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TESTEMUNHO
Wellington e, ao fundo, a carta que deixou com referências religiosas

Duas semanas antes da tragédia na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, Wellington de Oliveira foi visto sentado na calçada em frente à instituição. Era noite e a cena chamava a atenção porque a rua é a mais deserta da região. Solitário e calado, o olhar vagava pelo céu. Ninguém podia imaginar que a mente perturbada daquele jovem ex-aluno tramava um banho de sangue no colégio, algo sem precedentes no Brasil. O massacre chocou, sobretudo, pela frieza com a qual o assassino executou crianças inocentes. “Ele dizia: ‘Virem para a parede, vou matar vocês’, e atirava”, contou Jade de Araújo, 12 anos, que escapou ao se esconder em um auditório da escola. Sorrindo ao brincar de Deus e indiferente aos apelos de clemência, escolhia suas vítimas a dedo. A estudante Stephany da Silva, 14 anos, ainda treme ao lembrar que o atirador apontou a arma para a sua cabeça, mas, em vez de apertar o gatilho, simplesmente disse: “Hoje não é o seu dia de morrer.” Deixou-a fugir, desviou a pistola e atirou na cabeça de outra garota que estava ao lado dela.

O solitário Wellington estava cada vez mais isolado. Mudou-se no ano passado da casa da família, em Realengo, para Sepetiba, seu derradeiro refúgio, onde foi morar sozinho. De acordo com sua irmã, Rosilane, a última impressão deixada pelo rapaz foi a de solidão absoluta: “Ele veio aqui em casa no fim de 2010, mas estava muito estranho, não quis ficar, chamei para almoçar, mas ele foi embora”, conta. Wellington havia adotado um discurso fundamentalista religioso. “Minha religião é Alá, quero derrubar o Cristo Redentor”, disse, mais de uma vez, aos irmãos. “Há dois anos ele começou a elogiar as ações terroristas de Bin Laden, dizia que queria derrubar um avião, me falou que ia mesmo derrubar a estátua do Cristo Redentor”, conta um dos irmãos dele que não quer se identificar.

Em Sepetiba, policiais não encontraram pistas que levassem aos motivos para tamanha crueldade com as crianças de sua ex-escola. Antes de sair, Wellington ateou fogo no computador e em eletrodomésticos e quebrou móveis. Na vizinhança, ninguém percebeu a depredação que acontecia tanto no interior da casa quanto na mente do rapaz. Ele havia deixado o emprego no ano passado, mas saía todos os dias pela manhã e só voltava à noite. “Na última semana, tirou aquela barba enorme que usava e minha mulher até comentou com ele que tinha ficado mais bonito”, disse um vizinho. Talvez a limpeza estética no rosto fizesse parte do ritual macabro que ele preparara. Na carta que deixou escrita, o atirador volta a recorrer à religião para o que supõe ser sua salvação em uma outra vida. “Preciso da visita de um fiel seguidor de Deus em minha sepultura pelo menos uma vez, preciso que ele ore diante da minha sepultura pedindo o perdão de Deus pelo que eu fiz rogando para que na sua vinda Jesus me desperte do sono eterno para a vida.”

Colaborou Rafael Teixeira

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