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CONTRASTE
Em Jaboatão, o frevo se destaca nos bairros
longe da praia, enquanto na orla a festa é baiana

O tradicional Carnaval de Pernambuco, simbolizado pelas cidades do Recife e de Olinda, é mundialmente conhecido pela valorização da cultura local e sua aversão a ritmos de fora do Estado. Ao se pintarem das cores locais, os foliões não abrem mão daquilo que é genuinamente pernambucano. Orquestras de frevo, blocos líricos, maracatu e caboclinhos ditam o ritmo e as danças, atraem turistas e movimentam a economia local. Só o tradicional bloco Galo da Madrugada leva mais de um milhão de pessoas para o centro do Recife. O calendário das festividades momescas deste ano, no entanto, trouxe novidades e inaugurou o que pode representar uma mudança nos costumes do Estado. Sem a mesma tradição foliã, Jaboatão dos Guararapes, a cidade que se confunde com a extensão da praia de Boa Viagem, do Recife, decidiu mordiscar um pedaço dos benefícios e da visibilidade que o Carnaval traz para o Estado. E, para se diferenciar do Recife e de Olinda, a cidade decidiu investir no pré-Carnaval com um toque diferente. Para desespero dos puristas, lançou mão dos arquirrivais baianos para animar a festa. Desde o dia 27 de fevereiro até a véspera de Carnaval, o axé de bandas como Jamil, É o Tchan, Cheiro de Amor, além da paraense Calypso, inundou de música a orla de Piedade. Pimenta pura na terra do frevo, pois os Carnavais do Recife e de Olinda há muito acordaram em deixar os ritmos baianos fora dos limites de suas fronteiras.

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ESTREIA
É a primeira vez que a cidade se organiza
para patrocinar o Carnaval de rua

Para o prefeito de Jaboatão, Elias Gomes, esta é uma festa que se traduz em negócios e, por isso, uma oportunidade de gerar recursos. “A opção por trazer nomes nacionais é para chamar o povo para a rua”, afirma o prefeito, sobre os trios elétricos que desfilaram nos três quilômetros de orla marítima no bairro de Piedade. Do ponto de vista comercial, a tese do prefeito parece correta. Dos R$ 3,5 milhões investidos, metade veio de patrocínio. Jaboatão dos Guararapes sofre as consequências de uma cidade marcada pela corrupção – em duas décadas, três administrações anteriores foram alvo de intervenções, incluindo uma federal. Por ser a primeira vez que a cidade figura no calendário oficial, o público na avenida, composto quase que exclusivamente pela população local, pode representar um bom presságio. “Revitalizar a história do município passa pelo Carnaval, e esse resgate é personificado na semana pré-carnavalesca”, aposta o prefeito Gomes.

Durante a passagem dos trios, o público parecia realmente não se importar com a origem das bandas que fizeram a festa na orla. Nos camarotes e na rua, milhares de pessoas experimentavam a coreografia do axé music. Poucos se fantasiaram e as moças dos camarotes – que dançavam em cima de saltos altíssimos – eram muito diferentes dos foliões de pés descalços que corriam atrás dos trios. “Agora, sim, temos uma festa bonita, alegre. Estou me divertindo muito e o clima está ótimo”, disse a administradora de empresas Clauciane Barros, 29 anos. Mas o município de quase 800 mil habitantes também tem seus contrastes. Ao sair da praia, com prédios sofisticados, hotéis confortáveis e comércio farto, percebe-se uma outra cidade. Em recônditos bairros, afastados pela grande dimensão perimetral da cidade, com casas simples, a tradição persiste e o movimento da orla parece pertencer a outra realidade.

E, de alguma forma, pertence mesmo. O grupo Maracatu Aurora Africana não participou da semana pré-carnavalesca e passará o Carnaval no Recife, onde há centenas de grupos. A estudante universitária Eliane Araújo integra o maracatu e não é otimista sobre a festa da praia. “Sei que trazer conjuntos nacionais chama o povo para as ruas. Mas, se insistissem com os grupos tradicionais com a mesma estrutura disponível para essas bandas, o povo compareceria da mesma forma e nossa cultura não seria desprivilegiada”, diz. Além do maracatu, a cidade também possui grande tradição no frevo e nos blocos regionais, outro aspecto que evidencia a existência de muitas cidades em uma. Celinha Santos, 60 anos, gerente de Cultura da prefeitura e entusiasta do Carnaval de raiz, analisa a existência de dois públicos distintos, o do bairro e o da praia, e resume o que acontece. “Lá é show, aqui é tradição,” define. Em Vista Alegre, distante 21 quilômetros da orla, são os blocos que reinam. No ensaio do Balé Popular de Frevo de Jaboatão, que ocorre em uma pacata rua, todos saem das casas para assistir, crianças se fantasiam e até o mais distraído dos passantes ensaia passos discretos, balanços nos pés e todos cantam juntos as centenárias letras carnavalescas.

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DE LONGE
Nos dias de Carnaval, os blocos tradicionais vão para o Recife.
Bandas como Jamil e É o Tchan animaram os foliões em Jaboatão

O público de mais de dois milhões que pulou na semana pré-carnavalesca, no entanto, não escapou completamente da tradição. Calypso, Jamil e o É o Tchan arriscaram alguns frevos em suas performances e a multidão se divertiu. Nessa hora, não importava o tamanho do salto das mulheres ou a embriaguez das tietes da Calypso atrás do trio. As pernas se cruzavam num balé acelerado e a agitação chegava ao máximo. Afinal, ao ouvir a tradicional canção “Frevo das Vassourinhas”, composta em 1909, e que é praticamente um hino local, a população parecia encontrar imediatamente suas raízes, dando um tempero pernambucano ao som estrangeiro.

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