A CPI que ninguém queria começou a esquentar. Na terça-feira 12, a senadora Ideli Salvati (PT-SC) foi indicada relatora provisória da CPI do Banestado por causa da morte do pai do relator titular, o deputado José Mentor (PT-SP). Coincidentemente, naquele dia se sentariam no banco de suspeitos dois complicados dirigentes do extinto Banco Araucária, de propriedade de familiares do senador Jorge Bornhausen (PFL-SC), citado no dossiê Banestado como autor de remessas de dólares para Nova York, além da ex-diretora de Fiscalização do Banco Central (BC) Tereza Grossi. Estava montado o cenário para uma longa e desgastante exposição pública do presidente do PFL comandada pela petista Idelli, adversária de Bornhausen em Santa Catarina, e de uma das mais polêmicas figuras da gestão do BC na era FHC. A oposição ao governo Lula se articulou para o revide. A reação política começou a ser tramada silenciosamente pelo PSDB e PFL. No início da tarde do mesmo dia, o líder tucano Arthur Virgílio Neto (AM) soltou as primeiras pistas do que estava sendo confabulado nos bastidores. Pediu a convocação do atual presidente do Banco do Brasil, Cássio Casseb Lima, e do diretor de Política Monetária do Banco Central, Luiz Augusto de Oliveira Candiota, sob o argumento genérico de “esclarecimentos sobre evasão de divisas”. O líder tucano só deu os detalhes numa sessão secreta da CPI. A dupla recrutada para comandar postos estratégicos no governo do PT enviou US$ 1.375.506 para o Exterior entre 1997 e 2000. Ao ser remetido, o dinheiro foi depositado na conta CC5 (conta exclusiva de pessoas e instituições não residentes no Brasil), mantida pela filial do Citibank de Nassau no Brasil, mas, segundo o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), as contas finais dos dois estão no Citibank de Nova York. As operações foram registradas no BC.

Candiota fez a primeira e maior operação com dólares em 29 de dezembro de 1997. Enviou
US$ 808.892,25 através do Citibank, equivalentes a R$ 897.870,40 pela taxa do dia. Nesse período, o atual braço direito do presidente do BC ocupava o importante cargo de diretor-Executivo do Citibank no Brasil, onde ficou até junho de 1999. A segunda remessa aconteceu um ano depois. Foram enviados US$ 151.549,58 no dia 12 de janeiro de 1999. No câmbio do dia, representavam R$ 183.375. As remessas totalizavam US$ 960.440,43. A segunda operação coincide com a véspera do processo de desvalorização do real. No dia 13 de janeiro, o BC ampliou a banda de flutuação da moeda brasileira em relação ao dólar, na tentativa de administrar uma desvalorização de 8,26%. A estratégia fracassou e dois dias depois o BC desistiu de controlar o câmbio. As cotações dispararam. Nessa época, Candiota recebia, em média, R$ 17 mil mensais no Citibank. Os valores do salário oscilavam muito. “Todas as remessas que fiz são legais. Os recursos têm origem declarada. A conta também. Estou pronto para explicar todos os detalhes desses fatos aos foros adequados”, respondeu Candiota.

Nesta época, Candiota trabalhava com o atual presidente do Banco do Brasil, Cássio Casseb, que ocupava a posição de vice-presidente financeiro do Citibank. Segundo documentos a que ISTOÉ teve acesso, Casseb enviou para fora do País em um ano o total de US$ 415.065,71. A primeira remessa, de US$ 217.391,30 (R$ 250 mil), foi feita em 29 de junho de 1998. A segunda, de US$ 197.674,41, correspondente a R$ 340 mil, ocorreu em 5 de abril de 1999, meses antes de deixar o Citibank, onde ganhava em média R$ 30 mil mensais. Casseb disse a ISTOÉ que todas as operações e sua conta no Citibank de Nova York foram declaradas à Receita Federal. O presidente do BB explica que a conta de Nova York foi aberta pelo banco. “O Citibank abre uma conta para os funcionários de Nova York. O dinheiro enviado é proveniente de um plano de bônus da empresa”, disse. “Todas as operações financeiras foram feitas em total conformidade com a legislação vigente e com as normas do BC e da Receita Federal, e estão registradas nas declarações anuais do Imposto de Renda”, conclui a nota distribuída por Casseb.

Os dois trouxeram parte dos seus dólares recentemente de volta ao Brasil. Candiota internou US$ 274.308,08 em 17 de outubro de 2001, o equivalente a 28% do total enviado ao Exterior. Por causa do câmbio favorável pela desvalorização do real, no regresso os dólares se transformaram em R$ 746.118, ou seja mais que dobro dos reais enviados. “Não sei se é ilegal ou legal. Os dados estão sendo cruzados com as declarações de renda. Mas fica claro que eles não podem ser os guardiões de nossa moeda”, ataca o líder do PSDB, Arthur Vírgilio Neto. O líder do governo, Aloizio Mercadante, que à época da desvalorização cobrou investigações sobre indícios de informações privilegiadas que beneficiaram nove bancos, inclusive o Citibank, rebateu: “Pinçar dois nomes e gerar suspeições é para atingir o governo. Não contribui para a credibilidade da CPI e do País.” Numa semana quente, o ex-presidente do Banco Araucária, Alberto Dalcanale Neto, mentiu à CPI sobre seu envolvimento com laranjas e doleiros e quase foi preso. “Ele pensa que todo mundo é bobo. O mais bobo aqui é suplente”, esbravejou o senador Magno Malta (PL-ES), exigindo a prisão de Dalcanale, que não aconteceu. Mesma sorte não tiveram os doleiros Odilon Bacellar e Altemir Castelli, acusados de aliciar laranjas para o Banestado. Os dois foram presos pela PF na quinta-feira 21. Os novos capítulos da CPI prometem: muitas emoções ainda virão.