Os nomes variam. Alguns ainda chamam de medicina alternativa, outros, mais modernos, de medicina complementar. E há quem batize terapias como acupuntura, ioga, fitoterapia e aromaterapia de práticas heterodoxas. Mas todos a descrevem como um conjunto de técnicas, sistemas e produtos usados na atenção ao corpo que foge aos padrões da medicina convencional. Seja lá que nome tiverem, esses tratamentos conquistam a cada dia um público maior, de usuários a profissionais de saúde. Basta conferir o crescimento no número de médicos estudiosos e praticantes da acupuntura, por exemplo. Em três anos, o total de médicos que estudaram acupuntura no Brasil passou de dois mil para cinco mil. Neste caso específico, um dos grandes estímulos para o aumento foi o reconhecimento da acupuntura como especialidade pelo Conselho Federal de Medicina, em 1996. Mas há outros indicadores do fôlego do setor. Uma estimativa do Sindicato Nacional dos Terapeutas Naturistas (Sinaten) – esses não possuem diploma médico – indica que há no Brasil cerca de 70 mil terapeutas atuando nas cinco áreas mais populares da medicina natural. São elas o toque (massoterapia), as terapias holísticas (mescla de várias práticas), a medicina chinesa, os florais e a fitoterapia (uso de medicamentos à base de plantas).

A força das terapias alternativas é um fenômeno mundial. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) indicam que nos Estados Unidos, por exemplo, há cerca de 50 milhões de adeptos. As pessoas têm procurado cada vez mais massagens, ginásticas diferenciadas, acupuntura e outras técnicas para combater problemas que vão de dor nas costas à depressão, stress ou simplesmente cuidar de seu bem-estar. E até que se mostre que certas terapias não funcionam, a quantidade
de usuários continuará se multiplicando. Uma das explicações é a sensação de acolhimento e respeito pelas emoções que a maioria dos indivíduos experimenta ao passar pelos cuidados de um terapeuta complementar. Muito diferente do que ocorre grande parte das vezes em que se procura um médico convencional. Diante do aumento, as autoridades de saúde americanas decidiram colocar alguma ordem na casa e criaram o Centro Nacional de Medicina Complementar. Trata-se de um órgão destinado à investigação científica das práticas de cura e bem-estar de acordo com os métodos mais rigorosos da ciência. O serviço também informa os profissionais
da saúde e a população sobre os resultados de estudos recentes e revisões da literatura científica associada a cada prática. “Ele serve
de orientador sobre o uso mais adequado das terapias e os casos em
que não devem ser aplicadas”, diz o médico e acupunturista Chin Lin,
da Universidade de São Paulo (USP).

No Brasil, o destino da medicina complementar também começa a
tomar contornos mais definidos. Na semana passada, em Brasília, por exemplo, um encontro reuniu representantes do governo, fabricantes
e usuários da fitoterapia, setor que movimenta US$ 1 milhão por ano, segundo Décio Alves, da Sociedade Brasileira de Fitomedicina. “Criaremos uma política nacional para os remédios fitoterápicos e trabalharemos
pela sua inclusão em toda a rede do Sistema Único de Saúde”, disse Norberto Rech, diretor de Assistência Farmacêutica do Ministério da Saúde. Isso significa estabelecer critérios de qualidade, segurança e estimular a produção. Atualmente, os fitoterápicos fazem parte dos produtos indicados no atendimento público em algumas cidades do Rio
de Janeiro, São Paulo, Ceará e Santa Catarina. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro, por exemplo, boa parte das cerca de 400 pessoas atendidas por mês no Ambulatório de Terapias Naturais é tratada
com remédios à base de plantas.

Equilíbrio – Não é só no setor de fitoterápicos que os interessados tentam se organizar. Em outubro, cerca de 300 médicos da Associação Brasileira de Medicina Complementar (ABMC) estarão reunidos em São Paulo com terapeutas de várias linhas, a maioria sem formação médica. O objetivo do encontro, além de revisar velhas técnicas e apresentar novas possibilidades de tratamento, é encontrar um ponto de equilíbrio para dividir harmonicamente os cuidados com o paciente. “Os médicos que usam terapias complementares vão sentar à mesa com os terapeutas para discutir limites e formas de cuidar do doente sem conflitos”, diz Aluizio Monteiro Júnior, terapeuta e presidente do Sinaten. “Os terapeutas não podem fazer diagnóstico, mas podem trabalhar em conjunto conosco”, explica o fisiologista José de Felippe, presidente da ABMC. Ele atua como médico ortomolecular (técnica que se baseia na reposição de vitaminas e minerais).

O ginecologista Décio Alves, do Rio, concorda. “O diagnóstico é prerrogativa do médico. Muitas vezes, tratar a dor de pacientes sem saber sua origem pode encobrir doenças graves”, diz. Ele resume a grande preocupação dos médicos. O especialista Antônio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, por exemplo, defende o bom senso na aplicação dos métodos complementares. “Acho que é possível trabalhar em conjunto se os terapeutas entenderem que devem seguir as orientações do médico”, afirma. Essa questão também angustia muitos profissionais da medicina complementar. “A inexperiência leva várias pessoas a fazer até diagnósticos, o que é incorreto. Quando noto algo diferente, peço à pessoa que estou atendendo para procurar um médico”, explica a reflexologista Valéria Pasta, de São Paulo. Um dos seus pacientes, o engenheiro de telecomunicações João Miguel da Rocha, faz reflexologia há 20 anos e check-up anual com toda a parafernália médica a que tem direito. “Ela me ajudou a chegar aos 51 anos sem stress e com boas condições de saúde”, diz Miguel.

O médico e acupunturista Hong Jin Pai, um dos introdutores da acupuntura no santuário brasileiro da medicina ortodoxa, a USP, também apóia o cuidado com o diagnóstico. Depois de cursar medicina no Brasil, ele se especializou em acupuntura na China. Na sua clínica, são feitos tratamentos para amenizar dores, mas ninguém sai sem pedido do médico para detectar a origem do mal-estar. A terapeuta corporal e professora de ioga Tânia Sturzenegger, brasileira radicada há três anos em Zurique, na Suíça, acha que a parceria com o médico é uma maneira excelente de melhorar o atendimento. Ela dá aulas de ioga para um grupo de dez idosos em tratamento de depressão. “Funciona bem porque escolhemos os exercícios de acordo com a condição do paciente. Práticas erradas podem piorar o estado de saúde”, afirma.

Fiscalização – De fato, criar regras nesse mercado é fundamental. Afinal, trata-se de uma área bastante atraente e vulnerável à entrada de aproveitadores. É por isso que, além do esforço para determinar os papéis de cada profissional – o do médico e o do terapeuta – no auxílio ao paciente, há o desejo de melhorar a fiscalização do setor. “Precisamos ter instrumentos para impedir pessoas despreparadas de atuarem”, diz o terapeuta Monteiro Júnior. Hoje, enquanto os erros médicos são investigados pelos conselhos de medicina, as falhas dos terapeutas podem ser averiguadas por suas associações, mas não implicam perda da licença para trabalhar, como pode ocorrer com os médicos. E, a não ser quando a vigilância sanitária fecha alguma clínica por exercício ilegal da medicina, qualquer um que faça curso de final de semana pode colocar uma tabuleta na porta e se intitular massagista. Felizmente, há também iniciativas para acabar com vigarices. Em 2001, por exemplo, os massoterapeutas (categoria que reúne as pessoas que utilizam o toque terapêutico) criaram um conselho de auto-regulamentação. A finalidade é definir regras e limites, como cursos de especialização e horas de prática, para quem pretende trabalhar na área. Mas as determinações dos massoterapeutas não terão força a não ser que seja criado um Conselho Nacional de Massoterapia, o que depende da aprovação do Congresso Nacional. O projeto já foi apresentado uma vez, passou quatro anos engavetado e está na iminência de ser reapresentado. Mas há poucas chances de tramitação rápida.

O limite entre o bem e o mal das terapias complementares começa a ser averiguado ainda em outro nível – o científico. Diversas universidades estão pesquisando os efeitos das práticas. A eficácia da meditação e da ioga, por exemplo, como coadjuvantes em tratamentos, foi comprovada por dezenas de estudos. Calcadas nessas evidências, várias instituições estão investindo na convivência entre a medicina convencional e as diversas terapias. A própria meditação, a fitoterapia, a acupuntura e a ioga, entre outras, são recursos usados em hospitais públicos e particulares e já penetraram nas principais escolas de medicina do País. Na USP, há ambulatórios de acupuntura e cursos para ensinar a técnica.

Em um ano, 60 formandos em medicina já passaram por esse aprendizado. E há muitos outros centros universitários renomados que aderiram a essas práticas. Na Universidade Federal de São Paulo, ambulatórios de acupuntura combatem dores ortopédicas, fibromialgia e outros males.

O espaço desses recursos terapêuticos na rede de atendimento de saúde também se expande. Em março de 2002, a Prefeitura de São Paulo começou a introduzir acupuntura, fitoterapia, massagens, ginásticas (tai chi e lian gong) e meditação nas suas unidades básicas de saúde. “Hoje, metade das unidades municipais já oferece ambulatórios de acupuntura e sessões de ginástica oriental durante a semana, atendendo cerca de 400 pessoas por mês”, explica o médico EmílioTelesi Junior, responsável pelo planejamento municipal da saúde. Os recursos que financiam o projeto vieram da Organização Pan-americana de Saúde. Iniciativas como essa são uma forma de garantir maior acesso a tratamentos usados para aliviar a dor e trazer mais bem-estar. “Mas para isso é preciso haver a certeza de que a doença foi diagnosticada, além de pesquisa e muito diálogo entre os especialistas. Só assim conseguiremos usar o melhor dos dois mundos”, diz o médico Chin Lin. Sábias palavras.