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O escritor suíço Robert Walser (1878-1956) escreveu apenas quatro livros e passou grande parte de sua vida em um asilo de loucos. Mas é dos autores mais influentes do século passado e sua prosa limpa marcou, por exemplo, a obra de Franz Kafka. Seu romance “Jakob von Gunten” (Companhia das Letras), de 1909, narra, em forma de diário, a trajetória de um rapaz de origem supostamente nobre, que ingressa numa escola para aprender a “servir”. Segundo ele, de lá sairia como “um zero à esquerda, muito redondo e encantador”.

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Leia um trecho do livro:

Aqui se aprende muito pouco, faltam professores, e nós,

rapazes do Instituto Benjamenta, vamos dar em nada, ou seja,

seremos, todos, coisa muito pequena e secundária em nossa

vida futura. As aulas a que assistimos visam sobretudo a incul‑

car‑nos paciência e obediência, duas qualidades que ensejam

pouco ou mesmo nenhum sucesso. Sucessos interiores, sim.

Mas o que se ganha com eles? Conquistas interiores porven‑

tura nos dão de comer? Eu gostaria muito de ser rico, andar

por aí em caleches e gastar um bocado de dinheiro. Conversei

sobre isso com Kraus, meu colega de instituto, mas ele só fez

encolher os ombros com desdém, não se dignando dirigir‑me

sequer uma única palavra. Kraus é possuidor de princípios; fir‑

me na sela, cavalga a satisfação, montaria inadequada a quem

deseja galopar. Tão logo cheguei aqui, ao Instituto Benjamen‑

ta, consegui transformar‑me num enigma para mim mesmo.

Também a mim contagiou certa satisfação, bastante curiosa e,

no meu caso, inédita. Obedeço razoavelmente bem, não tão

bem como Kraus, que é mestre em precipitar‑se de cabeça ao 8

encontro das ordens, pronto a servir. Num ponto, nós todos —

Kraus, Schacht, Schilinski, Fuchs, o grandão do Peter, eu etc.,

alunos do Instituto Benjamenta — nos igualamos, a saber: em

nossa total pobreza e dependência. Somos pequenos, peque‑

nos até a insignificância. Quem quer que possua uma nota

de um marco é já considerado um príncipe favorecido. Quem

fuma cigarros, como eu, desperta preocupação em virtude do

dinheiro que esbanja. Vestimos uniformes. Usar uniforme é

algo que, a um só tempo, nos humilha e enobrece. Parecemos

pessoas privadas de liberdade, o que talvez constitua humi‑

lhação, mas ficamos bem de uniforme, e isso nos distancia da

vergonha profunda dos que andam por aí em trajes mais que

próprios e no entanto sujos e esfarrapados. Para mim, por

exemplo, vestir uniforme é muito agradável, porque nunca

soube ao certo que roupa usar. Também nisso, porém, sou, por

enquanto, um enigma para mim mesmo. Talvez abrigue um

ser humano bastante vulgar. Ou talvez corra sangue aristocrá‑

tico em minhas veias. Não sei. De uma coisa tenho certeza: no

futuro, o que vou ser é um zero à esquerda, muito redondo

e encantador. Na velhice, terei de servir a jovens grosseirões,

arrogantes e mal‑educados; do contrário, vou precisar men‑

digar para não perecer.