No Brasil da segunda metade do século XVII, a descoberta de ouro e pedras preciosas transformou em caminhos reais as sinuosas picadas abertas por índios e bandeirantes. Com trabalho escravo, as trilhas foram caprichosamente calçadas, equipadas com pontes e adquiriram uma largura de até dez metros. Tudo para que as riquezas encontradas na capitania das Minas Gerais chegassem mais rápido ao porto de Paraty, para depois serem remetidas à Coroa, em Portugal. Ao longo desse caminho com mais de mil quilômetros rodeado de cachoeiras, rios cristalinos e mata virgem foi escrita boa parte da história do Brasil. Foram construídas centenas de cidades com amplo casario colonial e sofisticadas igrejas barrocas, desenvolvida uma culinária ímpar e eternizadas histórias envolvendo personagens como a escrava Xica da Silva. Quase 300 anos depois, cidades edificadas durante os ciclos do ouro e do diamante estão bem conservadas, as riquezas do barroco estão preservadas, a memória dos inconfidentes, liderados por Tiradentes, permanece viva e a generosidade da natureza ao redor desses caminhos está intacta. Hoje, poder público e iniciativa privada querem usar a mesma rota, mas, com outra mão de direção. Agora, a palavra de ordem é trazer riqueza. As estimativas feitas pelo Instituto Estrada Real, da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), são de que ao redor das pedras assentadas há três séculos sejam gerados 178 mil novos empregos, com a presença de 3,5 milhões de turistas por ano. De acordo com os cálculos do governo mineiro, será possível movimentar em toda a região cerca de US$ 10 bilhões por ano.

À primeira vista, os números parecem audaciosos. Diante do potencial turístico da estrada do ouro, no entanto, eles são bem realistas. Durante uma semana, a reportagem de ISTOÉ percorreu os mais de mil quilômetros da chamada estrada real, que corta 177 cidades de Minas, São Paulo e Rio de Janeiro. É um roteiro único, capaz de colocar em um mesmo pacote turismo histórico, cultural e ecológico de primeira linha. As primeiras picadas que deram origem ao caminho do ouro começaram a ser abertas muito antes da chegada dos primeiros portugueses ao Brasil. Os índios goianás de Taba-etê (hoje município de Taubaté), no vale do rio Paraíba, acreditavam que as areias de Paratii tinham um efeito medicinal e, para tratar da saúde, abriram as primeiras trilhas rumo ao litoral sul do Rio de Janeiro. A elas se uniram as rotas traçadas pelos bandeirantes que, partindo de São Paulo, corriam para o interior do País em busca das riquezas. Os contornos de estrada vieram depois de 1694, com a descoberta do ouro na região de Vila Rica, hoje Ouro Preto. A partir de 1729, com a descoberta de diamantes em Serro do Frio, hoje cidade do Serro, a estrada se estendeu até Diamantina.

“Essa estrada é carregada de história e estórias”, atesta Sebastião Bueno Filho, gerente de uma pousada na cidade. Ele está há cinco anos em Diamantina e é um dos maiores entusiastas do turismo na região. Costuma reunir jipeiros para percorrer trilhas radicais e, ao lado de Maria dos Anjos, funcionária da pousada, recebe os visitantes a caráter. Bueno se veste como João Fernandes, um dos principais enviados de Portugal para contratar escravos a fim de explorar os diamantes da região. Maria dos Anjos coloca as vestes de Xica da Silva, a escrava que conquistou o português e levou vida de princesa. No centro, a igreja construída especialmente para a escrava sedutora continua imponente.

Orai por nós – Em 1999, Diamantina recebeu da ONU o título de Patrimônio Cultural da Humanidade. Em seus becos é possível passar boa parte da noite ouvindo serenatas que ecoam do casario avarandado. Conversas de botequim que se perpetuam ao longo dos anos é o que não falta. Exemplo disso está na culinária. É impossível sair de Diamantina sem saborear o ora-pro-nobis, um vegetal que, dizem os mineiros, possui as qualidades nutritivas da carne. Como em seu caule há numerosos espinhos, contam que ele era usado como cerca viva para proteger as igrejas. Porém, aos domingos, quando o padre entoava o ora-pro-nobis (orai por nós) e os fiéis estavam concentrados no culto, os escravos roubavam a cerca para se alimentar durante o resto da semana.

O caminho que leva de Diamantina
a Ouro Preto é repleto de boas surpresas, como cânions e cachoeiras. Embora haja rodovias asfaltadas entre as duas cidades, optar por seguir em estradas de terra bem transitáveis vale a pena. Lugarejos como São Gonçalo do Rio das Pedras e Milho Verde merecem cartão-postal. São distritos do município de Serro, onde, no início do século XVIII, foram descobertas as primeiras lavras de diamante na região. O lugar ficou conhecido na Europa como centro de contrabando, pois, apesar do intenso controle exercido pela Coroa, os postos de arrecadação eram constantemente burlados, tanto por portugueses
que sonegavam o que extraíam como pelos escravos que escondiam o ouro em pó no cabelo. A fartura era tanta que o barão de Catas Altas recebia seus convidados fazendo com que os escravos jogassem ouro sobre eles, logo na entrada de sua mansão, ainda preservada, na cidade que leva seu nome.

Cachoeira e cachaça – Localizada na Serra do Espinhaço, a cidade de Conceição do Mato Dentro é parada obrigatória para os apaixonados pelo ecoturismo. “Além de construções históricas, de uma culinária bastante peculiar e uma cachaça dos deuses, temos mais de 100 cachoeiras catalogadas, entre elas a do Tabuleiro, com 273 metros de altura, a maior de Minas e a terceira do Brasil”, afirma Luiz Claudio de Oliveira, secretário de Turismo e Meio Ambiente do Município. “Nas pedras ao redor da cachoeira se observa pinturas rupestres que retratam a caça há cerca de oito mil anos.” Tombada pela ONU como Patrimônio Cultural da Humanidade desde 1980, a cidade de Ouro Preto e suas ladeiras aliam uma história de riqueza mineral e política. Localizada na região do pico Itacolomi, o marco natural que serviu como referência às caminhadas dos bandeirantes paulistas, a antiga Vila Rica foi o berço dos inconfidentes. Hoje, graças a ocupações desordenadas, a cidade corre o risco de perder o título outorgado em 1980 e vê ameaçada parte de seu casario edificado no século XVIII. “Para enfrentar problemas como esses, encontrar soluções conjuntas e pensarmos o turismo de forma regional e não competitiva entre si é que criamos a Associação das Cidades Históricas de Minas”, diz o prefeito de Mariana, Celso Cota, presidente da entidade. Curiosamente, a única cidade histórica de Minas que não é representada pelo próprio prefeito na associação é Ouro Preto.

Seguindo a rota de 300 anos rumo ao litoral, pouco antes de entrar em Ouro Branco ainda é possível admirar três das pontes de pedras. Sobre elas, no início do século XVIII chegavam a passar dez burros colocados lado a lado. Até a divisa com o Estado de São Paulo há um mergulho na história. Dos profetas esculpidos por Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, em Congonhas do Campo, à riqueza do barroco de São João Del Rey e Tiradentes. Em Cunha, já em solo paulista, os tropeiros, índios e escravos faziam a última parada fiscal antes de embarcar o ouro e o diamante rumo à Europa. Entre as serras do Mar e da Bocaina, o lugar está repleto de cachoeiras e mata virgem. Paraty, ponto final da estrada real, entre 300 praias, 65 ilhas e 79 cachoeiras, alia a preservação das construções históricas a uma agitada vida cultural. Lá, há seis anos o produtor cultural Marcos Caetano Ribas começou a pesquisar sobre a estrada dos tropeiros. Resultado, com a ajuda de mateiros da região e de alguns índios que ainda preservam duas aldeias guaranis, localizou mais de 800 metros da trilha original, hoje aberta aos visitantes. Ele também descobriu e recuperou a casa de registro, onde os tropeiros pesavam as riquezas trazidas das Minas e pagavam seus tributos. “Agora, o nosso ouro é o turismo e essa estrada deve ser muito valorizada”, conclui o prefeito de Paraty, José Claudio Araujo (PSB).

Essa reportagem contou com o apoio da General Motors, que forneceu uma picape S-10 turbodiesel 4X4 para viagem dos repórteres.