Quanto vale um sonho? Noites em claro, um ano inteiro de dedicação, toda uma vida? Como se escolhe um sonho? Na vitrine de uma loja, no pregão da Bolsa de Valores, em um portal de busca na internet? Quando termina um sonho? Quando ele é alcançado? Ou quando seu dono o abandona na lixeira da cozinha? Todo mundo sonha, dormindo ou de olhos abertos. Todos têm projetos e tecem planos para o futuro. Mas nem todos assumem seus desejos com unhas e dentes e se tornam realizadores de sonhos. Uns por medo de aparentar teimosia. Outros sucumbem às críticas e gargalhadas dos amigos. Muitos desistem no primeiro obstáculo e torcem para que o próximo sonho seja, pelo menos, um pouco mais fácil. Mas há aqueles que não desistem nunca. Em vez de teimosos, são perseverantes. Ao ver Lula na Presidência, os velhos companheiros notam o retrato da persistência. Se o teimoso é aquele que ralha, fixa-se em uma idéia como criança birrenta, o perseverante aprende com as dificuldades e transforma os pequenos pesadelos em combustível para os sonhos. E, mais importante, acredita na possibilidade de realizá-los.

Paixão – Autor do livro Você é do tamanho de seus sonhos, lançado há dois meses, o consultor de empresas César Souza fez um trato com a Editora Gente: os primeiros 100 exemplares ganhariam uma encadernação especial e um número de série. Ao receber o primeiro lote, Souza levou o número 1 ao Palácio do Planalto. “O presidente representa a luta de um migrante nordestino pelo sonho de melhorar o País. Poderia ser personagem do meu livro”, diz o autor. Na obra, Souza compila mais de 50 histórias de pessoas que, como ele, lograram êxito ao correr em busca de seus objetivos e revela as semelhanças entre Ozires Silva – o menino de 15 anos que delirava com a história de Santos Dumont e conseguiu erguer a quarta maior fabricante de aeronaves do mundo, a Embraer – e Ronaldo Nazário, responsabilizado pela derrota da Seleção na Copa de 1998, que, após 17 meses fora dos campos, levou o Brasil à conquista do penta. “A palavra-chave é paixão. O tempo todo a gente é atingido por alguns sonhos. A diferença é que muitos os deixam passar e poucos se agarram a eles”, considera.

César Souza fala por experiência própria. Nos anos 80, trabalhava na Odebrecht e sonhou “fazer a América”. Em 1990, abriu escritório em Washington e, dez anos depois, ao se afastar da empresa, havia movimentado mais de US$ 2 bilhões na terra do Tio Sam e coordenado a ampliação do aeroporto de Miami. Mais tarde, sonhou construir um hotel em Búzios em um terreno sem água potável, luz elétrica e telefone. Comprou um dessalinizador de água, transportou os postes de energia elétrica e, hoje, emprega 40 funcionários. “Do ponto de vista empresarial, diriam que fui um louco. Era muito mais coerente escolher outro lugar para o hotel. Mas ninguém tem o direito de julgar o sonho dos outros”, resume.

Nascido na periferia de São Paulo, Leandro Mateus Barbosa começou a vender frutas na feira aos quatro anos. Logo, seu irmão Artur, 20 anos mais velho, resolveu levá-lo à quadra do Continental, clube onde treinava basquete. Era o início da gestação de Leandrinho, 20, o astro do Bauru que acaba de fechar contrato com o Phoenix Suns. “Desde os cinco anos sonho jogar na NBA”, lembra ele. “Era o sonho do meu irmão, que me ensinou a jogar e me contagiou com sua garra. Durante os testes nos Estados Unidos, eu treinava o dia inteiro e, às vezes, acordava no meio da noite para arremessar”, conta o quarto brasileiro a pôr os pés na liga americana de basquete. Sua maior aliada foi a cumplicidade da família. “Muitos esportistas desistem porque não são levados a sério”, garante.

Os calos que Leandrinho ganhou após tanto treino não foram motivo para desânimo. Se ele tivesse se acovardado diante da distância que separava sua casa, no Jaraguá, da liga americana, jamais teria o gostinho da vitória. A psicanalista Selma Ciornai, coordenadora do Instituto Gestalt de São Paulo e professora de arte terapia no Instituto Sedes Sapientiae, cita o livro A busca do sentido, de Victor Frankl, para mostrar a importância do sonho na construção do futuro. “Frankl escreveu que os sobreviventes dos campos de concentração não foram sempre os mais fortes, mas aqueles que conseguiam sonhar, apesar da dura realidade. Ao vislumbrar um horizonte possível, os judeus reuniam estímulos para tocar em frente”, diz. A obra foi fundamental para as pesquisas em resiliência na psicanálise. O termo, emprestado da física dos metais, define a capacidade de um corpo de voltar a seu estado natural após sofrer alterações, retornar ao tamanho original após ser aquecido ou esticado. “Com a gente acontece a mesma coisa. Após um trauma, alguns ficam abalados para sempre, enquanto os resilientes dão a volta por cima. Apenas o sonho consegue vencer a depressão, que nada mais é do que a sensação de que todas as portas estão fechadas”, explica.

Após um ano de uma gravidez frustrada, a arquiteta e cantora paulista Mariana Valença, então com 29 anos, não conseguia engravidar. Ela e o marido, o também arquiteto Eduardo Seiler, procuraram um médico que se mostrou otimista: era questão de tempo. Mas o bebê não vinha. Trocaram de especialista e ele diagnosticou um problema na ovulação. Partiram para a inseminação artificial. Uma, duas, três, quatro tentativas, e nada. “Era uma frustração tremenda. Esses tratamentos desgastam muito física e emocionalmente. Sem falar no dinheiro. Tudo é caro e nós não tínhamos condições”, conta Mariana. Por isso, mais de uma vez, o casal teve de interromper seu sonho. Mas se reerguia e continuava. “Foi então que procuramos um hospital da rede pública. Os médicos indicaram a fertilização in vitro (proveta) e deu certo na primeira tentativa. Hoje a Clara tem seis meses e é forte como um touro”, comemora a mãe. Mesmo sofrendo, Mariana, hoje com 35 anos, não desistiu. “Eu tinha certeza daquilo que queria. Sempre fui prática. Mantive o pé no chão e não tive medo de arriscar”, lembra.

Pés no chão e cabeça nas nuvens é, de fato, uma receita quase infalível para se realizar um sonho. De nada adianta ficar só na fantasia e não mover uma palha. E, como Mariana, também é importante não desistir. “Muita gente abandona o sonho e fica achando que não deu certo. Mas, algumas vezes, ele foi esquecido antes de se concretizar”, aponta a psicóloga paulista Luzia Dourado. Ela lembra que a realização de um sonho implica tempo, planejamento, trabalho, perdas e frustrações. “Tudo tem um preço. E quem quer realizar algo deve saber disso”, diz ela. Luzia conta que os jovens de hoje não têm paciência para correr atrás do que querem. Foram acostumados pelos pais a ter tudo na mão. “Eles fazem parte da ‘geração delivery’, na qual tudo é rápido e fácil. Por isso, muitas vezes abandonam projetos que nem sequer saíram da cabeça e se sentem frustrados. Sonhar é vital. O adulto que não sonha é como a criança que não brinca. Fica apático, desbotado”, conclui a psicóloga.

Paulo Borges tinha 18 anos quando deixou São José do Rio Preto, no interior paulista, para estudar na capital. Arrumou uma vaga como produtor de moda na revista Vogue e logo carimbou seu passaporte para os desfiles estrangeiros. “Nos primeiros cinco minutos, eu olhava as roupas. Depois, desviava a atenção para os fotógrafos, os bastidores, as luzes, e me perguntava por que no Brasil não era assim”, conta. Aos 39 anos, Paulo Borges comanda a São Paulo Fashion Week, com orçamento de R$ 4 milhões. “Meu sonho era construir um calendário de moda no Brasil. Tínhamos um time de estilistas emergentes e boas modelos. Busquei patrocinadores e, em 1993, inaugurei o Phytoervas Fashion, a primeira versão do que hoje é a SPFW”, narra. “Não fiquei no devaneio, pensando nas dificuldades. A idéia inicial é apenas 5% de um projeto. O resto é trabalho”, resume.

Etapas – Algumas características são necessárias para que o sonhador coloque em prática seu desejo. A primeira delas é conseguir traduzir suas fantasias, seus anseios, em palavras e colocá-las no papel. Ou melhor: traçar um projeto bem-estruturado, definir etapas, prazos, buscar aliados. Antes de se orgulhar com os desfiles da São Paulo Fashion Week, Paulo Borges teve de fazer tudo isso. No livro Você é do tamanho de seu sonho, César Souza apresenta uma receita de como passar da “situação atual” para a “situação desejada”. “É fundamental fazer um diagnóstico da situação atual e estabelecer exatamente onde se quer chegar. Em seguida, é preciso definir os obstáculos e os estímulos para evoluir à situação desejada e estabelecer as linhas de ação”, explica ele. “E jamais usar como desculpa a falta de tempo ou de dinheiro”, ensina. Se o sonhador se acomoda em vez de buscar soluções, não será um realizador.

A falta de dinheiro não foi obstáculo para o sonho de Aldaci dos Santos, a Dadá, 42 anos. Nascida em Conde, na Bahia, ela e o irmão, Renato, viam a mãe sair cedo para trabalhar na roça. Sem comida ou remédio, só restava o sonho à pequena Dadá, que nunca conheceu o pai. “Eu olhava o sol e pedia a ele para crescer. Queria ajudar minha mãe”, conta ela. Quando ia para a cidade, Dadá olhava as casas e as bonecas que nunca teve. As pessoas se condoíam e a deixavam entrar. Em troca, ela ajudava na cozinha. Até que, aos 13 anos, uma família a levou para Salvador para ela cuidar de uma criança. “Vi aquela cidade e falei: é aqui que vou realizar meu sonho”, diz. Dadá virou empregada doméstica e, talentosa na cozinha, criava pratos. Foi vender acarajé na rua e, ao se mudar para um apartamento com um pequeno quintal, resolveu abrir ali um restaurante, o Varal da Dadá. “Nem meu companheiro acreditou. Mas fui em frente.” Hoje Dadá é dona desse e de mais três restaurantes em Salvador. Mas seu sonho não acabou. “Quero abrir uma escola de culinária para crianças carentes no Alto das Pombas, onde comecei. Não vou morrer antes disso.”

Oportunidades – Um sonho nunca termina. Depois de alcançado, exige dedicação e cuidado para se manter. E logo surge um novo sonho para completar a satisfação com o anterior. Dadá quer levar seu sonho a outras crianças da periferia de Salvador, quer abrir portas para quem encontra todas fechadas, quer permitir que outros talentos tenham a mesma oportunidade que ela encontrou. “A realização de um sonho depende igualmente de dois fatores: a competência e o aproveitamento das oportunidades”, destaca o pedagogo Silvio Bock, diretor do Instituto Nace – Orientação Vocacional e Redação, em São Paulo. “Não basta acreditar no sonho para torná-lo real. É preciso tomar cuidado para que o discurso do ‘basta querer que você consegue’ não se torne uma justificativa da desigualdade social, não coloque toda a responsabilidade sobre o indivíduo”, considera. Em sua pesquisa de mestrado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo, concluída em 2001, Bock perguntou a jovens vestibulandos das classes média e alta quais eram as justificativas para a escolha de suas profissões e se surpreendeu com as respostas. “Mesmo nas profissões de maior caráter social, as escolhas são sempre individuais. Poucos escolhem a profissão para ser agente de transformação social. Esperamos é que, com o tempo, a visão se abra para esse lado, como aconteceu com Dadá”, diz. Em todas as áreas, da culinária à administração de empresas, é possível conciliar sonho individual com sonho coletivo.

Aos 46 anos, o empresário Décio Goldfarb acaba de deixar a presidência voluntária da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) após seis anos de mandato. Ao assumir, em 1997, Goldfarb vestiu a camisa de um projeto engavetado havia dez anos: trazer o Teleton para o Brasil. A maratona de arrecadação exibida pelo SBT já havia provado seu potencial em outros dez países latino-americanos. Sorte dos 3,5 milhões de deficientes físicos do País. “Em cinco edições do programa, a entidade arrecadou mais de R$ 50 milhões, construiu cinco novas unidades e pulou de 950 consultas diárias para mais de 4,4 mil”, enumera Goldfarb. Seu maior trunfo foi contagiar os parceiros da AACD e toda a população. “Quando um sonho é coletivo, ninguém tem direito de abandoná-lo”, afirma.

Nada é mais gratificante para Goldfarb do que ver uma criança receber alta após tratamento na AACD. Se todo sonhador vive de estímulos, aquele que ousa imaginar um Brasil melhor se alimenta dos sorrisos de quem pode comprovar o sucesso de cada pequena batalha.

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