O ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco entrou na berlinda. Está convocado para prestar depoimento na CPI do Banestado nesta terça-feira 22 sobre as autorizações especiais que permitiram a cinco bancos com agências em Foz do Iguaçu receber depósitos nas CC5 (contas especiais destinadas a não residentes no país, que podem remeter recursos para fora) sem identificação dos depositantes, ao contrário do que exigiram as normas. As autorizações, expedidas por Franco em abril de 1996, quando ainda ocupava a diretoria de Assuntos Internacionais do BC, acabaram permitindo a lavagem bilionária de dinheiro por intermédio do esquema montado no Banestado de Nova York. Franco já estava convocado, mas sem data definida. O contundente depoimento de Adylson Motta, ministro do Tribunal de Contas da União, na terça-feira 15 acabou apressando a agenda. Relator de um processo do TCU que investigou remessas ilegais via CC5, Motta declarou que as concessões de Franco foram ilegais e permitiram que Foz se transformasse em “um dos maiores centros de lavagem da América Latina”. O ministro ilustrou suas afirmações com dados. De 1991 a 1998, incríveis US$ 84 bilhões foram remetidos para fora do país por intermédio de CC5. Entre 1996 e 1998, Foz reinou em segundo lugar no ranking das remessas, perdendo apenas para a soma de toda a movimentação feita a partir do Estado de São Paulo. Descontado o dinheiro que entrou, foram enviados para fora R$ 54,5 bilhões. E mais: a maior parte do dinheiro depositado nas CC5 veio de empresas sediadas em paraísos fiscais. A CPI também quebrou o sigilo das operações feitas por fundos de investimento estrangeiro junto à CVM e à Bovespa. Esses fundos são tradicionalmente usados por brasileiros com dinheiro lá fora para trazer recursos de volta na forma de investimentos em ações, como se estrangeiros fossem.

MALUF FISGADO

Enquanto no Brasil as investigações sobre a movimentação de U$ 30 bilhões por meio do Banestado caminham a passos lentos, a Promotoria Distrital dos EUA já tem em mãos muitos papéis para incriminar grandes figurões brasileiros. Ao quebrar a conta da empresa Lespan, offshore uruguaia que recebia recursos do Banestado de Nova York, os promotores se depararam com dezenas de contas na Suíça de políticos e empresários brasileiros que somam US$ 1,2 bilhões. Os nomes dos correntistas estão sob sigilo, mas ISTOÉ apurou que um documento compromete o ex-prefeito Paulo Maluf. Trata-se de um registro de pagamento de cerca de U$ 1 milhão destinado a cobrir gastos de Maluf em um cassino nos EUA. As despesas foram pagas pela Lespan. Para o Ministério Público Federal, esse documento é a comprovação de que a propina paga pela Mendes Jr, empreiteira que tocou as obras da avenida Água Espraiada, foi parar no bolso dos Maluf. Um rastreamento anterior mostrou que a propina também transitou pela mesma conta da Lespan, por intermédio do esquema do Banestado. Enquanto isso, o secretário municipal de Assuntos Jurídicos de São Paulo, Tarcísio Ferreira, acaba de voltar de Genebra. É que a Prefeitura contratou um advogado suíço para acompanhar os processos que envolvem Maluf. Se os promotores brasileiros enviarem às autoridades suíças documentos que relacionem o desvio com as contas em nome de Maluf e seus familiares na Ilha de Jersey, ele terá de devolver o que foi depositado no Exterior.

Amaury Ribeiro Jr, Sônia Figueiras e Juliana Vilas

Principais trechos do depoimento do ministro do TCU, Asylson Motta, na CPI do Banestado

Má vontade – “Sob o argumento do sigilo bancário, o BC
não forneceu à equipe do TCU documentos dos processos de fiscalização nem as denúncias que teria encaminhado ao Ministério Público Federal. Nossos técnicos levaram um mês para serem recebidos. Para eles se manifestarem no processo, que também
é obrigação deles, tive que mandar uma determinação. Alegavam que seria inócua a discussão, já que a equipe de auditoria teria adotado um enfoque político-ideológico e não técnico. É aquela velha posição cômoda de quem realmente não quer colaborar. O grande problema se deu na administração de Gustavo Franco.
Hoje há colaboração.”

Remessa de dinheiro- “O TCU constatou, com base em dados do próprio BC, que de julho de 1996 a novembro de 1998, a remessa líquida de recursos ao Exterior foi de R$ 54,5 bilhões (operações acima de R$ 500 mil). São Paulo foi líder, com R$ 29,1 bilhões. Vieram a seguir Foz do Iguaçu, com R$ 15,5 bilhões, e Rio de Janeiro, com R$ 4,4 bilhões. Só Foz do Iguaçu remeteu metade
do que movimentou todo o Estado do São Paulo, responsável por 25% do PIB e o triplo de todo o Estado do Rio de Janeiro. De 1991
a 1998, escoaram para fora do País, por meio de contas CC5,
US$ 84 bilhões líquidos. Parte desse dinheiro pode até ser legal, embora uma parte mínima”.

CC5 sem fiscalização- “O BC relega a fiscalização a segundo plano. Ela só é feita após a realização das operações, não é sistemática e, no caso específico de Foz, não atentou para as gritantes discrepâncias de valores”.

Autorização ilegal– “A autorização (aos cinco bancos) foi ilegítima e ilegal. Não houve uma decisão formal da diretoria do BC para respaldá-la. Eles alegam que houve uma homologação tácita da diretoria. É uma figura que não existe nos manuais do banco”.

Hemorragia- “Não posso dizer que tenha havido conivência do BC, mas, com certeza, as autorizações facilitaram o esquema. Elas contribuíram para transformar Foz do Iguaçu em um dos maiores centros de lavagem de dinheiro da América Latina, talvez do mundo. Houve uma verdadeira hemorragia de dinheiro. E o BC é responsável mediante as autorizações que concedeu.”

Permissividade- “Em julho de 1996, o BC constatou as irregularidades. Em abril de 1997 – quase um ano depois – comunicou ao Ministério Público. Somente em dezembro de
1999 foram anuladas as autorizações especiais. Ou seja, durante quatro ou cinco anos, com conhecimento do BC, esse esquema continuou funcionando. Segundo a equipe de auditoria do TCU,
o BC só denunciou tais fatos quando se tornaram conhecidos
pela CPI dos Precatórios”.