Televisores estremecem quando a platéia de mocinhas, senhoras gordas de cabelos prateados e alguns poucos marmanjos começa o movimento sincronizado de palmas enquanto batem os calcanhares no chão, como crianças irreverentes. É a senha para a loira de cabelos esvoaçantes e decotes abissais irromper na tela, anunciando sorridente o cardápio de horrores do dia. Márcia Goldschmidt está no ar, iniciando mais um Hora da verdade, atração das tardes da Rede Bandeirantes, de segunda a sexta-feira. Quase no mesmo horário, quem sintoniza a Rede Record depara com o semblante ameaçador de Wagner Montes, que encara a câmera como se o telespectador fosse um criminoso a ser interrogado. É o programa Verdade do povo, com atrações igualmente bizarras, ideais para o apresentador exercitar seus ímpetos de justiceiro. Montes e Márcia travam um duelo de audiência e baixarias capaz de arrancar do Programa do Ratinho, do SBT, e de Linha direta,
da Rede Globo, a medalha de ouro na categoria trash. E pobre do telespectador incauto que quiser evitar os filminhos da tarde e, assim, cair no universo paralelo destes desfiles de dramas falsos ou reais nos quais vizinhos e parentes se acusam e se xingam sob o patrocínio de empresas tão exóticas quanto as histórias apresentadas.

Não é de hoje que a televisão explora a miséria humana em busca
de audiência. O apresentador pioneiro foi Jacinto Figueira Junior, que
estreou em 1966 O homem do sapato branco, trazendo oponentes
para se estapear diante das câmeras. Outros do gênero o sucederam, mas atualmente o que mais surpreende nos programas de Wagner
Montes e Márcia Goldschmidt é a virulência das pautas. No programa
da loira oxigenada, uma das atrações recorrentes são os dilemas dos travestis. O assunto é uma fixação, uma espécie de pesquisa informal sobre novas formas de sexualidade. Em menos de sete dias, o público
de Márcia viu um transexual que exigia que seu marido se vestisse de mulher, um travesti casado com uma mulher e que planejava ser pai
e uma família em que pai e filho são travestis. Há também outros temas tão insólitos quanto este, como a adolescente de 16 anos que confessou sentir desejo pelo pai ou o marido que foi para a televisão confessar à mulher uma relação extraconjugal.

Wagner Montes não fica atrás. Num de seus últimos programas, mediou a discussão na qual uma moça acusava o próprio irmão de assédio sexual. Em outra oportunidade, bateu o recorde do surrealismo: levou ao palco um adolescente, morador de uma favela paulista, cujo sonho era dar um avestruz de presente à avó. Pouco depois do pedido, adentrava o palco um avestruz em carne, osso e penas. Enquanto a avó e o neto apareciam felizes na telinha, a ave deixava no palco marcas indeléveis da sua presença. Humor involuntário, como se vê, tem de sobra. Mas o que merece menção especial nos dois programas é a forma inusitada com que seus titulares divulgam os patrocinadores. Dia desses, em meio à enésima discussão entre marido e mulher, Montes acuou o rapaz com uma pergunta fora do tema: “Você tem caspa?” O atônito entrevistado respondeu afirmativamente. Montes completou: “Conheça agora um remédio que vai acabar com seu problema.” No mesmo estilo, Márcia surgiu com os olhos marejados ao descrever o drama de uma menina de nove anos que desfiava sua pobreza. A certa altura, pediu: “Enquanto enxugo minhas lágrimas, vamos ouvir a mensagem de um de nossos patrocinadores…”