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PERIGO
Médicos usam proteção para receber dois trabalhadores feridos na usina nuclear

A água continua jorrando em abundância nas torneiras de Tóquio. A aparência não mudou, mas o medo da contaminação radioativa é tanto que o líquido encanado virou uma ameaça em potencial e o estoque de água engarrafada no comércio está esgotado. A corrida pela água de garrafa foi a reação imediata dos moradores aos testes que detectaram níveis de radioatividade acima dos normais na estação de tratamento de Kanamachi, que abastece Tóquio e cinco cidades do entorno. “A água corrente pode ser usada, mas recomendamos que seja evitada na preparação de mamadeiras para bebês”, alertou o governador de Tóquio, Shintaro Ishihara. De nada adiantou o governador insistir que o índice de radiação detectado era contra-indicado apenas para crianças com menos de um ano. Pais e mães deixaram de diluir o leite em pó dos bebês na água da torneira – 80 mil famílias começaram a receber uma cota diária de água engarrafada –, mas ninguém quer se arriscar a consumir um índice além do normal de iodo-131, o elemento radioativo que, a longo prazo, aumenta o risco de câncer de tireoide.

Como se não bastassem as suspeitas em torno da água, na sequência foram encontrados níveis de césio-171, outra substância radioativa prejudicial à saúde, em verduras cultivadas nos arredores de Tóquio. Onze legumes já haviam sido vetados para o consumo depois de apresentar altíssimos índices de contaminação na região da usina Fukushima I, desestabilizada desde o dia 11 de março, quando um terremoto de 9 graus na escala Richter abalou suas estruturas. Mas Tóquio fica a 250 quilômetros da usina e os cientistas ainda não sabem como a radioatividade atingiu a capital. A mesma dificuldade ocorre em relação à forma pela qual a radioatividade está escapando de Fukushima I. “Não sabemos se o maior vazamento vem da contenção do reator ou das piscinas de combustível”, admitiu James Lyons, da Agência Internacional de Energia Atômica.

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SEM RISCO
Em Tóquio, bebês de até um ano têm direito à cota de água engarrafada

Seja qual for a principal fonte da radioatividade, o certo é que ela vem se espalhando. Na quarta-feira 23 chegou até a Islândia, que fica a quase nove mil quilômetros de distância de Tóquio. A concentração de partículas radioativas detectadas na ilha europeia é, no entanto, menor do que a registrada no continente logo após a explosão de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986. “Não há motivos para se preocupar com os níveis de radioatividade na Islândia nem em qualquer lugar da Europa”, assegurou Sigurdur Emil Palsso, do Departamento de Emergências islandês. O mesmo não ocorre nas imediações de Fukushima I, que teve um diâmetro de 20 quilômetros evacuados, ampliado para 30 quilômetros na sexta-feira 23. Pesquisadores, no entanto, já detectaram no solo a 40 quilômetros a presença de iodo-131 em patamar 430 vezes superior ao normal. No mesmo local, havia 47 vezes mais césio-137 do que o recomendável. Ambos são radioativos, mas o césio-137 preocupa mais, pois pode provocar danos por até 30 anos. O iodo-131, por sua vez, tende a perder o potencial radioativo em oito dias.

O risco de contaminação já criou uma barreira para todos os produtos que saem da região, inclusive dentro do arquipélago. No cenário internacional, os Estados Unidos foram os primeiros a proibir a importação de leite, verduras e frutas de quatro províncias próximas a Fukushima I. Medidas similares foram tomadas pela Austrália, China e por Hong Kong. O Brasil, por enquanto, mantém a posição de não adotar medidas restritivas quanto aos produtos vindos do Japão. A última remessa chegou ao País em fevereiro, antes do desastre em Fukushima I. Eram misturas e pastas para a preparação de produtos de padaria, pastelaria e da indústria da bolacha, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Enquanto o mundo tenta se proteger de uma possível contaminação, em Fukushima I continua a dramática batalha de um grupo de 180 trabalhadores para restabelecer os sistemas de refrigeração danificados pelo terremoto. Pelo menos 17 deles receberam cargas radioativas acima do admissível, mesmo em situações de emergência. Dois deles foram internados na quinta-feira 24 com queimaduras nos pés, causadas pela infiltração de água radioativa em seus equipamentos de proteção. Apesar do empenho dos trabalhadores, não há previsão quanto ao desfecho da crise. Se a usina não for estabilizada, Fukushima I corre o risco de virar outra Chernobyl. Vinte e cinco anos depois da mais grave explosão atômica da história, dentro do antigo reator encontram-se 200 toneladas de ameaçadores detritos nucleares.

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SEIS DIAS PARA FAZER UMA ESTRADA

O Banco Mundial estima que o Japão levará pelo menos cinco anos para apagar as marcas do terremoto seguido por tsunami que assolou o país. A comparação entre duas imagens da estrada que liga a cidade de Naka à capital Tóquio (fotos abaixo) faz questionar se a capacidade de superação dos japoneses não está sendo subestimada pelo organismo internacional. Em apenas seis dias, um trecho de 150 metros da estrada de Naka destruído pelo terremoto surgiu completamente restaurado. Até a cerca de proteção do acostamento estava alinhada na noite de reabertura da rodovia, na quarta-feira 23. Esforços similares de reconstrução estão sendo feitos em todo o nordeste do país, paralelamente à assistência aos abrigados e à busca dos desaparecidos. Um dia antes da reabertura da estrada de Naka, a autopista Tohoku, que atravessa a região atingida pela tragédia, também havia sido reaberta. Pelas contas do governo japonês, os danos diretos do desastre natural são de US$ 310 bilhões, o mais alto já registrado na história. Diante da cifra sem precedentes, vale lembrar o passado recente. Menos de 20 anos depois das bombas atômicas que destruíram Hiroshima e Nagasaki, Tóquio sediou os Jogos Olímpicos e inaugurou o trem-bala.