no fundo do mar"

Tim Shank, da equipe do WHOI

Como exemplo fantástico de adaptação, o oceanógrafo Shank cita algumas espécies de crustáceos encontradas em regiões inóspitas do oceano Atlântico: devido à falta de luz, elas evoluíram, geneticamente se adequaram e naturalmente seus olhos foram substituídos por delicadas estruturas sensoriais que se localizam estrategicamente sobre as costas para detectar calor. É assim que esses crustáceos se movimentam com grande agilidade e se protegem de eventuais predadores. "Ninguém poderia prever que essa espécie evoluiria geneticamente dessa forma. Podemos esperar sem dúvida formas incríveis de evolução na fossa das Marianas", diz Shank. Tudo isso Nereu verá, e também os geólogos reforçam o time da contagem regressiva de seu mergulho e da expectativa em relação ao seu trabalho. Eles esperam usar os dados recolhidos por Nereu para estudar o movimento das placas tectônicas e a consequente formação de fenômenos naturais como tsunamis – deve-se a uma deformação súbita no fundo do oceano o infernal espetáculo das ondas gigantes que em 2004 engoliram ilhas do Pacífico. "Essa missão pode nos trazer respostas tão importantes quanto as missões feitas fora do nosso planeta", diz Shank.