Para milhares, Paulinho da Viola é o príncipe do samba. Mas, para o próprio, o título pertence a Roberto Silva, cantor que na sua opinião divide o cetro com Ciro Monteiro. “O título é à minha revelia. A única coisa que sei sobre um príncipe é o fato de ser filho de rei, e eu não sou”, desconversa Paulinho, principescamente. Embora tenha dificuldades em falar de si, ao mesmo tempo que não mede palavras para elogiar os outros, o cantor e compositor diz que só agora está conseguindo se enxergar “mais ou menos” como é na realidade. Seu melhor espelho é Meu tempo é hoje, delicado documentário de Izabel Jaguaribe, que traça um perfil do cotidiano do artista. “No início, fiquei chocado. Depois tive que gostar de mim”, comenta, timidamente. Meu tempo é hoje entra em cartaz no Rio de Janeiro na sexta-feira 25, chega a São Paulo no dia 8 de agosto e depois estréia em outras capitais.

Como a intenção é fazer um perfil informal de Paulinho da Viola, a sinuca onde bate ponto toda semana não poderia ficar de fora. Assim como as rodas de samba com a Velha Guarda da Portela. “Paulinho é nosso padrinho, mas é ele quem pede a nossa bênção”, brinca Monarco, 69 anos, um dos integrantes do grupo. Conversador atento, o sambista também foi filmado em papo com Marisa Monte. Mais difícil que comentar o filme, no entanto, é fazê-lo falar de si. Inteligente e sorrateiro, antes de começar a entrevista, Paulinho da Viola, 60 anos completados em novembro passado, liga o aquecedor e se queixa da umidade da sua casa no Itanhangá, zona oeste do Rio. É lá que o sambista vive há 20 anos com cinco de seus sete filhos, três da primeira união e quatro da segunda com Lila Coelho, com quem está casado há 26 anos. Calça e camisa jeans, ele se integra perfeitamente ao ambiente aconchegante e confortável, cujo charme em parte vem da sua atividade paralela de marceneiro, um hobby levado muito a sério, como atesta Lila. “Quando ele está na marcenaria não presta atenção em mais nada”, conta.

Paulinho reconhece que sua tendência à reclusão seria prato cheio
para um divã – talvez exatamente por esta condição nunca fez análise.
Quando pequeno, morava numa casa de vila e tinha como refúgio o
porão. “Adorava ficar ali, pensando na vida. Era o lugar onde me sentia mais seguro.” Já artista, a timidez foi a primeira barreira a romper na
marra. “O tímido tem pavor de ser julgado, de ser criticado. Tive de fazer um esforço enorme para me livrar.” Em parte conseguiu. Agora,
acompanha a fala pausada com muitos gestos, como se eles preenchessem um desconforto. Afinal, temperamento é algo difícil
de mudar, ainda mais quando é genético. Seu único irmão, Francisco,  igual. O pai, o músico Benedicto César de Faria, de quem herdou 
o gosto pela música, também é reservado. A mais expansiva é a mãe, dona Paulina.

Mesmo com a facilidade da herança musical paterna, a decisão de Paulinho pela vida artística foi lenta. Quando o pai percebeu seu interesse pela música, aos 12 anos, contratou um autodidata para ensinar ao filho os primeiros acordes no violão. O menino achava que seu futuro era a contabilidade, mas foi cada vez mais se apegando ao instrumento. Lutou contra a falta de disciplina, que até hoje o persegue, incentivado por Hermínio Bello de Carvalho, com quem fez suas primeiras parcerias.

Autor de algumas das maiores pérolas da MPB, como Sinal fechado e Dança da solidão, Paulinho admite certa preguiça embutida nos longos intervalos que fica sem compor. Gosta mesmo é de cantar. Confessa que as noites viradas em rodas de samba e choro até hoje só lhe permitiram ficar “bêbado de samba e outros sonhos”, como diz na antológica Bebadosamba. Até o charuto, que começou a fumar depois dos 40 anos, é um prazer eventual. Assim como a cachaça, que degusta sobretudo nas reuniões da Academia Brasileira da Cachaça. Não dorme mais do que seis horas por noite e costuma se deitar por volta das três da madrugada para desfrutar mais tempo do silêncio. Existe melhor ritual para um príncipe?