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Desde a publicação do best-seller “Gomorra”, o escritor e jornalista italiano Roberto Saviano vive escondido, sob constante escolta. E escrevendo. Na coletânea de 27 artigos de seu novo livro, “A Beleza e o Inferno”, ele descreve a solidão de seus dias extensos e nômades. As denúncias dos negócios do crime organizado continuam em sua mira. Dos medos, só fala de um: o de morrer caluniado. Entre os artigos,dois deles inéditos, aparecem homenagens. Há um primoroso perfil do jogador de futebol argentino Lionel Messi.

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Leia um trecho do livro:

Os fantasmas dos Nobel

Ser convidado para a Svenska Akademien, a Academia de Estocolmo, que desde 1901 entrega o Prêmio Nobel todos os anos, cria um sutil estado de ansiedade: impossível afugentar o pensamento de ser recebido no último lugar sagrado da literatura.

Mas quando chego a Estocolmo, deparo-me com uma surpresa. Tudo está coberto de neve. Em minha vida, devo ter tocado a neve, no máximo, três vezes.

No aeroporto estão todos nervosos por causa da tempestade. Para mim, entretanto, sair naquele branco dá uma sensação de alegria infantil, ainda que a temperatura seja ártica e meu sobretudo, bom para os invernos mediterrânicos, se revele quase inútil na Suécia. A primeira coisa que me explicam tão logo chego à Academia são as regras: severas, inderrogáveis. É preciso vestir uma roupa elegante, e todo gesto deve ser combinado. Os acadêmicos recebem uma nomeação vitalícia, 18 membros que imagino como os últimos harúspices que vaticinam o futuro das letras: venerados, odiados, mitificados, diminuídos, alvos de gozação devido a seu poder, cortejados por todo o mundo.

Não consigo imaginá-los. Na sala reservada encontro os dois primeiros: um senhor de idade que tirou os sapatos e uma senhora que tenta ajudá-lo a colocá-los de novo. Com uma elegância natural, aperta minha mão e depois me diz: “Seu livro entrou em meu coração”. Logo entendo que a Suécia é muito atenta ao que acontece em outros lugares; o país que, talvez mais do que todos no mundo, sente as contradições de outros países como suas próprias. Alguns acadêmicos me dirigem perguntas sobre a Itália, porém de um modo que eu não esperaria. Todos, mas todos mesmo, me perguntam de Dario Fo, de como está e o que está fazendo e, por fim, pedem que eu lhe mande lembranças, como se fosse óbvio que nos frequentássemos habitualmente.