Há tempos o diretor DA Pennebaker –
que comandou o filme do memorável festival hippie Monterey Pop – e a documentarista Chris Hegedus vinham
se perguntando por onde andavam os astros da soul music que, de 1960 a 1975, enlouqueceram os Estados Unidos e parte do mundo até serem tragados pela disco music. Afinal, suas canções continuam sendo gravadas, trechos delas são sampleados por rappers e o imaginário musical de quem tem mais
de 40 anos não esquece artistas como Wilson Pickett, Isaac Hayes ou a ex-supreme Mary Wilson. Movidos pela curiosidade e com a ajuda do jornalista Roger Friedman, da revista Talk,
a dupla de cineastas descobriu um evento soul, organizado em Memphis, Tennessee, com a finalidade de arrecadar dinheiro para o cantor Luther Ingram, que se endividou depois de um transplante de rim. Foi um show beneficente de 12 horas, que reuniu a nata da soul music. Parte da suingada festa black está registrada no imperdível documentário com título em inglês Only the strong survive (Estados Unidos, 2002), que estréia na sexta-feira 5 em São Paulo.

Mesclando histórias da carreira e da vida de dez estrelas do gênero, Pennebaker e Chris realizaram entrevistas saborosíssimas, aproveitando
o humor maduro de gente como Rufus Thomas, que iniciou sua carreira como DJ num tempo em que os negros e sua música eram restritos a guetos, tanto nas moradias quanto nas rádios especializadas. Com o tempo, a racista sociedade dos Estados Unidos foi sendo obrigada a desentalar da garganta aqueles a quem segregava. Pois não existe a menor sombra de dúvida de que a música popular no século XX foi totalmente estruturada sobre os artistas negros do blues, do jazz,
da soul e até do rock, que foi resultado da grande mistura do balanço negro com o som caipira americano. Only the strong survive (somente
os fortes sobrevivem) não se atém a este fato sociocultural. Só
enfatiza a importância daquela turma, sem provocar discursos nem
apelar para a nostalgia.

Todos os artistas hoje se mostram felizes de ainda poder cantar suas músicas. Mesmo que não seja para platéias tão ensandecidas quanto aquelas para as quais se apresentaram. O documentário provoca uma reunião histórica no palco entre Rufus Thomas – que morreu em 2001, antes de o filme ser concluído – e sua filha Carla, considerada no universo soul uma Aretha Franklin antes de esta existir. A apresentação dos dois emoldura magia na mesma plenitude que ver e ouvir Wilson Pickett interpretando In the midnight hour; Mary Wilson entoando Someday we’ll be together com a outra supreme Cindy Birdsong, que substituiu Florence Ballard; ou Sam Moore, da dupla Sam & Dave, cantando Soul man. Pennebaker e Chris também resgataram algumas cenas de época e depoimentos emocionantes, como a lembrança de Sam Moore sobre seus difíceis tempos de traficante e consumidor de drogas nas ruas de Nova York, onde costumava ficar num hotel de oito dólares à noite. Como se vê, somente os fortes sobrevivem.