O candidato a presidente do Peru rechaça a influência do líder venezuelano e diz que, caso ganhe, cumprirá contratos já assinados

img2.jpg
LIDERANÇA
Humala venceu o primeiro turno com 32% dos votos

A vitória do ex-militar Ollanta Humala no primeiro turno das eleições presidenciais no Peru é atribuída em parte ao trabalho de marketing do petista Valdemir Garreta, que coordenou a campanha de Marta Suplicy para a Prefeitura de São Paulo em 2008, e de Luis Favre, ex-marido da hoje senadora pelo PT. Com uma estratégia de campanha inspirada no slogan “a esperança vai vencer o medo” que levou Lula ao poder em 2002, Humala abandonou o discurso estatizante, afastou-se do venezuelano Hugo Chávez e passou a defender políticas de estabilidade econômica. Uma mudança e tanto para ele, que liderou um golpe contra o então presidente Alberto Fujimori em 2000 à frente de um grupo com ideais ultranacionalistas. O golpe fracassou, mas Humala foi perdoado.

Além dos ideais nacionalistas, Humala também mudou o visual, com a adoção do estilo “paz e amor”. Passou a envergar ternos de grife, camisa branca e não mais a vermelha, fez a barba e adotou um corte de cabelo moderno. Em entrevista exclusiva à ISTOÉ, o líder do Partido Nacionalista Peruano minimiza a influência dos brasileiros, que tem sido criticada pela oposição. “Favre e Garreta dão assessoria ao comando da campanha da coligação Peru Ganha, não ao candidato”, justifica. Os quase 32% de votos obtidos por Humala indicam que a mudança cosmética lhe fez bem, mas não é garantia de que chegará à Presidência. A segunda colocada, com 23,5%, foi a conservadora Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori. Ela já articula uma aliança com o economista Pedro Paulo Kuczynski, que teve 18,5% dos votos. A saída para Humala será aliar-se com o ex-presidente Alejandro Toledo, com seus 15,6%.

img1.jpg
"Eu disse ao presidente Chávez que as eleições peruanas
serão resolvidas pelo povo peruano, e ninguém mais!"

img.jpg
"Combati o Sendero Luminoso, minhas ideias não têm nada
a ver com os valores radicais daquele grupo terrorista"

ISTOÉ

Na eleição de 2006, sua imagem esteve ligada à do presidente venezuelano Hugo Chávez. É verdade que o sr. pediu a Chávez que se mantivesse afastado do atual processo eleitoral? 

Ollanta Humala

Sim, temos dito ao presidente Hugo Chávez que é preciso respeitar para ser respeitado. E, assim como exijo dele que não interfira na campanha nacional peruana, também digo que não vou me intrometer nos problemas que dizem respeito à Venezuela. Dizemos também a Chávez que as eleições peruanas serão resolvidas por nós, peruanos, e ninguém mais! Somos muito objetivos quando afirmamos que o modelo do governo venezuelano não se aplica ao Peru. 

ISTOÉ

Hugo Chávez defende o projeto da Alba, a Alternativa Bolivariana para as Américas, e o que ele chama de Socialismo do Século XXI. O sr. também acredita nisso? 

Ollanta Humala

Não insista. Tenho repetido em várias oportunidades que nosso projeto é diferente do de Chávez. 

ISTOÉ

Quais são suas referências políticas atuais? E as históricas? 

Ollanta Humala

No início da campanha visitei o túmulo de Victor Raúl Haya de la Torre, fundador do Partido Aprista Peruano, que foi uma das mais importantes forças políticas da história de meu país. Também tenho grande respeito por pensadores peruanos como o líder socialista José Carlos Mariátegui e o influente historiador Jorge Basadre. 

ISTOÉ

O sr. nunca ocupou cargos eletivos, mas se considera apto para assumir o governo do Peru? 

Ollanta Humala

O fato de eu não ter ocupado um cargo eletivo é na verdade uma grande vantagem, porque não podem me comparar com os demais candidatos que já foram eleitos e prometeram durante suas campanhas coisas que nunca cumpriram. Para nós, o mais importante é que amamos o Peru e por isso temos certeza de que, se formos eleitos, vamos realizar um excelente governo. 

ISTOÉ

O sr. é considerado um político progressista e o PNP é de centro-esquerda. Quais são os verdadeiros valores de Ollanta Humala na política e na economia? 

Ollanta Humala

Defendo uma renovação integral na política peruana. Já está na hora de lhe dar mais decência e banir a corrupção, para que o Estado possa servir mais e melhor à população, especialmente às classes mais desamparadas. Meu objetivo é fazer com que o crescimento econômico chegue a todas às famílias peruanas. 

ISTOÉ

O sr. participou da ofensiva contra o grupo maoista Sendero Luminoso, que foi derrotado no início dos anos 1990. Não é contraditório defender hoje os valores que o sr. combateu no passado? 

Ollanta Humala

Não vejo contradição alguma. Sempre defendi meu país, tanto no conflito armado com o Equador em 1995, nas serras de El Cenepa, como contra o terrorismo do Sendero Luminoso. Não defendo e nunca defendi valores do passado. Minhas ideias não têm nada a ver com os valores radicais daquele grupo terrorista. 

ISTOÉ

Em seu tempo de militar, o sr. estudou na Escola das Américas, um conhecido centro dos EUA para treinamento de técnicas de tortura e combate à subversão comunista. Como foi essa experiência? 

Ollanta Humala

Isso aconteceu quando eu era apenas um cadete da Escola Militar. Foi uma passagem efêmera em minha vida. 

ISTOÉ

O sr. conheceu algum oficial brasileiro lá? 

Ollanta Humala

Não tive contato com nenhum oficial de outros países. 

ISTOÉ

Que relação o sr. espera manter com o Brasil? E com os EUA?

Ollanta Humala

 Quero manter as melhores relações possíveis, as mais cordiais, preocupado sempre em buscar o mútuo benefício político e econômico.

ISTOÉ

E como o sr. avalia o governo de Dilma Rousseff? 

Ollanta Humala

Nesses meses tenho estado muito focado na campanha eleitoral em meu país. Não tenho tido tempo para analisar a situação do Brasil. 

ISTOÉ

O sr. acha necessário manter as políticas de combate ao
narcotráfico nas fronteiras? 

Ollanta Humala

Para começar, nós propomos uma política de fronteiras vivas, na qual a população possa viver nas zonas de fronteira e assim gerar desenvolvimento nessas regiões. 

ISTOÉ

O que podem esperar as empresas brasileiras que trabalham no Peru? O sr. pensa em renegociar os contratos? 

Ollanta Humala

Minha proposta é aprofundar o desenvolvimento em meu país. Por isso, tenho pedido às empresas brasileiras e de qualquer outra nacionalidade, que têm investimentos no Peru, que não tenham nenhum tipo de preocupação. Os contratos serão mantidos. 

ISTOÉ

O sr. acredita que a rodovia interoceânica, que liga Rio Branco, no Acre, a Puerto Maldonado, no Peru, ajudará o desenvolvimento de ambos os países? 

Ollanta Humala

O Brasil precisa de um sócio estratégico neste lado do Oceano Pacífico e acredito que o Peru é o parceiro ideal para cumprir esse papel. Nossa colaboração será de mútuo benefício. 

ISTOÉ

E qual sua estratégia para derrotar a conservadora Keiko Fujimori no segundo turno? 

Ollanta Humala

Ressalto à militância que só ganhamos o primeiro turno. Em dois meses teremos o segundo turno da campanha. É como num jogo de futebol. Recebemos com calma essa vitória no primeiro turno. Vamos continuar trabalhando para seguir crescendo e ganhando a confiança do eleitorado peruano. 

ISTOÉ

Como evitar que Keiko Fujimori, que tem 23% de apoio, se alie ao terceiro colocado, o ex-ministro e economista Pedro Paulo Kuczynsk? 

Ollanta Humala

Em relação ao segundo turno, não temos que evitar que o outro candidato faça alianças com quem não passou no primeiro turno. Temos é que trabalhar pensando no povo. É natural que quem tem programas parecidos queira se aproximar e apoiar. Nós também buscaremos acordos, mas acima de tudo é preciso saber o que deseja a população. 

ISTOÉ

E quais seriam as suas condições para firmar uma aliança com outro candidato, como o ex-presidente Alejandro Toledo? 

Ollanta Humala

Não impomos nenhuma condição. Estamos convocando todos os peruanos para que se unam ao projeto de grande transformação. 

ISTOÉ

Mas, se o sr. perder o segundo turno, pretende continuar na vida política? Vai sair candidato à Presidência pela terceira vez em 2016? 

Ollanta Humala

Considero prematuro falar nisso, pois agora estamos focados nesta campanha presidencial. Vamos continuar percorrendo o Peru levando nossa mensagem de esperança e desenvolvimento para a população menos favorecida. 

ISTOÉ

Sua nova imagem política resulta do trabalho de marketing dos petistas Luis Favre e Valdemir Garreta, que estão trabalhando com o sr.? 

Ollanta Humala

Luis Favre e Valdemir Garreta prestam assessoria ao comando da campanha da coligação Ganha Peru, mas não diretamente ao candidato Ollanta Humala. Posso dizer que nesses anos minhas ideias políticas amadureceram bastante, especialmente na forma de transmiti-las à população. Eu sempre disse que sou radicalmente contrário à corrupção e à injustiça. 

ISTOÉ

Quanto custou sua campanha eleitoral no primeiro turno? 

Ollanta Humala

Até o momento o orçamento da campanha foi de oito milhões de novos soles (cerca de R$ 4,5 milhões). 

ISTOÉ

A vitória do PNP nas eleições para o Congresso não é suficiente para aprovar a reforma constitucional. O que o sr. pretende fazer para conquistar o apoio da oposição para os seus projetos? 

Ollanta Humala

Sempre apostamos no diálogo. E se vencermos continuaremos defendendo essa postura. Vamos buscar consensos e acordos concretos entre as bancadas para realizar as modificações que forem necessárias para o desenvolvimento do país. Essas mudanças devem ser paulatinas e graduais. 

ISTOÉ

Que leis são prioritárias em seu projeto político? 

Ollanta Humala

São muitas e é difícil apontar a mais urgente. Mas um dos primeiros projetos que queremos impulsionar no Congresso é o aumento do orçamento nas áreas de Educação e Saúde. 

ISTOÉ

Seu rápido crescimento nas urnas seria um reflexo da insatisfação social com a classe política tradicional, enquanto a economia vai bem. O sr. concorda? 

Ollanta Humala

A economia peruana está num bom caminho. O problema é que o crescimento econômico não chega à casa de todos os peruanos. De tal forma que ainda podemos ver gente vivendo em extrema pobreza nas ruas de Lima. Então, a insatisfação do povo ainda é grande, sobretudo quando o governo, em seu material de propaganda, quer nos convencer de que o “Peru Avança”. Mas principalmente no interior do país não é o que se observa.