Numa cena que lembrava um dia de conclave em Roma, centenas de jornalistas e curiosos se aglomeravam na noite do domingo 9 em Berlim, em frente a uma das entradas laterais do Bundenstag (Parlamento federal), à espera de um nome. Ali, três semanas depois das eleições federais, os cardeais da política alemã se reuniriam em mais um encontro fechado, tentando finalmente chegar a um acordo sobre quem seria o próximo chanceler (premiê) do país. O anúncio aconteceu na manhã da segunda-feira 10: a democrata-cristã Angela Merkel, 51 anos, líder da união conservadora CDU-CSU, deverá chefiar uma grande coalizão com o Partido Social-Democrata (SPD) e se tornar a primeira mulher chanceler do país. Quinze anos depois da queda do Muro de Berlim, ela também será a primeira pessoa vinda da antiga Alemanha Oriental a ocupar o mais alto cargo político na Alemanha reunificada.

O acordo demorou, pois a CDU/CSU, liderada por Merkel, e o SPD, chefiado pelo atual chanceler, Gerhard Schröder, saíram do último pleito praticamente empatados e, ao mesmo tempo, sem maioria no Parlamento. diante de uma esquerda rivalizada e dividida, uma grande coalizão entre CDU/CSU e SPD apareceu desde o início como a mais provável solução para o impasse. Mas Schröder demorou para se convencer a ceder a liderança a Merkel, cujo partido teve uma vantagem ínfima – quatro cadeiras sobre o SPD – no Parlamento.

Num discurso emocionado, o atual chanceler anunciou, na quarta-feira 12, que não integraria o novo governo. Com isso, acabará em breve a “era Schröder”, o terceiro chanceler social-democrata e o primeiro a governar a Alemanha, durante sete anos, com uma coalizão de centro-esquerda, entre o SPD e os Verdes. O SPD estará agora só nas mãos de seu presidente, Franz Müntefering, provavelmente o vice-chanceler de Merkel no futuro governo.

O novo Parlamento deverá eleger Angela Dorothea Merkel chanceler no próximo mês. Será o auge de uma carreira fulminante desta política nascida em Hamburgo, mas criada em Templim, na antiga Alemanha Oriental. Filha de um pastor protestante, Merkel estudou física em Leipzig e entrou para a política só depois de terminar seu doutorado, após a queda do Muro de Berlim, em 1989. Protegida do então chanceler Helmuth Kohl, Merkel chefiou dois ministérios nos anos 90. Tornou-se presidente da CDU em 2002, o que foi uma sensação: uma mulher casada pela segunda vez (seu sobrenome é do primeiro marido), sem filhos, passaria a dirigir um partido conservador totalmente dominado por homens.

Merkel precisa agora convencer os eleitores. Pouco carismática, ela ainda não conquistou os alemães, nem mesmo os do lado oriental, que nesse último pleito deram uma enxurrada de votos para os partidos de esquerda. “Merkel não consegue expressar suas emoções, o que explica a dificuldade das pessoas de se identificarem com ela”, disse a ISTOÉ Gerd Langguth, cientista político da Universidade de Bonn e autor de uma biografia sobre a futura chanceler.

Além disso, outras dúvidas sobre a nova coalizão pairam no ar: conseguirão CDU/CSU e SPD deixar de lado as divergências de campanha para tocar um programa de governo capaz de resolver os maiores problemas do país, como aumento do desemprego e do déficit público? Conseguirá uma grande coalizão manter a disciplina necessária para governar a Alemanha por quatro anos? Terá Merkel autoridade suficiente para se impor em frente a um Ministério dominado por social-democratas? Em outras palavras: esse casamento vai durar?

A CDU/CSU teve que pagar um alto preço para colocar Merkel na chancelaria. O SPD ficou com os mais importantes ministérios, entre eles os das Relações Exteriores, Finanças, Justiça e Trabalho. Além da chancelaria, os democrata-cristãos ficaram com a presidência do Parlamento e mais seis ministérios. Dividindo o poder de igual para igual com os social-democratas, Merkel dificilmente conseguirá emplacar no governo pontos-chave de sua campanha, como o aumento do imposto sobre o valor agregado e a flexibilização do mercado de trabalho.

Especialistas políticos e econômicos divergem sobre as chances desta que será a segunda grande coalizão a governar a Alemanha – a primeira foi nos anos 60. Alguns a vêem como uma espécie de consenso para fazer o país sair do estado de paralisia econômica. Para outros, porém, serão tantos os conflitos entre os dois maiores parceiros, que ela emperrará ainda mais o processo de reformas, correndo o risco de acabar antes da hora.