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Regina Casé diz que gosta de conhecer pessoas e frequentar lugares “diferentes” desde pequena. Hoje, a atriz e apresentadora carioca de 56 anos se destaca justamente por colocar o “povão” na tela da TV Globo, com programas e quadros como o atual “Esquenta”, exibido aos domingos. “Tenho um papel na Globo, há algum tempo, que é um pouco o da transgressão. Levo assuntos, lugares, pessoas que não estão normalmente na emissora”, afirmou. Personagens que também não estão em sua rotina de moradora do Leblon, bairro nobre do Rio de Janeiro, onde divide com o marido, o diretor Estevão Ciavatta, 42, e a filha, Benedita, 21, do casamento com o artista plástico Luiz Zerbini, um confortável apartamento. “Não quero tirar onda de pobre. Moro numa rua chique e uso roupa de marca. Não quero andar mulambenta.”

Sem citar nomes, disparou contra colegas de profissão que apelam ao assistencialismo em atrações ditas populares. “Não acho justo ir a uma favela para mostrar o que é ruim. Apesar de tudo, há uma alegria enorme nesses lugares e coisas que a gente desconhece”, contou. “E eu fico eufórica com essa sensação de descoberta. Por isso eu talvez fique meio over e isso irrite algumas pessoas”, acrescentou, mais uma vez, sem esclarecer a quem é dirigida a especulação. Este é o estilo de Regina: falar nas entrelinhas, para bons entendedores.

ISTOÉ — A TV é assistencialista com os pobres?

Regina Casé — A TV, como um todo, lida com o povo assim, de forma assistencialista. Mas eu não acho justo ir à favela mostrar o que é ruim. É contrário à minha essência. Mas sempre vai ter gente que vai se prestar a isso. Claro que pago o preço e tenho que ouvir pessoas dizendo que estou glamourizando a pobreza. 

ISTOÉ — Você enfrenta alguma resistência na TV Globo?

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Regina — Não, porque é uma relação sólida. Não inventei de fazer um programa agora. E as pessoas também me recebem bem, vou a qualquer lugar sem segurança e carro blindado. Você vai ganhando confiança dos dois lados. A Globo quer e sempre quis que eu ocupasse um papel da transgressão. Levo assuntos, lugares, pessoas que não estão normalmente na Globo. O Júnior (José Júnior, coordenador da ONG AfroReggae) estava vendo o programa lá em casa comigo e disse: “Pô, nesse programa só tem preto?”. Eu disse a ele:  “Não, tem mais branco do que preto. Vamos contar”. A gente olha e só vê preto porque, em outros programas, não vê nenhum. Em geral tem aquela cota, numa festa, ou mesmo no BBB, para não dizer que só tem branco. Quando tem um pouco mais, fica essa sensação de que só tem preto.

ISTOÉ — Tem planos de ter um programa fixo?

Regina — Sim. O “Esquenta” tem um pouco a ver com uma discussão de eu assumir um espaço maior. Mas, assim como eu e minha equipe, a emissora também fica dividida de ver que ali tem um potencial, que eu poderia ter programa semanal, mas fala, “Pô, será que, se for assim, vai perder esse outro lado, da transgressão?”

ISTOÉ — No “Esquenta”, você disse que já estava na hora de ter beijo gay na novela.  A Globo é careta?

Regina — Não é a emissora. A TV libera quando ela consegue. Hoje já é mais comum ver casais gays na rua, mas não é comum ver beijos gays num restaurante, mesmo num lugar muito liberal. A TV não vai mostrar isso porque isso não é mostrado num lugar público. Quando as pessoas começaram a ver mais isso na rua, na praia, a TV vai refletir essa mudança naturalmente.

ISTOÉ — Como surgiu sua vontade de trabalhar com as pessoas mais pobres?

Regina — No filme “Na cama com Madonna”, a cantora diz: “Quando tinha cinco anos, eu já era a Madonna”. É a mesma coisa comigo. Sempre tive um interesse enorme de estar em lugares que não conhecia, em geral. Eu fui casada por 15 anos com o pai da minha filha, que é paulista. Ele vinha de uma família com grana. Ele ia num clube que achava chatérrimo, careta. Mas eu ficava encantada, pedia para voltar. Ele dizia que era impossível eu querer ir num lugar daqueles. Mas eu falava: “Eu nunca fui num lugar assim”. E com as comunidades é a mesma coisa.

ISTOÉ — Há quem a critique por celebrar a pobreza, quem ache sua animação muito exagerada…

Regina — Eu tenho mesmo um tom a mais. Até eu às vezes me acho animada demais. Quanto mais meu trabalho ia se voltando para esse lado, mais eu ia  descobrindo lugares, pessoas e manifestações culturais que me faziam pensar assim: “Como eu posso nunca ter ouvido falar disso?” E eu fico eufórica com essa sensação de descoberta. Por isso eu talvez fique meio over e isso irrite algumas pessoas. Fico encantada mesmo. Durante anos e anos, recebemos sempre uma imagem de tristeza e pobreza. Não acho justo ir a uma favela para mostrar o que é ruim. Apesar de tudo, há uma alegria enorme nesses lugares e coisas que a gente desconhece.

ISTOÉ — Tudo isso influenciou a maneira como você criou sua filha?

Regina — Sim. A Benedita circula pelo Rio de Janeiro inteiro. É a coisa mais legal que você pode dar de presente a um filho. Todo mundo fala em mandar estudar no estrangeiro, mas acho melhor esse intercâmbio diário, de convívio com pessoas diferentes de você, não apenas com gente que vive no mesmo condomínio e estuda no mesmo colégio. É conquista da qual me orgulho muito.

ISTOÉ — Acha que as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em favelas vieram para ficar?

Regina —  Eu acho bacana esse movimento das pessoas do asfalto voltarem a ir às favelas (graças às UPPs), mas espero que seja uma via de mão dupla. Que qualquer pessoa da favela se sinta à vontade para entrar aqui também, no lado chique da cidade.

ISTOÉ — O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) também promete transformar a vida em comunidades cariocas.


Regina — Eu torço para que o Rio tenha jogo de cintura, para não impor um padrão do asfalto ao morro. Igualdade burra é a pior coisa do mundo. É preciso que a cidade absorva a favela como um bairro, mas respeitando aquela história, o que as pessoas já produziram. Um exemplo é a informalidade. Não é fácil, mas não se pode querer organizar fechando tudo o que é informal.

ISTOÉ — Como fazer, então?

Regina — Quase tudo o que é produzido na favela é chamado de pirata, não só o CD ou o DVD copiados. É pirata porque é feito de maneira informal. E às vezes só é informal porque é absolutamente impossível de ser formalizado. Não é ser condescendente com os moradores, mas quem tinha que dar o seu jeito para viver estimulou uma criatividade com a qual precisamos aprender. Não é só ensinar o morador a preencher um formulário e se formalizar. Ter que ter jogo de cintura de ver que, se você fizer milhões de exigências, simplesmente aquilo não vai acontecer. Essa transição tem que ser suave.

ISTOÉ — Ficou satisfeita com o governo Lula? Quais são suas expectativas em relação a Dilma Rousseff?

Regina — Não que eu fique em cima do muro, mas um dos segredos de eu conseguir transitar é não explicitar minha opinião. O que eu sinto, as pessoas percebem, mas eu não digo assim, claramente. Eu vou a favelas de todas as facções. Eu não declaro voto, porque preciso poder transitar em todas as áreas. Para fazer a entrevista que eu fiz com o Lula (exibida no “Esquenta”) e estar na Globo, é muito importante que eu não me coloque abertamente. Eu quero poder circular dentro do governo e levar o máximo informações, mas quero também não estar fechada com o governo de forma que eu possa estar na favela sem ouvir todo mundo me dizer que o governo está uma droga e tal. É a chave do meu trabalho.                     

ISTOÉ — As pessoas pedem a sua ajuda?

Regina — Ninguém me pede um real, porque as pessoas sabem que eu não estou ali para ajudá-las. Não fui pegar coitadinhos, mostrar o lado ruim, dizer: “Olha como ele estava necessitado” e dar algo para ajudá-lo. Claro que quero participar da solução dos problemas daquela pessoa da maneira mais contundente possível, mas não posso supor que eu sou solução ou sou madrinha ou santinha ou vou lá pra dar esmola.

ISTOÉ — Mas as pessoas podem criar expectativas de que serão ajudadas de alguma forma, não?

Regina — Mas isso vai determinar se vou ficar amiga da pessoa ou não, tendo ela grana ou não. Como a mulher de um amigo meu que quer ser atriz da Globo e começa a ficar chata, forçando uma barra. Você vê que a pessoa está assim meio sacal. E tem isso nos outros níveis também.

ISTOÉ — Como é trabalhar com o marido? 

Regina — Estamos juntos desde 1996 e já trabalhamos muito juntos. Eu sou  impaciente, intolerante. Ele, não. Esse equilíbrio entre a minha animação e a visão mais tranquila dele foi muito importante para tudo o que a gente realizou. Outra coisa é a sorte. Arrumar um cara que, ao mesmo tempo, goste tanto de mato, de floresta, de samba e de favela quanto, só com sorte. Claro que eu me apaixonei porque ele gosta dessas coisas, mas eu precisei ter a sorte de encontrá-lo. Todo mundo tem essa ilusão de liberdade em relação ao amor.

ISTOÉ — Como assim? 

Regina — Se essa coisa de metade fosse verdade, todo mundo se apaixonava pelo porteiro, pelo lixeiro, né? Por que você se apaixona por pessoas da sua faculdade? Tudo isso está dentro de um cercadinho social pequeno. Se o amor fosse uma coisa imune a tudo isso. Quando acontece, dá até um filme, uma peça, um balé, de tão excepcional que é.


ISTOÉ — Você já disse que ficou muito mal na época do acidente de cavalo que quase deixou seu marido paraplégico, em 2008? Teve depressão?  

Regina — Não, só fiquei triste mesmo, graças a Deus. Era só o que me faltava. Já era tanta merda acontecendo de todos os lados que só faltava isso. Fora que eu sou um pouco refratária a remédios. Penso três dias para tomar um analgésico.

ISTOÉ — O que estava acontecendo?  

Regina — Todo mundo sabe da morte do meu pai (o diretor de TV Geraldo Casé, de câncer, em 2008) e do acidente do Estevão porque eles são conhecidos. Mas quando tudo isso aconteceu eu vinha de muitas perdas, Minha médica de anos, que por uma coincidência absurda tinha sido médica do Estevão também, morreu pouco antes do meu pai. E outras pessoas enfrentaram problemas graves. Sabe quando você vai tomando caldo atrás de caldo e não consegue sair da água? Três meses depois da morte do meu pai, eu Estevão fomos para o nosso sítio em Mangaratiba. Eu respirei, olhei para ele, ele olhou pra mim e falou: “Acabou um ciclo, eu acho. Agora vai ficar tudo bem”. E saiu com o cavalo. Meia hora depois, sofreu o acidente. Foi duro.

ISTOÉ — Você perdeu 13 quilos nos últimos doze meses…  

Regina — Nunca achei que fosse perder esse peso todo, porque já tentava emagrecer havia anos. Eu encontrei foi um jeito ficar mais magra, com uma desintoxicação semanal. Basicamente, só como vegetais durante uma semana por mês. Mas ainda quero perder mais cinco quilos, para poder relaxar e não ficar com neura de comer.

ISTOÉ — Há quem critique o seu estilo. Você gosta de moda?

Regina — Adoro. Mas não posso mudar para agradar uma dúzia de caras totalmente de quinta (categoria) que me criticam. Pessoas que entendem de moda, como a (jornalista) Erika Palomino, enchem minha bola.  Eu uso roupas de marca, de grifes que não são muito manjadas, mas que são legais e até mais caras do que outras mais conhecidas. Tem gente que diz que eu quero tirar onda de pobre. Eu, não! Moro no Leblon, numa rua chique, e uso roupas de marca. Qualquer pobre quer usar roupa chique, quer ouro.  Não quero andar mulambenta, pobrinha. Por mim eu teria dinheiro pra dar roupa de grife para todos os pobres.


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