Há fotografias que valem mais que mil tratados sociológicos sobre o que acontece no Rio de Janeiro, entre um Choque de Ordem e outro. Como os flagrantes do fotógrafo Custódio Coimbra, em dois cliques, na Rocinha.

Eles ilustraram outro dia uma reportagem sobre a volta que os moradores do morro deram, sozinhos, nos problemas de trânsito encravados no seu cotidiano pela chegada da sociedade de consumo à favela.

A Rocinha, para quem não sabe ou esqueceu, fica à margem da estrada da Gávea, onde até meados do século XX se disputava uma prova internacional de automobilismo. Era um circuito de cinco quilômetros, esticado em curvas em S, que então serpenteavam numa encosta coberta de alto a baixo por matas quase fechadas.

Acima da estrada, erguem-se as corcovas graníticas do maciço dos Dois Irmãos. E, abaixo, estende-se a zona sul a perder de vista, da praia de São Conrado aos telhados de Copacabana. Mas é uma paisagem que, na prática, os últimos trinta e poucos anos tornaram meio privativa dos 56 mil moradores, que se empilham em menos de um quilômetro e meio de solo supostamente não edificável.

Quem não mora ali raramente passa pela Rocinha. Mas isso não impede que pela estrada da Gávea trafeguem atualmente, segundo a reportagem, 2,5 mil veículos por dia. Quatro linhas de ônibus ligam a ladeira ao resto da cidade. Cem vans de uma cooperativa local suprem as deficiências do transporte coletivo. E pelo menos mil motocicletas prestam serviços miúdos.

Com tanto movimento, a Rocinha corre o risco de parar, acrescentando aos convencionais transtornos da população carente os problemas de trânsito, típicos da afluência motorizada. Suas vans e kombis mal deixam passageiros para os ônibus, que descem vazios, correm demais e cachoalham estrepitosamente, por falta de lastro humano em suas carrocerias.

Tudo que circula na favela acaba, na ida e na volta, comprimindo-se na mesma pista, inclusive os caminhões de entrega, que têm um farto e variado comércio para abastecer. E o resultado é que a velha estrada engarrafa com frequência no alto de um morro que, olhado de baixo, parece isolado do caos urbano por sua bagunça privativa.

Mas a Rocinha não fica de braços cruzados diante da nova encrenca. Assim que as vans, os ônibus e os automóveis se enroscam uns nos outros, entram em cena instantaneamente os "educadores do trânsito", atuando como guardas. São 12 moradores treinados para desatar os nós da pista. Usam camisetas de cor berrante, como uniforme. Atendem ao primeiro chamado. E têm fama de ser tiro e queda.

Foi mais ou menos assim, com reflexos rápidos para tomar conta de si mesmos e preencher espontaneamente as vagas que as autoridades vão deixando para trás, que os nigerianos fizeram de Lagos um modelo de cidade inabitável.

O jeitinho está longe disso. Mas não custa dar uma olhada nas fotografias que desmentem, em vez de só ilustrar, o texto otimista. Elas mostram, ao todo, 22 motociclistas. A maioria veste coletes de empresas próprias, como "Speed Motos" ou "Cremoso", sinal de que ali vige uma certa ordem pública e privada, só aparentemente anárquica. Mas ninguém está de capacete, porque mais difícil que o trânsito é desengarrafar a lei, quando ela não se mexe.