Há duas semanas, a bancada do PL fez uma ruidosa reunião num hotel de Brasília. Além dos queixumes de sempre pela falta de espaço no governo, boa parte dos liberais caiu de pau, acredite, na atuação do ministro do partido, Anderson Adauto, dos Transportes. Apenas um, dos 40 deputados, tentou, em vão, defendê-lo. A reclamação generalizada é que Adauto se transformou num ministro que está longe da própria bancada. Traduzindo: não abre os cofres e não nomeia os indicados pelos correligionários. Fragilizado por uma série de denúncias, o ministro agora enfrenta uma conspiração política dos próprios aliados no ápice da discussão da reforma ministerial. Na quinta-feira 28, enquanto Adauto ainda tirava fotos na reunião ministerial, os “aliados” do PL começavam a articular, intramuros, a sua implosão.

A relação do ministro com o PL se complicou ainda mais com a insatisfação que contaminou o alto clero do partido. “Tem um descontentamento muito grande da bancada com ele. Não vou pedir sua demissão porque ele não é ministro nosso, foi escolhido pelo Lula. Já o defendemos bastante”, diz com todas as letras o deputado Valdemar Costa Neto (SP), presidente nacional do partido, que acumula a liderança na Câmara. Segundo um dos cardeais liberais, o próprio vice-presidente da República, José Alencar (PL-MG), que teria indicado Adauto para ministro, se encarregou de encaminhar ao ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, a mais nova denúncia de corrupção nos Transportes. Trata-se de uma carta enviada por alguém que se identifica como funcionário da empresa Data Traffic, com sede em Goiás, acusando o coordenador-geral de Operações Rodoviárias, Afonso Guimarães Neto, de cobrar elevadas propinas para o pagamento de dívidas do Ministério com a empresa. A denúncia dá detalhes estarrecedores. Segundo a carta, endereçada ao diretor-geral do Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes (Dnit), José Silva Coutinho, Guimarães Neto é casado com uma prima de Adauto e estaria cobrando propinas entre 18 e 22% para liberar pagamentos atrasados ao consórcio que aluga lombadas eletrônicas para o DNIT. O consórcio é formado pelas empresas Data Traffic, Inepar, Siget e Perkons, que lidera o grupo.

Propina – A carta anônima narra com detalhes as reuniões com Guimarães Neto em Brasília e os valores envolvidos na suposta negociata. Segundo a denúncia, o DNIT pagou duas faturas atrasadas à empresa. A primeira está datada de 22 de maio de 2003, no valor de R$ 4,65 milhões. A segunda teria sido no dia 18 de junho, no total de
R$ 8,25 milhões. Por esta bolada, denuncia o funcionário da Data Traffic, foi paga uma propina de 18%, entregue na cidade de Uberaba (MG), terra do ministro e do coordenador de Operações Rodoviárias. “Depois de receber os pagamentos, eu não tive coragem de viajar de carro com aquele montante todo em dinheiro e mandei uma pessoa de minha confiança até Uberaba entregar em mãos”, diz um dos trechos.
O diretor do DNIT, destinatário da carta, disse que abriu uma investigação na corregedoria do órgão e confirmou os valores mencionados na carta. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz
Bastos, iniciou uma investigação para apurar a denúncia.

Um dos donos da Data Traffic, Jaci Castro, disse a ISTOÉ que desconhecia a denúncia e se colocou à disposição da PF para ajudar
na investigação. Ele desmentiu o pagamento de propinas e informou
que o contrato com o Ministério dos Transportes é acompanhado por Vítor Serednick, sócio da empresa em Brasílila. “Isso é um absurdo,
uma mentira deslavada”, protestou Serednick, suspeitando que algum concorrente possa ter forjado a denúncia. Castro e Serednick também confirmaram os valores apontados na carta e a existência dos nomes
dos assessores de Guimarães Neto citados na acusação. “Eu estive
com o dr. Afonso (Guimarães Neto) três ou quatro vezes este ano, apresentei os três executivos da empresa que cuidam do contrato”, declarou Serednick, frisando que não era o único da empresa que tinha contatos com o coordenador de Operações Rodoviárias, sem revelar os nomes do trio de executivos.

Inoperante – Na quarta-feira 28, Valdemar Costa Neto esbravejou em seu gabinete contra Adauto e desabafou com mais de um deputado que ele não pode continuar no ministério. “Ele é inoperante. Não dá uma dentro”, cutuca um deputado do partido. Valdemar se reuniu com José Dirceu e lavou as mãos sobre o destino de Adauto. Numa entrevista a ISTOÉ, Valdemar foi claríssimo quanto à nova denúncia envolvendo o ministro: “Tem que afastar (Guimarães Neto) e apurar. Só volta se ficar tudo esclarecido. Nem eu nem a bancada sabíamos que ele era primo do ministro. Pegou muito mal. Não pode pôr parente em cargos importantes. O PL não pode ficar associado a esta imagem negativa.” Às portas de uma iminente reforma ministerial, um cabisbaixo Adauto pode ter feito sua última foto em reuniões do primeiro escalão. Nos bastidores, os parlamentares do PL já começam a trabalhar o nome do deputado Milton Monti (SP) para o seu lugar, mas é pouco provável que o vice Alencar deixe de indicar outro mineiro para a vaga.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias