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A VIDA BOÊMIA
Brassaï usava faróis de carros para iluminar as
fotos externas (acima). Nos cafés, buscava cenas íntimas

O fotógrafo húngaro Brassaï (1899-1984), mestre das imagens noturnas, nasceu na Transilvânia, terra na qual surgiram as lendas e a literatura sobre os vampiros “de verdade”. Mas seu gosto pela noite vem de hábitos mais mundanos e menos intelectualizados.Integrante do grupo de artistas que invadiram Paris no entre-guerras, ele era adepto do “flanerismo” boêmio: começava suas aventuras etílicas abrindo um bar e, na madrugada, já havia ajudado a fechar outros tantos – isso na boa companhia de Jean Cocteau, Henry Miller, Pablo Picasso ou Salvador Dali. Essas eram horas de diversão. Seu trabalho se iniciava mesmo no momento em que a agitação escasseava e outra gente tomava conta das esquinas. Brassaï montava então seu tripé e flagrava instantes mágicos da Cidade-Luz. Podia ser apenas a metrópole imponente em seus ângulos menos óbvios ou, então, a população que insistia em não cair no sono, na qual se incluíam, na mesma zona cinzenta, malandros, prostitutas, sem-teto e, claro, trabalhadores que começavam sua labuta antes dos primeiros raios de sol. Nessas horas, Gyula Halász, ou Brassaï (pseudônimo que vem de Brasso, cidade perto dos Cárpatos onde nasceu), assumia a fobia pela luz do dia. Queria apenas o lusco-fusco das horas mortas como se pode ver na exposição “Brassaï – Paris La Nuit”, que fica em cartaz no Espaço Cultural Unifor, em Fortaleza, e depois viaja para Recife, Curitiba, Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.

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O MUNDO DO TRABALHO
Os policiais chamados “andorinhas” em razão da longa capa que
usavam (acima) e Brassaï em ação: ele tirava 30 fotos por noite

Brassaï começou a fotografar por necessidade. Ele chegou a Paris vindo de estudos de arte em Budapeste e Berlim e, para sobreviver na cidade, passou a colaborar com revistas húngaras – escrevia a respeito de qualquer coisa, até sobre o Salão da Agricultura e a disputa de rúgbi entre a França e a Romênia. Para ilustrar os textos, inicialmente pedia a colaboração de amigos como os fotógrafos Eugène Atget e André Kertész. Mais tarde, passou ele próprio a assumir a produção das imagens. A ideia de fazer fotos à noite surgiu como interesse meramente pessoal em 1929. Três anos depois, um conjunto de 64 delas foi publicado no livro “Paris La Nuit”, considerado um clássico em termos de ensaios fotográficos e anterior ao registro da noite nova-iorquina feito por Weegee. A maior parte dessas imagens antológicas está na mostra, que reúne 98 fotos. Fazem-se presentes os fantásticos panoramas das estações de trem, dos metrôs e de monumentos públicos, sempre colhidos à contraluz. E também as fotografias mais abstratas, como a progressão geométrica dos calçamentos de ruas, tão nítidos e brilhantes que parecem ter sido lustrados antes do clique. Essas imagens encantam pela técnica: Brassaï se aproveitava da luz dos postes e, para criar efeitos, valia-se dos faróis de carros – o carro de Picasso sempre foi muito útil. As imagens que provocam mais a curiosidade são, contudo, aquelas do mundo dos cafés, bailes e casas de prostituição, como a famosa Chez Suzy. “O mais terrível na vida é o esquecimento. É por isso que fotografo”, disse Brassaï sobre a sua atividade. Graças a ele, essa Paris perdida no tempo ainda hoje nos encanta os olhos.