03/09/2003 - 10:00
Donna J. Hrinak foge ao tradicional perfil dos representantes dos Estados Unidos no País. Em vez de ser, como tantos embaixadores no passado, um empresário amigo do presidente americano de plantão, ela é diplomata de carreira. Em 29 anos de serviço no Departamento de Estado, Hrinak acumulou uma sólida experiência sobre a América Latina, onde serviu nada menos que 26 anos em postos variados no Brasil, Venezuela, Colômbia e Bolívia. O cargo de embaixadora no Brasil é o terceiro que exerce, tendo sido antes a representante americana na Bolívia e na Venezuela. Falando um português fluente, fruto de uma permanência anterior de mais de dez anos no Brasil, ela recebeu ISTOÉ para uma conversa de uma hora em que surpreendeu ao garantir que não existem células terroristas árabes na região da Tríplice Fronteira (Foz do Iguaçu, Ciudad del Este e Puerto Iguazú), paranóia alimentada anos atrás pelos próprios Estados Unidos. A embaixadora também acha que a Alca ainda vai ter muita negociação e a data de janeiro de 2005 para entrar em vigor serve mais como referência do que uma coisa imutável. “Sem uma data para balizar as negociações, elas se estenderiam pela eternidade”, ponderou. Donna Hrinak considera que a solução para o conflito de mais de 40 anos na Colômbia só pode ser a negociação. Sobre a Venezuela, acha que o referendo servirá para dar uma solução democrática à disputa entre o presidente Hugo Chávez e a oposição. Ela garantiu ainda que o governo dos EUA autoriza a venda de mísseis de última geração, numa tentativa de ganhar, com os caças F-16, a milionária concorrência dos novos jatos da FAB. Donna Hrinak tornou-se, no final do ano passado, assunto das colunas sociais ao aparecer numa audiência com o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva com o nariz engessado por causa de uma plástica. “O presidente eleito me chamou. Tive que ir na hora marcada e pronto, com ou sem curativos no rosto”, afirma. A cirurgia de plástica do nariz tinha terminado três horas antes. A seguir, os principais trechos da entrevista.
O único meio de combater o terrorismo é as nações que respeitam a democracia, os direitos humanos e a liberdade trabalharem contra aqueles que minam e desrespeitam esses valores. Os terroristas não estão atacando um determinado governo, política ou país, mas inocentes ao redor do mundo. Os governos têm a responsabilidade de defender seus cidadãos. Cada ataque terrorista, não importa onde ocorra, nos ensina que todos somos vulneráveis.
Como disse o secretário de Estado Colin Powell, depois
de se reunir com o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, na semana passada: “A ONU continua comprometida e os EUA certamente
continuam comprometidos em ficar no Iraque e assegurar que a
promessa feita aos iraquianos com a eliminação do regime de
Saddam Hussein será cumprida.”
Não, nunca tive nenhum contato profissional com ele, mas conhecia seu trabalho. O sucesso de suas missões anteriores no Kosovo e no Timor Leste provou sua extraordinária capacidade como mediador em tempos de crise. Ele fará muita falta.
No passado houve muita especulação, até por gente do governo dos EUA, de que haveria um fluxo de capitais daquela região para o Oriente Médio que poderia terminar nas mãos de grupos extremistas como o Hizbolá libanês. Hoje está claro que não há nenhuma evidência de grupos terroristas na região. Temos uma colaboração estreita com Brasil, Argentina e Paraguai, acompanhando o fluxo de fundos. Acredito que a grande maioria das pessoas que manda dinheiro para o Oriente Médio o faz movida por interesses nobres e legais. Pode, por exemplo, mandar dinheiro para a Autoridade Palestina, que é legalmente constituída como uma organização política e governamental. Todos sabem que há muita criminalidade na Tríplice Fronteira, com tráfico de armas e lavagem de dinheiro. Acho que não há país mais preocupado com isso do que o Brasil, que enfrenta o problema do tráfico de armas nas favelas. Quanto à existência de células terroristas, repito, não temos conhecimento disso. E não sou a primeira a dizer isso. O secretário de Estado Colin Powell já disse isso antes.
Acho que não. Podemos avançar nessas áreas dentro das negociações da Alca e também fazer progressos em negociações bilaterais. Em junho, na reunião de Washington, por exemplo, o presidente Lula e o presidente Bush criaram uma comissão específica sobre agricultura. Ela não tratará dos subsídios, um tema para a OMC, mas já estamos discutindo a fiscalização de saúde de animais
e plantas, fundamental para as exportações de carne fresca que o Brasil quer fazer para os EUA. A idéia é ver quanto progresso podemos fazer nas negociações da Alca, nas negociações bilaterais, sem
entrar nos temas da OMC.
A próxima reunião preliminar da Alca, em setembro em Cancún (México), vai definir a pauta, os temas para a reunião ministerial de novembro em Miami. Em suma , vai estabelecer o caminho para a última fase das negociações. Algumas questões serão discutidas na Alca, outras, não. Os subsídios agrícolas, por exemplo, nós achamos que
terão de ser discutidos na OMC, onde o Brasil deveria ser nosso melhor aliado. Os dois países têm sérios problemas com os subsídios agrícolas
da Europa e do Japão.
Mas os subsídios dos EUA são muito mais baixos, são um terço dos da Europa e Japão.
Sim, mas se conseguirmos baixar ou eliminar os subsídios na OMC, podemos ter muito mais flexibilidade no âmbito da Alca. O
Brasil pode ser nosso parceiro.
Mantido o prazo de janeiro de 2005, se entende que haverá um acordo bom para os 34 países. Afinal, ninguém vai assinar um acordo prejudicial aos seus próprios interesses. A data foi definida em 1994. E o bom negociador só negocia seriamente quando há um prazo fixo; ninguém vai mostrar todas as suas cartas no início de uma negociação. A data é importante porque os negociadores sabem que terão que mostrar algo nessa data. Creio que a ênfase dada à questão da data depois da visita do presidente Lula a Washington foi um erro, pois os presidentes só fizeram confirmar a data acertada em 1994. Pode-se manter a data e não se negociar nada. Por isso, ambos – conteúdo e data – são importantes. A existência de um prazo fortalece a discussão sobre
o conteúdo. Sem data, se discutiria até a eternidade.
Hrinak – O que um país deveria fazer quando tem informações de que
um certo grupo pretende aproveitar a legislação liberal para praticar atos terroristas? Além disso, selecionamos países para exigir vistos analisando o número de pedidos e o número de pessoas destes países encontradas trabalhando ilegalmente nos EUA. Não foi uma escolha aleatória. Quero esclarecer que essa necessidade de vistos para passageiros em trânsito é só para os próximos 60 dias. Depois, vamos revisar a situação. Sei que estamos dificultando a vida de muitas pessoas, das empresas aéreas americanas, da indústria turística americana e das empresas americanas. É uma medida temporária tomada por causa das ameaças.
Mas agora precisam. Antes, os argentinos não estavam ficando ilegalmente nos EUA. São dois critérios. Países que não preenchem os requisitos necessários para a obtenção de vistos e países com número elevado de imigrantes ilegais.
É uma resposta difícil. A assistência militar dos EUA é apenas um elemento em nossa ajuda à Colômbia. Os grupos guerrilheiros não
têm mais ideologia, são narcotraficantes, comerciantes. Acho que tem que haver um incentivo às negociações, mas não da forma como tentou o ex-presidente Andrés Pastrana, sem uma forte presença militar. O
que o atual presidente, Alvaro Uribe, está fazendo, ao ampliar as ações militares, é mostrar que os grupos guerrilheiros não farão progressos pela luta armada. Na verdade, ele está dando um incentivo à retomada de negociações sérias. A situação na Colômbia é extremamente complicada. E há 40 anos. Não há uma bala de prata com uma
solução mágica. Só com negociações sérias.
O Brasil está aplicando na Venezuela uma política exterior mais assertiva, que começou com o presidente Fernando Henrique Cardoso e continua com o presidente Lula. George Kennan (diplomata americano, teórico da guerra fria) uma vez disse que existem no mundo cinco “países-monstros” – Rússia, China, Índia, Brasil e EUA. Por muito tempo o Brasil não queria aceitar as responsabilidades que acompanham um “país-monstro”. Nos últimos anos, no entanto, tem procurado desempenhar um papel mais forte, sobretudo na América do Sul. As reuniões do presidente Lula com os demais presidentes latino-americanos, a participação do BNDES em projetos de desenvolvimento nos países vizinhos, o papel de coordenador do Grupo de Amigos da Venezuela, tudo reflete essa política exterior muito positiva.
O novo subsecretário para a América Latina, Roger Noriega, é de origem mexicana. Seus avós foram imigrantes ilegais. Eu tenho
29 anos de carreira, quase toda na América Latina, e nunca entendi por que os países latino-americanos não defendem os direitos humanos, os direitos democráticos do povo cubano. Se qualquer outro país tivesse agido como Cuba, imagine a repercussão. Nunca entendi esse apoio a Cuba por parte dos países do continente. Uma coisa é a política dos EUA com os cubanos de Miami. Outra é essa espécie de liberdade para violar direitos dada a Cuba
Pensei que estivéssemos falando de Cuba… Nós também falamos contra o desrespeito aos direitos humanos na China. Temos apoiado resoluções, condenamos ações chinesas. Aqui no nosso hemisfério, esperamos que a integração leve a um maior respeito
aos direitos humanos.
Quem participa da concorrência é uma empresa privada dos EUA. Quanto ao míssil, a decisão cabe ao governo. E a oferta inclui o míssil Aim-120 Amraam.