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Uma chacina ocorrida no centro de São Paulo em 1938 é o ponto de partida de O crime do restaurante chinês – carnaval, futebol e justiça na São Paulo dos anos 30 (Companhia das Letras, 247 págs., R$ 45), de autoria do historiador e cientista político Boris Fausto.

Nesse novo livro, ele recorre às lembranças da infância (tinha oito anos na data do crime que escandalizou o País e dá título ao seu livro) e as complementa com informações factuais pesquisadas em arquivos de jornais e depoimento de testemunhas no processo.

Os assassinatos em questão aconteceram num pequeno restaurante localizado na rua Wenceslau Brás, no centro de São Paulo. Era a madrugada da Quarta-Feira de Cinzas, 2 de março de 1938. O agressor entrou no estabelecimento e matou com golpes de pilão dois funcionários que dormiam, depois assassinou os chineses Ho-Fung, dono do restaurante, e sua esposa, Maria Aukiau Fung.

Fausto buscou algum tipo de explicação para uma cena sinistra sobre esse mesmo caso que jamais se apagou de sua memória: a notícia de que após os assassinatos uma garotinha engatinhava sobre o sangue e balbuciava, antes de morrer: "Peto! Peto!" Não há nenhum registro oficial de que uma criança tivesse sido morta no local, mas a onda de preconceito racial que se espalhou pela ciddade prejulgou Arias de Oliveira, que era negro, pobre e desempregado.

O preconceito foi o responsável pelo surgimento desse boato que se enraizou no imaginário popular (na época, os afroamericanos eram chamados de pretos). Em respeito à sua memória e por fidelidade aos fatos, Fausto reproduz no ritmo de um bom romance policial o julgamento do suspeito, a reação do público e da mídia e as linhas psiquiátricas que avaliaram o acusado.

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A linha positivista queria traçar o perfil psicológico do agressor através de testes, como o de Roscharch. De outro lado, essa linha era combatida por profissionais de medicina legal da Universidade de São Paulo, que a considerava subjetiva (não incluiu nos autos, por exemplo, as impressões digitais deixadas no local do crime). O caso foi ofuscado pela Copa do Mundo de 1938. Voltou às manchetes em 1942, durante o júri popular, e aí Arias se beneficiou de sua semelhança física com o jogador Leônidas da Silva, o "Diamante Negro", que era o craque do momento.

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O então jovem advogado Paulo Lauro, que assumira a sua defesa, conseguiu a sua absolvição. A opinião pública favorável colaborou para a vitória obtida pelo advogado, o qual ganhou tamanha notoriedade que se elegeu prefeito de São Paulo em 1947 – e entrou para a história como o primeiro afro-americano a assumir o cargo na capital paulista. Para o historiador, do ponto de vista sociológico, as chacinas de outrora não são tão diferentes das de hoje: "A principal discrepância entre o passado e o presente se encontra na banalização atual desses crimes bárbaros provocada pela multiplicação dos casos."

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O INOCENTE O paulista Arias de Oliveira (na foto acima, à esq.) foi absolvido da acusação de ser o assassino dos chineses Ho e Maria Fung (à dir.)


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