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FOGO
Nas cidades fora do controle de Kadafi,
populares destroem os símbolos do regime

Na terceira semana de revolta na Líbia, o ditador Muamar Kadafi resiste de forma consistente e há poucos indicativos de que sua queda esteja próxima, apesar de ele estar cada vez mais isolado, tanto dentro quanto fora da Líbia. Sua estratégia de manutenção do poder combina duas frentes de sinais invertidos: uma militar, pela qual tenta conter o avanço rebelde pelo leste rumo à capital Trípoli, e outra diplomática, com o único objetivo de ganhar tempo. Tais gestos ficaram mais que evidentes na quarta-feira 2. Enquanto Kadafi propunha, em discurso na tevê estatal, a criação de uma comissão de observadores internacionais, determinava ataques aéreos e terrestres contra posições rebeldes nas cidades portuárias de Ajdabia e Marsa el-Brega, deixando ao menos duas dezenas de mortos. Por isso soou como blefe a oferta do ditador de abrir o país para representantes da União Africana (UA), da Organização da Conferência Islâmica e do Brasil, único país citado nominalmente por Kadafi. Um abacaxi que o chanceler Antônio Patriota começou a descascar no mesmo dia. Com a cautela de evitar o papel de inocente útil desempenhado pelo Brasil em crises anteriores no Irã e em Honduras, Patriota revelou a interlocutores que não crê na boa intenção do ditador líbio e descartou qualquer ação que o beneficie. “Kadafi está contra o povo líbio e nós estamos a favor”, disse.

Indiretamente, o Itamaraty anima o presidente venezuelano, Hugo Chávez, a assumir o risco de uma mediação. A percepção na diplomacia brasileira é de que ajudar Kadafi neste momento só criará constrangimento, especialmente depois que o Tribunal Penal Internacional (TPI), órgão que investiga e julga acusações de genocídio, crimes de guerra e contra a humanidade, decidiu colocar o ditador líbio no banco dos réus. Os ataques desferidos contra a população na primeira semana de revolta, deixando mais de dois mil mortos, motivaram o Conselho de Segurança da ONU a pedir a abertura de investigação. No alvo do TPI está o próprio Kadafi, seus filhos Khamis e Muatassim Kadafi, que comandam o Exército e a guarda presidencial, além de seu cunhado Abdullah Senussi, encarregado da segurança interna. “Não haverá impunidade na Líbia”, disse o procurador-geral do TPI, o argentino Luis Moreno Ocampo.

A ONU estima em mais de 180 mil o total de pessoas que já fugiram da Líbia para escapar do conflito. A maioria buscou refúgio nos vizinhos Egito e Tunísia, cujas ditaduras foram as primeiras a sucumbir ante os protestos que se espalham pelo mundo árabe. O Acnur, agência da ONU para refugiados, montou centenas de barracas em áreas próximas à fronteira Líbia, e o Programa Mundial de Alimentos (PMA) lançou uma operação emergencial de US$ 38,7 milhões para distribuir mantimentos nesses locais. “Sem uma ação urgente, poderá haver uma tragédia humanitária histórica”, avalia a diretora-executiva do PMA, Josette Sheeran. Espanha e Reino Unido também se solidarizaram e enviaram aviões para ajudar nas tarefas de distribuição de alimentos e repatriação dos refugiados.

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CONTRA-ATAQUE
Caças bombardearam alvos militares dos rebeldes

Paralelamente ao plano de ajuda humanitária e às articulações diplomáticas, os Estados Unidos se preparam para uma eventual intervenção militar na região. Na semana passada, dois navios de guerra americanos cruzaram o Canal de Suez rumo ao litoral líbio. O secretário-geral da Liga Árabe, o egípcio Amr Moussa, se posicionou contra um eventual ataque, e Kadafi ameaçou transformar o país em outro Vietnã. “Entraremos numa guerra sangrenta e milhares de líbios morrerão. Estamos prontos para entregar armas a um milhão, dois ou três milhões, e um novo Vietnã vai começar”, bradou o ditador.

Embora soem como ameaças vazias de um governante desesperado, as palavras de Kadafi não devem ser desprezadas. Mesmo diante da deserção de vários oficiais militares, que foram engrossar as filas rebeldes levando armas e equipamentos, o ditador líbio demonstra superioridade militar com bombardeios aéreos e ações organizadas de milícias. O que se vê afinal é um país rachado, com cada lado consolidando posições, numa dinâmica própria à guerra civil. Sem a renúncia de Kadafi ou sua retirada à força por intervenção externa, o sonho de milhares de líbios por liberdade e democracia poderá se desfazer como dunas do deserto. Como sintetizou a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, “a Líbia pode cair no caos e virar uma Somália gigante”.

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