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NACIONALISMO
Discursos fortes e emocionados a favor do País

No início de 2002, a cúpula do PT estava reunida em um churrasco no interior de São Paulo. O convidado mais aguardado era Luiz Inácio Lula da Silva, que na época ainda fazia algumas exigências ao partido para disputar a sucessão presidencial. Depois de perder três eleições, Lula exigia o comando da campanha, a última palavra na publicidade e, principalmente, a ampliação do leque de alianças do partido, coisa que arrepiava muitas lideranças. Os petistas, vários deles vestidos com bermuda, surpreenderam-se quando Lula, trajando calça jeans e camiseta, chegou ao churrasco trazendo pelas mãos um senhor alto, sério, de terno e gravata. Tratava-se do senador mineiro José Alencar, que havia deixado o PMDB e ingressado no PL.

Lula apresentou seu convidado, que conhecera havia cerca de um ano, como o maior industrial brasileiro do setor têxtil. No churrasco, enquanto Alencar descrevia aos presentes sua trajetória de menino humilde a dono da Coteminas, Lula falava ao pé do ouvido de petistas mais íntimos. Dizia que considerava Alencar “o vice perfeito” para a disputa presidencial. Os petistas que conheciam bem Lula, como José Dirceu, Ricardo Kotscho e Frei Betto, deixaram o churrasco com a certeza de que ele não abriria mão de ter Alencar como vice em todos os palanques do País.

Naquele almoço haviam começado, de forma discreta, as primeiras batalhas que Lula viria a travar nos meses seguintes para impor o empresário mineiro como seu vice. O ex-prefeito de Porto Alegre, Raul Pont, ligado a um dos grupos mais esquerdistas do PT, logo se manifestou contra o desejo de Lula. Disse que o PL não fazia parte do grupo de partidos que costumavam marchar com o PT. Lula respondeu de forma clara que não iria perder mais uma eleição.

Lula ficara com excelente impressão de José Alencar desde o primeiro contato dos dois, na festa em que Alencar comemorou seus 50 anos de vida empresarial. O que mais chamou a atenção do ex-metalúrgico foi a simplicidade de Alencar e sua opinião franca e objetiva sobre os problemas nacionais. Em junho de 2002, às vésperas das convenções oficiais, enquanto lutava para dobrar a rejeição do PT a Alencar, Lula comparou a situação da aliança política ao drama shakespeariano “Romeu e Julieta”. “Estamos como Romeu e Julieta. Já declaramos amor profundo e estamos esperando que nossos pais decidam sim ou não”, afirmou. Felizmente, o desfecho, no caso de Lula e Alencar, não foi trágico e já entrou para a história do País: ao contrário das famílias Montecchio e Capuleto, o PT e o PL aprovaram o insólito casamento. E sacramentaram a chapa que finalmente levaria Lula ao Palácio do Planalto.

Durante a campanha, Alencar, graças ao seu prestígio, fez o que Lula esperava dele e ajudou o carismático petista a quebrar as resistências do meio empresarial. Mas deu provas de camaradagem muito além do que exigia o compromisso político. O empresário mineiro confirmou a expectativa de Lula: era mesmo “um cara fantástico”.

“O Brasil precisa de um projeto de Nação”
Foi o argumento de Alencar para convencer Lula a dar 
status de ministério à Secretaria de Assuntos Estratégicos

No plano pessoal, Lula e Alencar acabaram desenvolvendo uma forte amizade. Os dois se divertiam em destacar suas familiaridades: ambos Silva, ambos com esposa chamada Marisa (a de Alencar com “z”), ambos de origem humilde. Cada um abriu para o outro um mundo novo também. Alencar facilitou à Lula a aceitação nos salões empresariais. Lula levou Alencar aos palanques populares construídos pelas esquerdas.

Não bastasse o papel fundamental que desempenhou no período eleitoral, Alencar, depois da posse em janeiro de 2003, mostrou que a vice-presidência da República não é função meramente decorativa. Pelo menos é essa uma das lições que José Alencar deixa. Logo nos primeiros dias de interinidade, o experiente industrial mostrou seu estilo inovador. Sem desmerecer os políticos que o antecederam no cargo, ele fez questão de exercer a Presidência na sua plenitude.

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ALIANÇA
Aval para Lula, na posse, e quebrando resistências e preconceitos no PT

Durante os 503 dias em que comandou o País, soube agir de forma afirmativa, deixando para trás a tradição de vices-presidentes passivos, alheios e silenciosos. Com sinal verde do presidente, não se limitou às frequentes críticas à política de juros. Falou sobre os mais diversos assuntos, das relações internacionais à reforma política, passando pela polêmica transposição do rio São Francisco. “Lula deu ao seu vice uma posição e uma dimensão que nunca foram dadas em outros governos”, afirmou, ainda no primeiro mandato, o ex-ministro Delfim Netto. Delfim tinha razão. Mas a verdade é que os poderes delegados a Alencar não caíram do céu. O ex-vice-presidente fez por merecer.

Foi o que aconteceu, por exemplo, em novembro de 2004, no auge da crise que levou o embaixador José Viegas a deixar o Ministério da Defesa. A ideia inicial do presidente Lula era de que Alencar cumprisse um mandato-tampão, até que encontrasse outro nome. Mesmo assim, a solução de emergência foi muito criticada. Dizia-se que o vice não tinha perfil adequado para comandar aquela área estratégica. Mas Alencar surpreendeu a todos. Político habilidoso, não só correspondeu à confiança do presidente como se manteve no cargo por um ano e meio. Acalmou a caserna, que passou a respeitá-lo pela eficiência e pelo braço forte de quem venceu na vida pelo próprio esforço. Em sua gestão, avançou nas políticas de consolidação da pasta e aprofundou a integração entre as Três Forças. Conseguiu, por exemplo, aprovar a política de Defesa que serviria de base para a elaboração da Estratégia de Defesa Nacional, já na gestão do ministro Nelson Jobim.

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CAMARADAGEM
Lula e José Alencar se conheceram pouco antes da eleição. A convivência no governo tornou-os grandes amigos

Na passagem pela Defesa, Alencar foi responsável pela retomada do Projeto Rondon, em parceria bem-sucedida com os ministérios da Saúde e da Educação. E deu novo impulso ao projeto Calha Norte, que prevê a construção de infraestrutura urbana nos municípios da Amazônia.

Também entra na conta de Alencar o conselho para que o presidente Lula desse status de ministério à Secretaria de Assuntos Estratégicos, sob o argumento de que o Brasil necessitava de um “projeto de Nação” de longo prazo. O vice-presidente nunca fugiu de temas polêmicos. Em 2002, senador pelo PM-MG e já cotado para vice na chapa do PT, Alencar afirmou que as ações do MST representavam “um mal” para o Brasil. Enquanto os militantes petistas chamavam as ações do MST de “ocupações”, Alencar dava o nome de “invasões”. Perguntado sobre a união civil de pessoas do mesmo sexo, deixou falar mais alto seu lado conservador e considerou o homossexualismo “uma forma de violência à natureza humana”. Sem a mínima preocupação com a ostensiva preferência do PT por um Estado forte, disse, em diversas ocasiões, que “o Estado é um péssimo administrador”. Fugindo aos padrões tradicionais da política brasileira, Alencar não escondia seus princípios conforme as conveniências.

“O presidente Lula deu ao seu vice uma posição e uma
dimensão que o cargo nunca teve em outros governos”

Delfim Netto, ex-ministro

Uma das raríssimas vezes em que divergiu de Lula aconteceu em setembro de 2003. O presidente estava em Nova York para a Assembleia Anual da ONU e deixou para Alencar a assinatura da polêmica medida provisória que liberaria a plantação de soja transgênica para a safra 2003/2004. Alencar, que resistia ao projeto, decidiu que não assinaria o texto como estava e fez uma série de modificações. Estabeleceu multa para quem desrespeitasse o prazo-limite de dezembro de 2004 para a venda da soja, exigiu termo de compromisso para quem vendesse o produto geneticamente modificado e proibiu o plantio de transgênicos em terras indígenas, unidades de conservação e mananciais. Feito isso, só depois de três dias assinou a MP.

A fidelidade de Alencar ao presidente Lula foi demonstrada em diversos momentos. Em setembro de 2005, o vice deu uma forte demonstração nesse sentido, quando deixou o PL, ao qual era filiado desde 2001, depois que a legenda, em reunião da bancada no Congresso, decidiu rever o apoio ao governo.

Se não usava luvas de pelica quando saía em defesa de suas ideias, Alencar exibia um fantástico jogo de cintura ao realizar negociações políticas. No segundo turno das eleições ao governo do Rio, em 2006, foi de sua lavra o improvável apoio do senador Marcelo Crivella (PRB) ao então candidato a governador pelo PMDB, Sérgio Cabral, num acordo sacramentado na casa de Crivella. No primeiro turno, Crivella havia feito duras críticas a Cabral no programa eleitoral na televisão. “Estou aqui em nome do presidente Lula. É um pedido dele. Você terá nosso apoio mais à frente”, prometeu Alencar, referindo-se à candidatura de Crivella a prefeito do Rio, dois anos depois. Mas o bispo impôs uma condição: que o candidato do PMDB ao governo do Estado retirasse, em caráter definitivo, a proposta de emenda à Constituição que previa o reconhecimento da união estável de pessoas do mesmo sexo. Alencar, de bom grado, levou o pedido a Cabral, que aceitou a condição e retirou a PEC.

A atuação de Alencar também foi crucial em outras frentes. Em 2004, no primeiro mandato de Lula, coube ao ex-vice-presidente negociar o fim do embargo à carne brasileira pela Rússia, depois da confirmação de focos de febre aftosa no Amazonas. Em audiência, em Moscou, com o presidente Vladimir Putin, Alencar falou o que os russos queriam ouvir. “Esqueçam o problema da carne, que isso vai ser resolvido. Vocês têm muito a ganhar estreitando o comércio com o Brasil”, disse ele. Ao fim da reunião, o ex-vice-presidente conseguiu fechar com Putin a venda de equipamentos médicos, peças automotivas, têxteis, eletrônicos, cosméticos, frutas, sucos, soja e milho. Em troca, dois meses depois, a Rússia retirou o embargo à carne brasileira. Em março de 2007, no exercício da Presidência, Alencar assumiu o gabinete de crise instalado para resolver o motim dos controladores de tráfego aéreo, que paralisou aeroportos em todo o País. Em reunião na Base Aérea de Brasília, Alencar fez um discurso emocionado e forte, exortando os grevistas a voltar ao trabalho. “A situação extrapolou os limites”, afirmou, e defendeu a proposta de acordo do governo. Ao fim do encontro, os controladores de voo decidiram retomar as atividades e atribuíram à credibilidade de Alencar a solução pacífica.

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MUITOS PAPÉIS
Palco dividido com Lula e Aécio Neves; aproximando Sarney do governo; e no comando da Defesa

Mesmo durante o tratamento contra o câncer, Alencar continuou a ajudar o presidente Lula nas negociações políticas. Nos últimos meses do governo, trabalhou intensamente para abrir o maior número possível de palanques para a candidata do governo à Presidência, a ex-ministra da Casa Civil Dilma Rousseff. Alencar também deu força espiritual à Dilma, que como ele também foi submetida a um tratamento contra um câncer linfático. Ele aconselhou-a a assistir, no meio de uma multidão de mais de 17 mil pessoas, à missa de cura e libertação celebrada pelo bispo Fernando Figueiredo e pelo padre Marcelo Rossi, em São Paulo. “Dilma, vai lá que vai ser bom para o seu coração e alma”, sugeriu o Alencar.

 

Colaboraram: Adriana Nicacio, Claudio Dantas Sequeira, Hugo Marques e Sérgio Pardellas