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Até agora, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) não digeriu a nomeação do ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, para o comando da Autoridade Pública Olímpica (APO), que retirou do Ministério do Esporte o bilionário orçamento da Olimpíada de 2016. Na briga pela manutenção de seu espaço no governo Dilma Rousseff, os comunistas batem o pé pelo controle da área do esporte. A irritação é tal que dirigentes do PCdoB ameaçam abandonar a base aliada, da qual fazem parte desde a primeira campanha presidencial de Lula em 1989. Se no passado, movido por questões ideológicas, lutou pela criação de uma sociedade igualitária e chegou a promover a guerrilha rural contra a ditadura militar, o partido agora se empenha por questões bem mais comezinhas, como cargos no segundo escalão de ministérios e estatais. Mas continua a confiar que está no rumo certo. “Temos que nos defender”, diz o presidente do PCdoB, Renato Rabelo. Ele resiste à ideia de perder poder na Esplanada e diz que as negociações ainda não terminaram. “Nós mostramos à presidente Dilma Rousseff o papel que tivemos no governo Lula. Ela que julgue”, afirma Rabelo.

Vale lembrar que a sinuca de bico em que o PCdoB se encontra foi criada pelo próprio partido. Assim que foi eleita, Dilma, durante a transição, fez contato com a cúpula comunista e sugeriu que o Ministério do Esporte fosse ocupado por uma mulher, seguindo o plano de ter maior representatividade feminina em seu governo. O nome mais cotado era o da deputada federal Manuela D’Ávila (RS), política jovem com carisma e grande apelo junto ao movimento estudantil. Mas a sugestão foi vetada por Rabelo, sob o argumento de que pretende lançar Manuela como candidata à Prefeitura de Porto Alegre, em 2012. Dilma pensou então em Luciana Santos, prefeita de Olinda por dois mandatos e a primeira comunista a governar uma cidade no País. Mas Rabelo também se recusou a liberá-la e insistiu na permanência de Orlando Silva na esperança de que mais à frente o ministro fosse indicado para ocupar a presidência da APO. Queria matar dois coelhos com uma cajadada só, com o Orlando na APO e outro apadrinhado no Esporte. E o resultado foi que o PCdoB teve de engolir o nome de Henrique Meirelles. E, se entornar o caldo, pode ficar de mãos abanando.

Embora tenha dado errado, a estratégia de Rabelo revela, com todas as cores, o pragmatismo abraçado pela cúpula comunista nos últimos anos. O mesmo realismo político que fez com que o deputado federal Aldo Rebelo (SP) seja defensor intransigente do novo Código Florestal, defendido pela bancada que representa os grandes latifundiários brasileiros. As bandeiras continuam vermelhas, trazem a foice e o martelo, mas os objetivos dos comunistas ficam bem mais rasos. Quanto mais pragmático é o PCdoB, mais se distancia de suas origens. O processo de desgaste dos comunistas vem de longe. Deu os primeiros sinais no início da redemocratização, quando o sonho do Estado igualitário começou a dar sinais de fadiga. O próprio Luiz Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, abandonou o antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB), logo após retornar do exílio, em 1979. Fiel a Moscou, Prestes discordou da frágil linha eurocomunista que passou a prevalecer no antigo Partidão. A legalização do PCB e do PCdoB em 1985 chegou a animar os mais ortodoxos, mas seus ideais foram sepultados junto com os escombros do Muro de Berlim e o posterior esfacelamento da União Soviética. No mundo inteiro, os órfãos do comunismo tentaram sem sucesso se adaptar aos novos tempos, mas, como a maioria dependia financeiramente de Moscou, minguaram e se tornaram irrelevantes. Oriundo do PCB, Roberto Freire também tentou investir numa versão mais light do comunismo ao criar o PPS, mas acabou tachado de socialista de direita, o que apenas confirmou a crise de identidade dos comunistas.

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SÍMBOLO
O vereador paulista Netinho é hoje uma das principais estrelas do Partido
Comunista do Brasil, mas está longe da ideologia dos velhos camaradas

Curiosamente, o PCdoB, que na origem tinha 10% do tamanho do velho PCB, conseguiu sobreviver, sob o comando de João Amazonas, o mesmo líder que levou o partido a apostar na Guerrilha do Araguaia. Ao contrário do Partidão, o PCdoB soube mudar, mesmo que à custa de suas crenças. “O PCdoB precisou se adaptar aos novos tempos, à democracia. E, embora ainda defenda em seu programa a criação de uma sociedade comunista, não consegue mostrar claramente o que seria essa sociedade hoje”, atesta o historiador Jean Rodrigues Sales, da Universidade Rural Fluminense. Por outro lado, o Partidão encolheu até se tornar uma espécie de clube de amigos, sustentado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, com 103 anos. “O PCB teve uma tática excessivamente recuada no final da ditadura militar. Não percebeu o papel do PT, enquanto o PCdoB, já em 1989, passou a integrar a Frente Brasil Popular, que lançou Lula candidato”, afirma o historiador Valter Pomar, membro do diretório nacional do PT e filho do comunista histórico Pedro Pomar. Para o sociólogo Anatólio Julião, a adaptação significou a aquisição de vícios tradicionais. “O PCdoB passou a fazer concessões para disputar eleições, a utilizar os mesmos mecanismos para arrecadação de recursos e agora enfrenta os mesmos problemas de outras legendas”, afirma Julião, filho de Francisco Julião, fundador das Ligas Camponesas.

Informalmente, alguns caciques do PT chegam a menosprezar o apoio do PCdoB, dizendo que o partido só sobreviveu à redemocratização por causa da aliança com os petistas. A questão é mais complexa. De fato, o PCdoB chegou ao primeiro escalão com a eleição de Lula em 2003, após apoiá-lo nas quatro campanhas anteriores. Mas os comunistas há muito tempo fincaram raízes no movimento estudantil e no sindical, um importante filão de votos. No ano passado, o PCdoB obteve seu melhor desempenho nas urnas ao eleger dois senadores e 15 deputados federais. Hoje o partido tem 270 mil filiados, controla o movimento estudantil, cada vez mais atrelado ao governo, há 15 anos e só perdeu o comando da UNE duas vezes nesse período, exatamente para o PT. Está organizado no movimento sindical pela CTB, a terceira maior central do País, e no movimento agrário, por meio da Contag. “Há uma tendência de jogar o partido na vala comum do fisiologismo. Mas nós temos programa, ideologia e até escola de formação de quadros”, defende-se Rabelo. O problema é que, ao contrário do que registra a história, os neocomunistas não têm formação ideológica nem ideais revolucionários. Esses valores deram lugar a uma busca por votos a qualquer preço. Exemplo mais visível é o do atual vereador paulistano Netinho de Paula, uma das principais estrelas do PCdoB, mas que, com certeza, não tem seu passado na militância comunista. Pagodeiro, chegou ao partido já como cacique trazendo consigo uma única credencial: a capacidade de aglutinar votos.

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Colaborou Claudio Dantas Sequeira