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A DESTRUIÇÃO
Sexta-feira 11, em Natori, nordeste do Japão: casas
e fazendas arrasadas por água e fogo

Com dez metros de altura, a extensa parede de água avançou sobre a costa nordeste do Japão, arrastando tudo o que encontrava pela frente. Nos portos, a onda gigante jogou embarcações e contêineres de um lado para o outro, como se fossem feitos de papel. Nas cidades, veículos de todos os tipos flutuavam por ruas alagadas, aeroportos foram invadidos por águas transformadas em lama negra por causa da quantidade de destroços que carregavam, enquanto as pessoas buscavam abrigo em áreas mais elevadas. Nos campos, plantações de arroz submergiram em segundos. O devastador tsunami, que chegou a engolir um navio e um trem de passageiros, foi provocado por um terremoto de 8.9 graus na escala Richter às 14h46 locais (2h46 em Brasília) na sexta-feira 11. Seguido por 94 réplicas de menor magnitude, mas que chegaram a atingir até 7.4 graus. Foi, até agora, o maior terremoto da história do Japão, que há 140 anos começou a registrar o fenômeno natural. Formado por quatro ilhas principais e três mil ilhas menores, o país do extremo leste da Ásia situa-se sobre três placas tectônicas cuja movimentação assombra seu cotidiano. São mais de cinco mil abalos por ano e um imenso temor: a possibilidade de ocorrer a qualquer momento o chamado Big One do Oriente, um terremoto de magnitude tão extrema que arrase totalmente o arquipélago.

“Nunca se sabe quando pode chegar o “daishinsai” (o grande terremoto)”, é uma frase que se ouve com frequência nos mais diversos pontos do país. Não por acaso, estrangeiros recém-chegados ao Japão logo aprendem o significado do termo “jishin” (terremoto). Da mesma forma, desde a pré-escola as crianças japonesas passam por treinamentos para aprender a se abrigar durante terremotos (leia quadro à pág. 84). Na cidade de Kobe, no centro-sul do Japão, existe até um museu a céu aberto para relembrar o pior tremor que havia atingido o país antes da sexta-feira 11. Trata-se do Kobe-ko Shinsai, um parque que expõe de forma permanente marcas dos estragos provocados pelo Hanshin Awaji Daishinsai em setembro de 1923, com 7.9 graus de magnitude na escala Richter. No parque encontra-se parte do antigo atracadouro de barcos da cidade tal qual ficou após o tremor de 1923 – com um grande fenda em sua estrutura de concreto e postes inclinados.

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O IMPACTO
Ondas de dez metros chegam às praias de Iwanuma, em Miyagi,
e colocam em alerta ilhas do Pacífico, partes dos EUA e Canadá

A cada tremor de terra, por mais bem preparado que o país esteja, volta à memória dos japoneses a ameaça de uma ocorrência com maior potencial destrutivo. O perigo é real. “Os grandes terremotos ocorrem de forma cíclica, como já está comprovado pela teoria do rebote elástico”, afirma o sismólogo João Willy Rosa, do Instituto de Geociências da Universidade de Brasília. “As placas tectônicas vão acumulando energia e, depois de um intervalo de tempo, essa energia culmina em um terremoto.” Para que o evento se repita, é preciso que se passe um determinado período de tempo. No Japão, estima-se que este período seja de 100 a 150 anos. O fenômeno, portanto, não tem data marcada para ocorrer, como lembra o sismólogo José Roberto Barbosa, da Universidade de São Paulo (USP). “Toda a região do cinturão de fogo está sujeita a grandes terremotos”, diz Barbosa, referindo-se à área de grande atividade vulcânica e de terremotos no Oceano Pacífico. “A ocorrência de um terremoto superior ao que acabou de ocorrer é sempre possível.”

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AS PERDAS
Tsunami destrói completamente zona residencial em Miyagi.
O alerta aos moradores havia sido dado horas
antes, permitindo uma fuga em massa

Como se sinalizasse a tragédia que estava prestes a chegar, na quarta-feira 9 a região já havia registrado um terremoto de 7.2 graus, que não causou grandes impactos. Dois dias depois, quando o tremor eclodiu, seguido pela grande onda, a vulnerabilidade da região e o potencial de propagação da tragédia ficaram evidenciados por alertas de tsunami emitidos por 50 países, da Austrália ao Canadá, passando pelo Chile e pela Costa Rica e por toda a costa oeste americana. As organizações Cruz Vermelha e Crescente Vermelho anunciaram que algumas ilhas da região podem desaparecer. No interior do próprio Japão, mais de 80 focos de incêndios resistiam à ação dos bombeiros. Chamas gigantescas devastaram o complexo petroquímico da cidade de Sendai, no nordeste do país.

Os maiores riscos, no entanto, vinham do setor nuclear, que produz 23% da energia consumida no Japão. Pouco depois do terremoto, embora ressaltando que não havia indícios de “materiais radioativos fora das instalações”, o governo declarou “estado de emergência de energia atômica”. Na cidade de Onahama, a cerca de 270 quilômetros a nordeste de Tóquio, o tremor causou falhas de energia e paralisou geradores da usina de Fukushima, impedindo o sistema de resfriamento de fornecer água suficiente para diminuir a temperatura do reator. Num primeiro momento, uma área de três quilômetros em volta da usina foi evacuada. Mais tarde, o círculo de proteção foi ampliado para dez quilômetros. A Agência de Segurança Nuclear do Japão admitiu a possibilidade de liberação de fumaça radioativa do reator de Fukushima. A medida, que seria inócua para os seres humanos e o meio ambiente, permitiria aliviar a pressão no reator que está 1,5 vez superior ao nível considerado normal. Já o nível de radioatividade na sala de controle da usina era mil vezes além do normal. Dos 55 reatores do país, 11 foram desligados por precaução. “Parar as centrais garantiu que não ocorressem explosões”, afirma o especialista em radiobiologia Eduard Rodríguez-Farré, integrante do Comitê Científico da União Europeia. “O lógico é que os reatores sejam mantidos parados até que sejam revisados um por um.”

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A DOR
Resgate de feridos em Tóquio e estrada destruída em Mito.
No porto de Onahama, carros, barcos e contêineres no mesmo cais.
Em Miyagi restou observar a destruição

Durante a madrugada do sábado 12, os moradores da capital, Tóquio, continuaram a sentir tremores de terra, como contou à ISTOÉ a carioca Manuela Leão, 25 anos. Estudante de engenharia eletroeletrônica na Universidade Cidade de Tóquio, ela desistiu de tentar dormir. “Durante um tempo os tremores pararam, mas agora, às 4h da manhã, começou a ter alguns terremotos fortinhos um atrás do outro”, diz Manuela. “Desisti de dormir por medo de ter um terremoto forte de novo.” Ao contrário do nordeste do país, Tóquio foi atingida pelo tremor, mas poupada da onda gigante. De acordo com o embaixador do Brasil no Japão, Marcos Galvão, a maioria dos 254 mil brasileiros que vivem no país mora em Tóquio. Não havia informações de vítimas na comunidade brasileira.

Relatos de sustos, porém, não faltaram. Moradora da província de Kanagawa, a 32 quilômetros de Tóquio, a modelo brasileira Suzy Shimada, da agência internacional Cinq Deux Un, estava no centro da capital quando a terra tremeu. Mais exatamente, ela passava pelo cruzamento de Shibuya, que é atravessado diariamente por três milhões de pessoas. “Eu vi os materiais da fachada de uma loja tremendo, olhei para os lados e as pessoas estavam em pânico. Os pés não ficavam firmes no chão. As árvores balançavam como num filme de terror. No prédio em construção em frente aos meus olhos, um imenso guindaste balançava como se fosse uma mola. Foi um pavor! Só via as pessoas gritando Sugoi – Kowaai, o que significa: Meu Deus! Que medo!” A modelo, que há quatro anos vive no Japão, contou que já havia passado por outros tremores de terra, mas jamais imaginara testemunhar algum de tamanha magnitude. “Um minuto depois o alarme soou, as pessoas saíam correndo dos prédios. Foi um desespero. Estava com o coração nas mãos. Eu só pensava no meu filho (Vitor, 5 anos) que estava na casa da babá, em Kanagawa. Só consegui contato com eles duas horas depois. Estava tudo bem.”
No Twitter, o cantor e compositor canadense radicado no Japão Blaise Plant fez um relato minuto a minuto do terremoto e seu impacto em Sendai, uma das cidades mais próximas do epicentro do terremoto:
15h07: A minha casa está um lixo! Eu estou bem! Foi assustador… o maior até agora!
16h47: Olá a todos! Parece que a situação se acalmou um pouco. Onde eu estou, os prédios estão danificados. Outdoors estão prestes a cair.
16h48: Peço a todos para se manter alertas… as coisas estão caindo… Ouvi que o tsunami parece muito grande na tevê.
16h49: Neste momento eu não posso ir para casa, o chão está tremendo.
17h16: Um monte de gente do bairro se reuniu para se manter aquecida.
17h24: Ainda grandes agitações… o tsunami parece realmente ter feito estragos… Parece que há mortes… mas eu não posso ter certeza sobre isso.
18h28: A cidade está em completo blecaute! Não consigo ver nada exceto luzes de carro!
18h41: Tenho que ir buscar meu primo na estação de Sendai…
18h50: Eu estou em pé no meio da cidade…
19h32: Graças a Deus vivemos em um país grande e organizado, onde todo mundo está ajudando uns aos outros!
Na virada da noite da sexta-feira 11 para o sábado, quando o cantor já estava abrigado em sua casa, a 144 quilômetros de Sendai, a cidade de Kesennuma continuava em chamas. Horas depois, o governo do Japão estimava que 378 pessoas haviam morrido e 547 estavam desaparecidas.

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O CAOS
As águas tomaram o terminal do aeroporto de Sendai.
No aeroporto de Narita, em Tóquio, a evacuação de passageiros.
Na Índia, estudantes acendem velas pelas vítimas do Japão

As ondas que varreram o Japão e provocaram perdas humanas também causaram estragos na economia do país. Na Bolsa de Tóquio, o índice Nikkey fechou a sexta-feira em queda de 1,73%, o menor nível em cinco semanas. Grandes empresas sentiram imediatamente o impacto dos tremores. Maior fabricante de carros do Japão, a Toyota paralisou a produção em três plantas industriais, o que deve causar prejuízos superiores a US$ 30 milhões. Na Nissan, quatro fábricas foram fechadas, sem previsão de retorno das operações. Trezentos milhões de celulares ficaram mudos no Japão. A economia global foi igualmente afetada. Na própria sexta-feira, o preço do barril do petróleo caiu 3%, enquanto as ações de algumas das principais seguradoras do mundo despencaram. Estima-se que o setor terá de desembolsar cerca de US$ 10 bilhões em prêmios decorrentes da tragédia. O pior, porém, é a ameaça que continua no ar. O “daishinsai” (o grande terremoto) está para chegar?

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PREVENÇÃO E TECNOLOGIA AMENIZAM OS ESTRAGOS
Por que o Japão é o país mais equipado do mundo para enfrentar grandes tremores de terra

Nenhum lugar é tão suscetível a terremotos quanto o Japão. A cada ano, o país sofre cinco mil tremores de terra – ou 10% de todos os abalos sísmicos registrados no mundo inteiro. Na nação que deu ao mundo a palavra tsunami, quase que a totalidade dos terremotos
não deixa vítimas e sequer provoca danos materiais. De tempos em tempos, porém, os japoneses têm de enfrentar terremotos tão brutais que acabam por se transformar em tragédias de grandes proporções.

O da semana passada, que entrou para a história como o maior de todos os tremores já ocorridos no país, fez um número recorde de vítimas, mas o resultado seria pior se os japoneses não fossem os maiores especialistas do planeta na prevenção de terremotos. Dos sistemas de alerta até a construção de prédios, dos treinamentos periódicos ao atendimento de emergência, o Japão é a nação mais bem equipada para sobreviver a hecatombes como essas.

Não é exagero afirmar que o Japão está permanentemente de prontidão. Nas escolas, a partir dos 6 anos as crianças aprendem a enfrentar desastres sísmicos. Uma vez por mês, os alunos simulam situações de fuga e bombeiros são convocados para dar palestras centradas em assuntos como “sobrevivência em escombros”. Mas não apenas os jovens são treinados. No “Dia da Prevenção”, celebrado em 1º de setembro, os trabalhadores são dispensados para que possam participar de exercícios que ensinam procedimentos seguros em caso de terremotos. Quando uma tragédia está em via de acontecer, as autoridades agem com velocidade impressionante. Alertas sonoros são disparados nas cidades e as emissoras de tevê e rádio mandam mensagens ininterruptas para toda a população. O videomaker brasileiro Carlos Nonnenmacher, 42 anos, é testemunha dessa agilidade. Ele mora há três anos no município de Hamamatsu, que fica a seis horas de carro de Tóquio e que entrou em alerta vermelho assim que o terremoto eclodiu. Sua casa fica a apenas 300 metros de praia. “Poucos minutos depois dos tremores, a polícia foi a todas as casas, inclusive a minha, pedindo para irmos para os pontos mais altos da cidade.” Segundo ele, a praia possui barreiras de proteção que são acionadas quando há risco de um tsunami. Em outros lugares, existem comportas que se fecham para evitar a propagação das ondas.

Nos últimos 20 anos, o desenvolvimento tecnológico se tornou um aliado importante. Em pontos estratégicos do arquipélago japonês foram instalados 300 sensores que monitoram a atividade sísmica, além de outros 80 sensores aquáticos que indicam a altura, velocidade, localização e horário de chegada de um tsunami. A engenharia japonesa é a mais avançada do mundo na construção de prédios à prova de terremotos. Desde os anos 2000, os grandes edifícios são feitos com estrutura de aço no lugar de concreto, o que os torna resistentes a grandes tremores. Foram também os japoneses que criaram os sistemas de amortecimento instalados na base das construções, cuja função é absorver parte da energia dos tremores. Não é possível eliminar por completo os riscos, mas o Japão ensina que a prevenção é o caminho a ser seguido.

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