“Não, essas coisas não acontecem no Brasil. A sociedade americana é que está doente. Aliás, como existem psicopatas nos Estados Unidos. E como eles têm paixão por armas de fogo”. Até a manhã da última quinta-feira, nós pensávamos assim. Mesmo a presidente Dilma, quando soube da notícia, declarou, com a voz embargada, que “não era característica do País esse tipo de crime”. Nossa violência era fruto “apenas” da desigualdade social, e não de mentes psicóticas – as chamadas “criminal minds” do seriado “CSI”.
Só que isso nunca foi verdade.

O Brasil, como qualquer outra sociedade, é também coalhado de psicopatas. Gente que mata no trânsito, no botequim, em casa e, desde a semana passada, também nas escolas. Com um detalhe: adquirir uma arma de fogo no Brasil é tão simples quanto comprar um pastel numa feira de verduras.

Em 2002, logo depois de um massacre numa escola americana, o diretor Michael Moore rodou o filme “Tiros em Columbine”, explorando essa patologia americana. Afinal, por que era tão fácil comprar armas nos Estados Unidos, onde revólveres eram vendidos até nos supermercados? E aquele filme reforçou a nossa convicção: eles são doentes; nós, não.

Três anos depois, o Brasil teve a chance histórica de se desarmar. Um referendo colocou uma única questão diante do eleitor: a venda de armas de fogo deve ser proibida no País? Sim ou não? E o “não” venceu depois de uma ampla campanha de desinformação financiada por interesses privados. Uns diziam que só os bandidos teriam armas – como se os “homens de bem”, armados, pudessem fazer algo diante de criminosos. Outros afirmavam até que se tratava de uma iniciativa totalitária do governo Lula, que marchava rumo ao chavismo.

Em 2005, o Brasil comercializava 68 mil armas de fogo. No ano passado, foram quase 120 mil.
“Ah, mas o assassino do Realengo deve ter comprado suas armas no mercado paralelo!”, dirão alguns. Pior ainda. Se ele adquiriu os revólveres 38 e 32 no mercado oficial, é um escândalo. Se fez
isso no paralelo, um escárnio.

Mais um detalhe: nos Estados Unidos, a sociedade doente, que tem 311 milhões de habitantes, 15 mil pessoas foram assassinadas no ano passado. No Brasil, um país de 190 milhões de habitantes, onde se diz que essas coisas não aconteciam, 50 mil pessoas são mortas, por armas de fogo, a cada ano. Mais do que uma campanha de desarmamento, o que o Brasil precisa é de um novo referendo. Diga não às armas.