A biodiversidade brasileira foi um dos temas que mais se destacaram na 55ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o maior evento científico da América Latina, que terminou na sexta-feira 18. Reunidos na Universidade Federal de Pernambuco, no Recife, os cientistas discutiram as diretrizes da pesquisa brasileira e a participação do País na comunidade científica internacional. Definiram como prioridades o conhecimento minucioso do potencial da flora e da fauna nacionais, e a luta por mudanças na legislação, que, na intenção de proteger as riquezas contra a biopirataria, acaba dificultando as pesquisas. A reunião, cujo tema foi educação para inclusão social, bateu o recorde de público, com 17 mil inscritos, 350 palestrantes
e 3,6 mil trabalhos apresentados.

Os pesquisadores defenderam que, ao explorar de forma sustentável a biodiversidade, o País pode dar um grande salto nas indústrias de alimentação, de cosméticos e principalmente de fármacos, com a utilização dos fitoterápicos. “A biodiversidade vai pontuar a ciência no Brasil nos próximos anos. Precisamos saber como usá-la, com mais acesso aos recursos naturais”, diz a bioquímica Glaci Zancan, que esteve à frente da SBPC durante oito anos e na quarta-feira 16 passou o cargo para seu sucessor, o físico Ennio Candotti. Na visão dos pesquisadores, caberia ao governo criar um mecanismo para distinguir as pesquisas com finalidade comercial das puramente científicas. “A legislação deve ser mais ágil e o sistema de controle para evitar a biopirataria, mais apurado”, diz Carlos Vogt, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e atual vice-presidente da SBPC.

A comunidade científica tem grandes desafios para alçar o País ao status de potência mundial. Incentivar investimentos para diminuir as desigualdades é o primeiro deles. Fora as universidades do eixo Sul-Sudeste, as outras ainda sofrem com falta de recursos básicos. Um passo para resolver esse problema foi a instalação de pólos científicos no Nordeste. “Precisamos dessas iniciativas para dar mais instrumentos para que o País seja mais competitivo”, ensina Candotti.

Patentes – Outro ponto crucial é a falta de entrosamento entre indústria
e universidade. É nas empresas que o conhecimento se transforma em produto. “Em todo País desenvolvido
há dois setores muito fortes, o dos cientistas e o dos grupos de empresas que transformam conhecimento em riqueza”, diz Fernando Reinach, diretor-executivo da Votorantin Ventures, que investiu US$ 300 milhões para financiar empresas nas áreas de tecnologia da informação e biotecnologia. Essa
falta de visão mútua emperra o registro de novas patentes. “No
Exterior, cerca de 90% das patentes são pedidas por empresas, as maiores empregadoras de doutores. Aqui ocorre o inverso”, diz o bioquímico Jorge Guimarães.

Para patentear um estudo, é preciso antes ter condições tecnológicas de produzir um invento, o que em geral é inviável para as universidades. “Nos campus, descobrimos como desenvolver uma droga eficiente para a cura de determinado problema, mas é necessário desenvolvimento industrial para fazer o remédio”, explica Sérgio Henrique Ferreira, que na década de 60 descobriu que moléculas conhecidas como peptídeos, extraídas a partir do veneno da jararaca, serviam como princípio ativo da droga captopril, um anti-hipertensivo que foi patenteado pelo laboratório americano Bristol-Myers Squibb. “Não tínhamos, como ainda não temos, uma indústria inovadora”, assegura. Além disso, existe a burocracia para se conseguir patentear um trabalho, que pode consumir até seis anos.

Biotecnologia – Hoje o Brasil está em 17º lugar no ranking mundial de produtores de novos conhecimentos e dobrou o número de publicações científicas em revistas especializadas, mas nem toda essa sabedoria vira produto. Uma das áreas em que o Brasil se destaca é a da agricultura, e nesse setor o que há de mais avançado – e polêmico – é a biotecnologia. Os transgênicos, que costumam causar calorosos debates, também pontuaram as discussões dentro e fora do campus pernambucano. Os pesquisadores evitaram tomar partido contra ou a favor dos alimentos geneticamente modificados. Mas defenderam um maior aprofundamento nas pesquisas para informar aos cidadãos sobre os benefícios e os malefícios da engenharia genética. “Não devemos parar as pesquisas de melhoramento de sementes agrícolas. Muitas são importantes também na farmacologia”, diz Candotti. Essa postura está longe da unanimidade. Um grupo de ONGs organizou protestos contra o uso dos transgênicos no campo. Não foi o único grito de descontentes. O tom político contagiou a comunidade científica, que conseguiu reverter a proposta do Ministério do Planejamento de dividir entre os vários ministérios a gestão dos fundos setoriais, as verbas destinadas à ciência e tecnologia, de acordo com a área de atuação de cada fundo. Por causa de uma carta enviada pelo conselho da SBPC ao presidente Lula, o governo definiu que tudo fica como estava. Ou seja, não haverá pulverização nos destinos de verba e o Ministério da Ciência e Tecnologia continua soberano na administração do dinheiro reservado às pesquisas de ponta.