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Sempre que encontra alguém do Brasil, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, gosta de dizer que se sente também um pouco brasileiro. Obama nunca esteve por aqui, não fala português e, a bem da verdade, parece conhecer pouca coisa além dos relatórios que recebe do Departamento de Estado Americano. Mas não seria de todo errado afirmar que sua vida está intrinsecamente ligada ao País. Explica-se: sua mãe, então uma típica adolescente de 16 anos do Meio-Oeste americano, ficou absolutamente impressionada ao assistir a “Orfeu do Carnaval”, filme do cineasta francês Marcel Camus que retrata o mito grego tendo como pano de fundo as favelas cariocas. Stanley Ann Dunham afeiçoou-se de forma especial pelo ator Breno Melo, que representava o personagem principal do filme, lançado em 1959. Pouco menos de um ano depois, Ann decidiu mudar-se para o Havaí, onde, sabe-se lá por que, começou a estudar russo. Entre uma aula e outra, acabou apaixonando-se por um colega de classe bastante parecido com Melo, o queniano Barack Hussein Obama, pai do presidente americano.

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CARNAVAL
Cariocas que se preparavam para receber Obama com bom humor
foram frustrados pelo cancelamento do discurso na Cinelândia

Ao desembarcar na Base Aérea de Brasília na manhã do sábado 19, Obama sabia que o Brasil que estava prestes a encontrar pouco tinha a ver com aquele país relatado por sua mãe tantas e tantas vezes durante sua infância. Daquela sociedade agrícola do final da década de 50 que começava a se industrializar de forma desordenada sobraram apenas as feridas de um processo marcado pela concentração de renda e a consequente desigualdade social. Sabedor das profundas mudanças pelas quais o País passou nas últimas duas décadas, Obama chegou disposto a convencer os brasileiros de que pretendia fazer o que nenhum outro presidente americano jamais havia feito: tratar o Brasil em pé de igualdade.

A decisão da Casa Branca em reverenciar o Brasil dessa forma inédita faz parte de uma reestruturação das estratégias geopolíticas e econômicas que o país precisou fazer após a profunda crise econômica que o abateu em 2008 e pelo atoleiro diplomático em que se meteu ao invadir o Iraque e o Afeganistão no início dos anos 2000. Dono da maior dívida externa do mundo – deve na praça algo próximo a US$ 14 trilhões –, vendo sua influência global perder espaço diante do avanço chinês e enfrentando uma crise de confiança mundial, os Estados Unidos precisam de novos aliados e de novos mercados para manter sua posição hegemônica.

Além dos afagos à autoestima brasileira, o presidente americano veio fazer negócios. Trouxe com ele uma comitiva de mais de 60 empresários e a disposição de firmar acordos que garantam mais abertura do mercado nacional para as companhias americanas. Disposto a se tornar menos dependente do Oriente Médio, anunciou uma linha de crédito de US$ 1 bilhão para investimentos no Pré-sal. Ao mesmo tempo, pretende iniciar as discussões de um tratado comercial mais profundo com o País, semelhante ao que fez com o Chile e o Peru.

Em contrapartida, Obama vai ouvir do governo brasileiro que concessões precisam ser feitas pelos americanos. Desde que os Estados Unidos passaram a forçar uma desvalorização do dólar em 2008, a balança comercial passou a pender para os Estados Unidos. As exportações brasileiras caíram de US$ 25 bilhões em 2007 para US$ 19,3 bilhões em 2010. As americanas em direção ao Brasil, por sua vez, saíram de US$ 18,7 bilhões em 2007 para US$ 27 bilhões no ano passado. Entre várias questões econômicas, o Brasil quer o fim das barreiras não tarifárias às commodities agrícolas e abertura do mercado americano à carne brasileira. Correndo por fora, o governo brasileiro espera que os Estados Unidos façam um apoio formal ao pleito de reforma no Conselho de Segurança da ONU.

Apesar de todas as negociações para a visita, muitos desses pontos ficaram em aberto e só serão fechados em reuniões que ocorrerão após o encontro de Obama e Dilma, com duração de apenas uma hora. Como bom havaiano que é, Obama colocou como uma de suas prioridades conhecer as praias cariocas, que tanto encantaram sua mãe na já longínqua década de 60. A promessa de fazer um discurso público na Cinelândia, o quartel-general afetivo dos movimentos de esquerda brasileiros, ficou apenas nisso, na promessa. Não se sabe se Lula, que foi vaiado ruidosamente em pleno Maracanã no encerramento dos Jogos Panamericanos de 2007, deu algum conselho ao colega americano. Mas o fato é que Obama parece ter preferido evitar o risco de enfrentar os cariocas em um domingo de sol apenas uma semana após o Carnaval.

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