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Com 11 países pintados de vermelho no mapa-múndi que cobre uma das paredes de sua diretoria e contabilizando 150 casos de hospitalização com oito óbitos em todo o planeta, a Organização Mundial de Saúde convocou na noite da terça-feira 28 todas as nações para uma empreita- C da de vida ou morte no campo da saúde pública: "Preparem-se para uma pandemia global." Poucas horas depois os EUA anunciavam a primeira morte de uma de suas vítimas contaminadas pelo novo vírus de gripe que ameaça o planeta: um garoto mexicano de um ano e 11 meses que estava internado no Texas.

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Prevenção No México, a população civil e até policiais federais aderiram às máscaras para se proteger do H1N1

Ao mesmo tempo, a Alemanha confirmava três casos de pacientes sob suspeição de contágio, a Costa Rica registrava seus primeiros dois doentes e a Áustria avisava a OMS que, também lá, um caso havia surgido. Nos próprios EUA, o número de acometidos pela enfermidade subia de 65 para 91. No Brasil 30 pacientes estavam sendo monitorados em 13 Estados, numa escalada assustadora: 48 horas antes eram apenas dois casos em São Paulo. Na verdade, em termos mundiais, essa escalada começara no sábado 25 quando a OMS declarou estado de "emergência internacional" para sinalizar aos governos a sua preocupação com a disseminação de uma variante jamais vista do Influenza, o vírus causador da gripe humana. Mas, o que era até então "estado de emergência", em quatro dias se transformou em "nível quatro de alerta" – a pontuação máxima dessa escala de alto risco é seis. Se o termômetro bater nessa casa, a pandemia está instalada.

Especificamente no México, onde os primeiros casos foram registrados (a partir do garotinho Edgar Hernandez, 4 anos, que sobrevive), consolidava-se na quarta-feira 29 o seguinte quadro: 26 casos confirmados, sete mortos e mais de 2,4 mil pessoas hospitalizadas. Foi do México, país-foco, que o vírus se alastrou para o mundo.

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A disseminação da doença alterou a vida em diversos países. No México, aulas e eventos públicos foram cancelados, as ruas ficaram desertas e a população passou a usar máscaras de proteção. Uma das mais tradicionais e concorridas festas do país, a do Primeiro de Maio, este ano não se realizará. Argentina e Cuba suspenderam a chegada de voos provenientes do México e a França conclamava a União Europeia a tomar a mesma precaução. As autoridades brasileiras, que demoraram 48 horas para atuar nos aeroportos, na segunda-feira 27 passaram a recomendar que só pisasse no território mexicano quem não pudesse adiar a viagem e, assim mesmo, usasse máscaras para prevenir o contágio. Como ocorreu em diversos países, também aqui o estoque de máscaras esgotou-se rapidamente.

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AÇÃO Em Taiwan, funcionários fazem higienização de porcos nos criadouros.

Existem três tipos de Influenza: o A, o B e o C. O mais novo temor da humanidade é do tipo A com subtipo H1N1. Essas letras se referem a duas proteínas – hemaglutinina e neuraminidase – das quais o vírus se vale para invadir a célula humana e nela se replicar. Esse subtipo é diferente de tudo o que se conhecia até agora porque é o primeiro H1N1 a reunir fragmentos de RNA (material genético) de vírus Influenza humano, suíno e de aves, capaz de infectar o homem. A doença ficou conhecida como gripe suína porque a mistura se deu dentro do organismo dos porcos (na traqueia e no pâncreas).

"Eles são os únicos animais conhecidos sensíveis à infecção por vírus humanos e aviários ao mesmo tempo", diz o virologista americano Jack Woodall, coordenador da rede internacional ProMED-mail (Program for Monitoring Emerging Diseases), que atua na vigilância de eventuais ocorrências de enfermidades emergentes. E foram os porcos que transmitiram o vírus ao homem. Na verdade, o fato de um vírus de gripe ter passado do porco para o homem não é uma novidade. O surpreendente, no caso, é que esse subtipo de H1N1 reúne genes virais humanos, suínos e aviários. Essa gripe só está sendo chamada de gripe suína porque há a prevalência de material genético de porcos.

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INSEGUROS Em São Paulo, passageiros reclamam da falta de informações e de cuidados preventivos. Na Coreia (abaixo), scanner mede temperatura dos viajantes

Não se sabe ainda como essa estranha combinação aconteceu, e por que no México. Até hoje, os especialistas sempre esperaram que agentes infecciosos com características tão distintas fossem nascer na Ásia, considerado o principal berço de patógenos desse gênero. São asiáticos os microorganismos responsáveis pelas três últimas grandes ameaças, a mais recente delas ainda assombrando o mundo: a gripe aviária, provocada pela variante do Influenza H5N1, que matou 257 pessoas desde que surgiu em Hong Kong em 1997.

As atenções sempre se voltaram para esse continente devido à convivência de homens e animais em condições precárias do ponto de vista sanitário. Exemplo disso é o arcaico sistema de plantação de arroz no qual homem, pato e porco estão constantemente juntos. "O que estamos vivendo mostra que as mutações mais agressivas do Influenza podem aparecer em qualquer ambiente que permita o contato próximo entre homens e animais", diz o infectologista Artur Timerman, dos hospitais Heliópolis e Albert Einstein, em São Paulo.

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O surgimento deste tipo de H1N1 e seu forte poder de disseminação também surpreende por outro motivo. O que se esperava é que, se houvesse uma epidemia mundial de gripe – e os especialistas continuam afirmando que ela virá, cedo ou tarde -, seria causada pelo vírus da gripe aviária. Era sobre ele que repousavam todos os cuidados. Felizmente, o devastador e letal H5N1 ainda não adquiriu a capacidade de ser transmitido de homem para homem. "Por enquanto, é passado apenas de aves para aves, e de aves para o homem", diz Carlos Magno Fortaleza, da Universidade Estadual Paulista. É o oposto do que ocorre com o vírus da gripe suína, dotado de grande facilidade de transmissão entre os humanos. Em um planeta altamente interligado, com pessoas viajando de país para país numa velocidade alucinante, um vírus com esse poder de contágio encontra terreno fértil para se alastrar. É um dos preços que se pagam com a globalização. Claro que estaremos mais protegidos quanto mais os governos investirem na saúde pública. Mas, tratando-se de gripe, nada impedirá que novos vírus sempre apareçam, anulando até a mais moderna das vacinas – hoje ou amanhã o homem tem um encontro marcado com uma pandemia de gripe.


Em geral, a mortalidade de uma gripe causada por um vírus "normal", desses que aparecem a cada temporada de outono/inverno, gira em torno de 0,1% dos casos. Entre as vítimas de gripe aviária, porém, a letalidade é brutal: 61%. Com o H1N1, ainda é prematuro afirmar se ele chegará a esse grau de agressividade – o que se sabe é que ele está se espalhando com muita velocidade. No México, até agora, estima-se que a mortalidade seja de 6%. Ocorre, porém, que, se no começo da epidemia o contágio se restringia a pessoas que estiveram no México, na quarta-feira a Espanha confirmava o primeiro caso em um paciente que não pisara em território mexicano.

"Para termos uma resposta mais precisa sobre a sua agressividade, precisamos observar como a doença se comporta por cerca de mais dez dias", diz o virologista Woodall.

Por ser totalmente desconhecido do organismo humano, o vírus da gripe suína causa uma resposta exagerada do sistema de defesa do corpo humano. Assim que ele cai na corrente sanguínea, aumenta muito a produção de uma substância chamada citocina, que entra em cena na hora de combater doenças virais. Ocorre então o que os médicos chamam de "tempestade de citocina". "Por causa disso, o corpo sofre uma reação inflamatória forte", diz o virologista Celso Granato, da Universidade Federal de São Paulo. Um dos órgãos mais vulneráveis é o pulmão, onde o processo pode levar à insuficiência respiratória e à morte.

O fator maior de pânico da população mundial, hoje, é a associação que se faz a um trágico passado conhecido como gripe espanhola. Durante um ano – entre 1918 e 1919 -, uma variante do Influenza tomou o mundo e matou entre 20 e 50 milhões de pessoas. E era também da família dos H1N1. Não se pode comparar ambos. Apesar do parentesco, os vírus são muito distintos. Além disso, são extremamente diferentes as condições de combate e de controle da doença disponíveis há 91 anos em relação àquelas de que dispomos atualmente. Contra a gripe espanhola, não havia remédios. Contra a gripe suína, há dois antigripais eficazes (oseltamivir e zanamivir), desde que tomados até 48 horas a partir do aparecimento de sintomas. Quanto à vacina, é impossível, segundo a OMS, tê-la pronta antes de seis meses.

Ao contrário de 1918, houve agora uma intensa mobilização mundial na detecção de casos. Em Taiwan, o governo promoveu uma higienização de instalações que abrigavam porcos. Aeroportos foram dotados de aparelhos de imagem para medir a temperatura de passageiros procedentes de áreas atingidas. É verdade, contudo, que os esquemas não são perfeitos.

No México, por exemplo, segundo o relato à ISTOÉ de um especialista que se encontrava dentro do Laboratório Nacional de Vigilância Epidemiológica, na capital do País, apenas na segunda-feira 27 começaram a ser instalados equipamentos de identificação do vírus. Antes disso, os funcionários foram instruídos sobre o diagnóstico através de desenhos feitos nas paredes por especialistas do Centro de Controle de Doenças, dos EUA, enviados na primeira hora para ajudar no controle da epidemia.

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No Brasil, passageiros que desembarcavam nos aeroportos vindos de regiões afetadas sentiam-se inseguros e pouco informados. "Recebi apenas um panfleto quando descemos do avião. Esperava um controle maior da companhia aérea pela qual viajei", disse o engenheiro Marco Souza, que chegou a São Paulo com a família na terça-feira 28 vindo do México.

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O empresário Felipe Pavan, que igualmente retornou do México, também estava preocupado: "Lá, nem todos estão se cuidando." A rigor, nem lá nem aqui. Na quarta-feira, já com a OMS falando em pandemia, funcionários do porto paulista de Santos lidavam com um navio chegado do México sem a menor proteção. O mesmo quadro se repetia no porto de Candeias, na Bahia. Se o alarmismo é prejudicial em situações como essas, levar a sério os cuidados tornase fundamental. É como age o jornalista mexicano Roberto Marmolejo: "Tenho recebido e-mails querendo espalhar medo. Nas respostas, combato outra epidemia, a do pânico, mas explico como se prevenir."


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