Há alguns anos, ler tarô era reservado a poucos habilidosos na arte da interpretação das cartas. Hoje, o interesse pelo mundo simbólico e a fartura de baralhos autoexplicativos nas livrarias aproximou este tipo de conhecimento dos curiosos.

No Brasil, há mais de 500 tarôs, com manuais que ensinam aos principiantes as metodologias de leitura dos arcanos (as cartas) e sua simbologia. Como revelam os números, é um mercado em franca expansão. Na Livraria Cultura, as vendas de tarôs aumentaram 9% no primeiro semestre do ano, em relação ao mesmo período do ano passado. Apesar da tradição em livros científicos e jurídicos, a Livraria Saraiva comercializou em 2008 cerca de cinco mil unidades dos 23 tipos de tarôs do acervo.
 
Os baralhos representam 3% do total de produtos e 6% do faturamento da editora Pensamento-Cultrix, que, junto com a Editora Madras, lidera a venda neste segmento no Brasil. Segundo o diretor de marketing da Pensamento- Cultrix, José Vicente, em 2000, a editora dispunha de um catálogo com 11 tarôs.
 
“Neste ano, chegaremos ao recorde de 40”, diz ele. O surgimento de novos baralhos, com temáticas modernas e linguagem acessível, foi um dos fatores que impulsionaram este mercado. O mais tradicional é o tarô de Marselha – ou mitológico. O cigano e o egípcio também figuram entre os clássicos, e são populares entre quem está se iniciando no assunto porque proporcionam leitura clara e respostas rápidas. Entre os 14 baralhos do catálogo da Editora Madras, as cartas ciganas estão entre as mais procuradas, com três mil unidades vendidas desde janeiro, seguidas pelo tarô egípcio, com 2.850 unidades.
 
Outros tarôs temáticos pegam carona em bestsellers badalados, como os livros “O Código Da Vinci” e “Harry Potter”, e apresentam baralhos com imagens familiares ao grande público. Os arcanos são representados pelas grandes obras de Leonardo Da Vinci e pelos personagens da saga do bruxinho. Na temática literária, o tarô de Agatha Christie, de Edgar Allan Poe e de Jane Austen também apresentam os arcanos como os protagonistas das obras.
 
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LEITURA Daphne é autodidata
 
Os baralhos modernos se aproximam ainda do grande público pelo sincretismo religioso e mesclam a temática pagã com as figuras sagradas – o tarô bíblico aos familiarizados com a linguagem cristã; os orixás aos adeptos da umbanda e candomblé; e de Osho aos seguidores do budismo. A mensagem das cartas é reescrita a partir das escrituras ou das tradições religiosas.
 
O objetivo é uma interpretação rápida, com simbologia familiar e de fácil compreensão, que aborde os temas do cotidiano, como relacionamentos, carreira, saúde e dinheiro. “Tem gente que tira as cartas todos os dias antes de ir ao trabalho”, comenta José Vicente. De acordo com o tarólogo Nei Naiff, pioneiro na elaboração de livros de tarô didáticos, a leitura de cartas com o objetivo de autoconhecimento e pistas sobre o destino se popularizou na época do Renascimento, quando a sociedade passou a valorizar o indivíduo.
 
“Vivemos um momento parecido”, diz. Uma das obras que oferecem o tarô como um braço da psicologia é o livro “Jung e o Tarô” (Editora Cultrix), da psicóloga Sallie Nichols, aluna de Jung no Instituto de Zurique, na Suíça. A autora analisa cada carta do tarô de Marselha como uma representação das diferentes etapas da jornada do indivíduo rumo à autotransformação, como o desejo de mudança, momentos de conflito, relações interpessoais, conquistas materiais e períodos de isolamento.
 
“As cartas funcionam como símbolos do inconsciente ao identificar os arquétipos”, diz ela. “Estão para a psique como os instintos estão para o corpo.” Ou seja, não podemos vê-los, mas estão presentes nos sonhos, nas visões e nos devaneios, em que aparecem como imagens. Em busca de respostas para os seus conflitos, a analista de sistemas Ana Marques, 37 anos, começou a ler cartas aos 16 anos. O talento, associado à facilidade do acesso às diversas metodologias de leitura das cartas para autodidatas, a levou à profissionalização.
 
Ela estudou 18 tipos de tarôs e após testar as suas habilidades com as amigas, trocar figurinhas com grandes tarólogos e dedicar cinco anos ao estudo dos símbolos, conquistou uma clientela fiel. “Os manuais são incompletos, é preciso muito estudo para identificar as conexões entre as cartas”, diz ela.
 
“Os autores misturam simbolismos pessoais ao tarô e dificultam a vida de quem está aprendendo.” Cansada das frases prontas de tarólogos que ignoravam a técnica de leitura e reproduziam clichês como “você está em busca de respostas” ou “você tem inimigos ocultos”, a estudante Daphne Machado, 22 anos, decidiu estudar e passou a interpretar os símbolos por conta própria.
 
“Tem muita gente que inventa coisas porquenão sabe ler as cartas”, afirma. Segundo os especialistas, nem todos os tarôs podem ser levados a sério. “É preciso critério na escolha”, afirma Nei Naiff, ao considerar que a multiplicidade de temas pode fugir dos conceitos básicos dos arcanos. “O que não é o clássico, não é tarô. É oráculo”, diz. O seu livro “Curso Completo de Tarô” (Editora Nova Era), lançado em 2001, com mais de 23 mil exemplares vendidos, inaugurou a tendência de facilitar o acesso às cartas.
 
O livro ensina, por etapas, a interpretação dos símbolos e a conexão entre os arcanos. Ao contrário do que muitos pensam, não é necessária mediunidade para encontrar pistas sobre o destino.
 
“É uma questão de técnica aliada a uma intuição aguçada e espiritualidade desenvolvida”, afirma Naiff. Os especialistas afirmam que o tarô oferece uma possibilidade de interpretação e reflexão pelos temas, mas nem sempre faz uma grande revelação, como a descrição física das pessoas que aparecem na leitura, nome de cidades, data ou detalhes muito precisos.
 
“Para as grandes revelações é necessário um dom mediúnico”, diz. Ainda que por mera curiosidade, o mergulho nos arquétipos da simbologia dos arcanos é mais uma possibilidade de a pessoa refletir sobre a própria vida.
 
 
Mitológico
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Criado no séc. XV em Marselha, na França, baseia-se na cultura grega. Entre as 78 cartas estão os enamorados (amor), o louco
(desorientação) e a torre (confl itos)
 
 
Cigano
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As 36 cartas são diretas. Foi adaptado da cultura cigana em 1772 pela vidente Madame Lenormand. Apresenta símbolos como a âncora (segurança), o coração (amor) e a cigana (a mulher)
 
Egípcio
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Baseado no “Livro de Thot”, foi desenvolvido no século XVIII pelo matemático francês Jean François Alliette. Entre as cartas estão o deus Thot (o mago) e sentimentos ilustrados com temática egípcia
 
Leonardo a Vinci
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Lançado dois anos após o livro “O Código Da Vinci”, apresenta a Monalisa (liderança), o Homem Vitruviano (sucesso) e a Santa Ceia (refl exão)
 
Osho
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As cartas seguem a jornada espiritual do homem, da infância à maturidade. Tratam de temas como consciência, voz interior, criatividade, rebeldia, amor e sofrimento
 
Wicca
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Apresenta os personagens do mundo mágico, como a bruxa (feminilidade), o sacerdote (sabedoria) e a celebração de vassouras (festa)
 
Orixás
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Os deuses africanos são análogos às características e confl itos humanos. Yemanjá é a maternidade; Oxalá, a sabedoria; e Oxum, a beleza
 
Bíblico
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Associa o tarô às profecias bíblicas. Os arcanos são os personagens do Evangelho, como São Pedro (prudência), Josué liderança) e Jesus (a completude)