chamada_livros.jpg

 

 

 

Em “História Abreviada da Literatura Portátil” (Cosac Naify), o escritor espanhol Enrique Vila-Matas descreve as atividades vanguardistas da sociedade secreta dos Shandy, cujo lema era a transgressão existencial e estética. Esse clube teria existido entre os anos de 1924 e 1927 e, supostamente, reuniu artistas e pensadores como Marcel Duchamp, Walter Benjamin, Tristan Tzara e Francis Picabia. Pré-requistos para se tornar sócio: ser celibatário e ter uma obra que caiba em uma valise, garantia mínima de mobilidade. Escrito em 1985, esse divertido e instigante relato é o primeiro livro de Vila-Matas a centrar-se em biografias reais e  inventadas dos artistas que ele cultua.

livro-historia-abreviada.jpg

 

Leia um trecho:

Obscuridade e magia

Devo a uma breve conversa com Marcel Duchamp, e sobretudo a Viúvas e militares, livro ainda inédito de Francis Picabia, as informações mais valiosas sobre o tema da participação decisiva de duas mulheres fatais na fundação, em Port Actif, da sociedade secreta shandy.* Conta Picabia que, no fim do inverno de 1924, na cidade de Zurique, diante do número 1 da Spiegelgasse, ou seja, na frente do Cabaret Voltaire, onde naqueles dias o movimento dadaísta celebrava o feliz quinto aniversário de seu desaparecimento do panorama cultural, havia um balcão em forma de flauta pigmeia feita de ramos de papaia, e nesse balcão, numa noite de lua cheia, repousava uma capa de chuva dentro da qual se agitava, inquieta, uma mulher espanhola, bela, mas de nome horrível, Berta Bocado, que observava com certa dissimulação a agitação constante dos antigos dadaístas que, diga-se de passagem, em nenhum momento se deram conta de que eram espiados pela espanhola.

Naquela noite, Berta Bocado agia tal qual uma câmera com o diafragma aberto: uma câmera passiva, minuciosa, pensativa. Acabara de receber uma carta de seu antigo amante, Francis Picabia, que, depois de deixá-la a par de suas preocupações, lhe pedia que tentasse travar amizade com um escritor russo chamado Andrei Biéli e verificasse se este, além de ter crises nervosas em penhascos históricos, possuía algum gênio e senso de humor: “Tanto Marcel (Duchamp) quanto eu”, concluía a carta, “estamos m interessados em saber se Biéli é um dos nossos. As informações que temos indicam que ele mora na sua rua e que, ao entardecer, joga xadrez com Tristan Tzara.