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TUDO NO MESMO LUGAR
A vila de Lucella Zimmermann tem 13 casas; ela mora em uma e trabalha em outra

São poucas as alternativas para fugir do trânsito nas grandes cidades brasileiras. Boa parte dos motoristas escolhe contornar o problema usando o tempo gasto nas ruas e avenidas para ouvir música ou um audiolivro, se informar ou pensar na vida. Mas um número cada vez maior de cidadãos tem recorrido a uma forma nova e radical de lidar com o trânsito, ou melhor, de não lidar com ele: se desfazer do carro e reformular a vida para que ela caiba em um único bairro ou, no melhor dos mundos, em um ou dois quarteirões. Para esse grupo crescente de pessoas, trabalho, supermercado, banco e outros destinos estão a distâncias que podem ser percorridas em curtas caminhadas. "Acompanhamos os hábitos de circulação do morador das grandes cidades há quase dez anos", diz Thomaz Assunção, presidente da Urban Systems, que pesquisa o deslocamento humano nos grandes centros urbanos. "Vimos, em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, que aumentou o número de habitantes que reduziram a porção da cidade por onde circulam", afirma. Estimuladas pela comodidade de uma vida sem trânsito, essas pessoas criam uma cidade dentro da cidade, diz Assunção. Dentro desse recorte urbano, as distâncias são menores, os destinos, acessíveis, e a rotina muito mais tranquila.

Desde que chegou a São Paulo, há oito anos, Lucella Zimmermann, 29 anos, se esforça para ter uma vida confortável como a que tinha em sua cidade natal – Videira, que fica em Santa Catarina e tem menos de 50 mil habitantes -, mas agitada e com o ritmo de uma grande cidade como São Paulo. Por sete anos, ela circulou pelos bairros da capital até encontrar a casa em que vive atualmente, numa pequena vila. Localizada no coração de um dos bairros mais nobres e movimentados da cidade, o Jardim Paulista, Lucella tem tudo ao seu alcance. O trabalho é na própria vila, que tem 13 casas, sendo cinco delas comerciais. Supermercado e banco estão a uma rua de distância. Cabeleireiro, manicure e até tatuador atendem Lucella em casa. "Esta vila é um oásis", conta ela, que nunca teve carro. "O pouco que preciso trazer de fora encontro no bairro, que é bem servido de tudo que se possa imaginar", diz.

"Essa vila é um oásis. O pouco que preciso trazer de fora encontro no entorno"
Lucella Zimmermann, vendedora

O cineasta José Joffily, 63 anos, vive conforto parecido em Copacabana, no Rio. Em 2008, ele transferiu a produtora que tinha no centro da cidade para a rua em frente ao apartamento onde vive. "Já fazia quase tudo entre as ruas Siqueira Campos e Paula Freitas, que são paralelas à rua Hilário Gouveia, onde moro", conta ele. Agora, com a sede de sua Coevos Filmes na avenida Nossa Senhora de Copacabana, ele pretende viver nos seis quarteirões de área formados pelas ruas que frequenta. "Faço acupuntura e pilates a menos de cinco minutos a pé de casa, tenho três opções de supermercado na esquina, um hortifruti no outro quarteirão e uma locadora de DVDs aqui perto", enumera. Ironicamente, para Joffily, faltam cinemas nas redondezas. Mas ele diz que não sofre com isso, já que aluga muitos filmes e, quando um lançamento força sua saída do quadrilátero onde vive, há uma estação de metrô a poucos metros de casa. "Não tenho nem quero ter carro", diz. A escritora Danuza Leão faz de Ipanema seu reino. Todas as suas necessidades são resolvidas nas duas quadras que ladeiam o edifício onde mora – a única exceção é a feijoada que come num restaurante a "longínquas" três quadras de distância.

 

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MEU REINO EM COPACABANA 

Da janela de sua produtora, José Joffily vê o prédio onde mora. "Só falta um cinema por aqui", diz o cineasta

Não é todo mundo que consegue viver como Joffily, Lucella e Danuza, embora muitos queiram esse estilo de vida. Em São Paulo, Christina Rostworowski da Costa, 28 anos, está quase lá. Ela investiu em mudanças para poder trabalhar, de casa, como tradutora e professora. "Cheguei ao meu limite quando vi que passava mais tempo no carro do que dando aulas", afirma. Há um ano ela mora nos Jardins e faz tudo a pé – das compras no supermercado às visitas ao petshop acompanhada de seus três cachorros. "Minha meta agora é vender o carro, que tem um ano e nem completou sete mil quilômetros."

De maneira geral, é caro montar um esquema que viabilize a vida em apenas alguns quarteirões. Em grandes metrópoles, os bairros de uso misto – que unem imóveis residenciais e comerciais – estão em áreas tipicamente centrais, que, por definição, são pequenas e disputadas. "O sujeito que mora em um local desses é um privilegiado", diz Antônio Carlos Sant’Anna, professor de planejamento urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Boa parte dos paulistanos vive em bairros exclusivamente residenciais, que chegam a estar a até três horas de distância do local de trabalho. "A retomada dos projetos que unem casa e escritório é prova de que as pessoas não querem abandonar a vida urbana, mas também já se cansaram do preço que ela cobra", diz Sant’Anna. Joffily, Lucella, Danuza e Chris tina já acharam uma alternativa.