img.jpg

A ideia de que nosso planeta poderia abrigar civilizações subterrâneas instiga a humanidade há milhares de anos. Dos filósofos gregos da Antiguidade a Júlio Verne no século XIX, os homens sempre imaginaram como seria uma metrópole embaixo da terra, com suas ruas, casas e habitantes imersos na escuridão. Agora, um projeto de arquitetura da Rússia promete trazer essa fantasia para a vida real, porém com muito mais conforto e luminosidade. No leste da Sibéria, uma antiga mina de diamantes abrigará a Eco-City 2020, uma cidade totalmente subterrânea e sustentável. Com cerca de 518 metros de profundidade e um quilômetro de diâmetro, o centro urbano será um verdadeiro oásis em meio à gélida paisagem russa, com direito a iluminação solar natural, clima ameno e até uma floresta vertical.

A iniciativa de construir esse mundo sob o solo partiu do escritório de engenharia e arquitetura Ab Elis, de Moscou. “Queríamos apresentar uma alternativa moderna para recuperar uma área devastada e sem utilidade como a mina de Mirniy”, disse à ISTOÉ Nikolay Lyutomskiy, autor do projeto. O local, que nos anos 1960 chegou a produzir dois mil quilos de diamante por ano, está abandonado desde 2001. Trata-se da segunda maior mina já escavada pelo homem, perdendo apenas para a Bingham Canyon Mine, em Utah, nos Estados Unidos. Com uma área de aproximadamente dois milhões de metros quadrados e custo estimado de US$ 3 bilhões, a futura cidade terá capacidade para abrigar até 100 mil pessoas, em residências divididas em três andares ao redor de um grande núcleo.

 

img2.jpg
REVITALIZAÇÃO
Projeto da cidade futurista (acima) e a visão atual
da mina abandonada (à dir.

Além das residências, o plano prevê também pequenas plantações, uma floresta e espaços de lazer e convivência. A luz solar necessária para garantir a vida desses ecossistemas e seus habitantes será mantida por uma imensa redoma de vidro no teto da cidade. Nela serão instaladas células capazes de captar a energia do sol, que depois servirá de combustível para toda a urbe. E não é apenas na geração de energia que o projeto afirma seu caráter ecologicamente responsável. Tudo o que for produzido ali terá como destino a reciclagem. “Queremos que os moradores da futura Eco-City 2020 tenham a maior qualidade de vida possível”, disse Lyutomskiy. “E acreditamos que esses atrativos poderão trazer muitos visitantes para a região.”

Foi pensando exatamente no aumento do número de turistas que outra cidade subterrânea foi construída. Embaixo das ruas de Montreal, no Canadá, um complexo com dezenas de restaurantes e lojas populares atrai mais de 100 mil curiosos por dia. Em seus três andares e 32 quilômetros de amplos corredores, viajantes se misturam aos moradores locais, que aproveitam o conforto e a facilidade da passagem coberta para chegar ao metrô, trabalho ou faculdade, especialmente nos dias mais frios. “Áreas habitáveis no subsolo são uma escolha viável para locais com condições climáticas extremas, seja de frio, seja de calor”, afirma Anália Amorim, arquiteta e urbanista presidente da Escola da Cidade, em São Paulo. “Isso faz da Eco-City 2020 uma iniciativa muito bem-vinda na Sibéria, já que lá a temperatura no inverno atinge até – 40ºC.”

img1.jpg
CONSUMO
Em Montreal, shopping subterrâneo atrai muitos visitantes 
 

Na visão do arquiteto Enio Moro, coordenador do curso de pós-graduação em arquitetura, cidade e sustentabilidade do Centro Universitário Belas Artes, em São Paulo, o projeto da cidade subterrânea é uma boa opção para revitalizar regiões degradadas. No entanto, apresenta um ponto fraco. “A redoma de vidro vai na contramão do que é aplicado na engenharia hoje. Ela isola a população, que viverá numa espécie de nave espacial”, diz. Segundo o professor, o conceito lembra as experimentações da arquitetura utopista, que durante os séculos XVIII e XIX gerou o conceito de cidade-jardim, geograficamente isolada e autossuficiente. “Com o tempo, porém, provou-se que esse ideal não se sustentava. Por isso acredito que a Eco-City 2020 não terá vida longa.”

A mesma ideia é partilhada pelo médico Antonio Luiz Caldas Júnior, professor de saúde pública da faculdade de medicina da Universidade Estadual Paulista. Ele reforça que viver em um ambiente controlado pode causar prejuízos para a saúde humana. “A climatização artificial facilita a proliferação de microorganismos, responsáveis por doenças respiratórias como bronquite e pneumonia”, diz Caldas Júnior. “Além disso, o confinamento prolongado leva a alterações de comportamento, como estresse e síndrome do pânico.” Distúrbios psicológicos dos quais habitantes de tumultuadas e quentes metrópoles sobre a terra também não estão imunes.

img3.jpg