04/02/2011 - 21:00
Este mês, o embaixador americano Thomas Shannon completa um ano no posto. Um período marcado por embates ideológicos, mas também pela assinatura de vários acordos importantes. “Discordamos em relação ao Irã, mas firmamos uma cooperação na Defesa e estamos negociando uma parceria para a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016”, afirma Shannon. Com português fluente, o ex-subsecretário de Estado para as Américas fala da expectativa sobre a visita de Barack Obama ao Brasil, em março, que terá um forte simbolismo. Nos últimos despachos que enviou a Washington, Shannon ressaltou que o Brasil mudou de patamar e que os EUA devem tratá-lo a partir de agora de igual para igual. “O Brasil hoje ocupa uma posição global. Por isso teremos que trabalhar de maneira diferente”, afirma. Para destravar a pauta de investimentos, o diplomata aposta no pragmatismo da nova gestão. “A presidente Dilma e o chanceler Antonio Patriota são deal makers” (objetivos), comemora. Apaixonado pela música popular brasileira, o embaixador americano vai cair na folia antes da chegada de Obama. “Este ano começo pelo Carnaval de Salvador, mas depois passo no Rio para ver o desfile”, diz, sem revelar qual sua escola de samba do coração.
“A decisão do presidente Obama de visitar o Brasil
demonstra seu respeito pela presidente
Dilma Rousseff e pelo País"
O Brasil é uma força estabilizadora,
mas nossa relação com Cuba e a Venezuela de Chávez
depende de nós, não de outros países”
A decisão do presidente Obama de visitar o Brasil demonstra seu respeito pela presidente Dilma Rousseff e pelo Brasil. Esse encontro histórico entre a primeira mulher presidente do Brasil e o primeiro presidente afro-americano dos Estados Unidos vai enfatizar o dinamismo de nossas democracias e a crescente abertura de nossas sociedades. Servirá também para mostrar nossos interesses e valores compartilhados e criar uma oportunidade para formarmos uma parceria para o século XXI.
Que temas serão discutidos?
Será a primeira reunião entre o presidente Obama e a presidente Dilma. Eles já tiveram outros encontros, mas quando ela era ministra. Será uma oportunidade-chave para definir o tom e o rumo da relação bilateral. Mas é cedo para identificarmos todos os temas que serão abordados, pois ainda temos que trabalhar nisso com a Presidência e o Itamaraty. O certo é que poucas coisas ficarão de fora.
Comenta-se que o presidente Lula manteve uma relação muito boa com Bush, mas não com Obama. O que houve?
Não vejo esse distanciamento que falam. Houve uma divergência em relação ao Irã, mas não tem a ver com as personalidades dos presidentes. A maneira como líderes desenvolvem suas relações pessoais tem impacto na capacidade de comunicação bilateral, mas não afeta os interesses de dois países.
O Irã então foi um divisor de águas?
Foi a maior divergência que ocorreu, mas acho que até certo ponto já está superada. O importante neste momento é termos uma visão de futuro da relação, da capacidade de se construir uma estrutura de diálogo que promova uma troca de experiências, de pontos de vista, que abra mais espaço para a cooperação. O momento é positivo, mas é importante entender que nossas relações não são estáticas. O Brasil é um país em transformação, interna, externa, nos âmbitos político, econômico e social. O mundo também é dinâmico.
No caso do Irã, o presidente Lula disse que foi vítima de uma incompreensão americana, pois estava fazendo de tudo para que o Irã aceitasse os apelos da comunidade internacional. Faltou diálogo?
O problema para nós não foi a negociação. O acordo até certo ponto era válido, porque mostrou o que o Irã era capaz de fazer para evitar as sanções. O problema foi a votação no Conselho de Segurança.
O sr. acha que no governo dos EUA e no Congresso ainda há um certo desconhecimento sobre o novo patamar que o Brasil passou a ocupar no cenário internacional?
Sim. Mas o mundo a cada dia está entendendo melhor que o Brasil já emergiu como um poder, que será um país cada vez mais importante e mais relevante no cenário internacional. Os Estados Unidos, a partir de agora, precisam tratar o Brasil de igual pra igual.
E, como embaixador no Brasil, o que o sr. tem sugerido a seu governo?
Tenho dito que o futuro das relações entre o Brasil e os EUA é global. Ou seja, os temas mais importantes no futuro não serão unicamente bilaterais, mas globais. Regiões como África, Oriente Médio e Ásia. Temas como não proliferação nuclear, segurança alimentar e energética. Porque o Brasil está ocupando uma posição global, teremos que trabalhar de maneira diferente. E ter claro que os motores de nossas relações serão nossas sociedades, que cada vez mais exigem dos governos medidas que facilitem essa aproximação.
De que maneira exatamente Brasil e EUA podem atuar conjuntamente?
Temos que mostrar que as maiores democracias do Hemisfério Ocidental têm capacidade para enfrentar juntas os problemas sociais, como a desigualdade e a exclusão social. Unir nossas forças para procurar soluções globais para problemas globais.
Essa cooperação poderia incluir Cuba?
Hoje não… Depende de Cuba, do que está ocorrendo lá. É impossível dizer o que vai acontecer no futuro próximo. É preciso entender que o problema de Cuba não é um problema dos Estados Unidos ou de um lobby dentro dos EUA, mas é um problema dentro de Cuba.
E as relações com Hugo Chávez? Como os EUA enxergam essa proximidade entre o governo brasileiro e o venezuelano?
O Brasil tem interesses na América do Sul, expressados pela Unasul, pelo Mercosul, pelo intento de melhorar a integração econômica da América do Sul, o que é importante para a região. São ambições compartilhadas por todos os países sul-americanos. E, do nosso ponto de vista, isso é positivo. Ou seja, vemos a união na América do Sul da mesma maneira como vemos a união na Europa. Essa união melhora as possibilidades de prosperidade, de paz, de cooperação entre os países. Nesse sentido, é importante que a Venezuela faça parte desse projeto de uma maneira ou outra. Definir esse papel realmente depende dos países da América do Sul, e não dos Estados Unidos.
O Brasil pode servir de mediador dos EUA com esses países?
O Brasil, por ser uma economia grande, um país grande, com capacidade de fazer investimentos e construir relações com os governos, as sociedades e a iniciativa privada, acaba tendo um papel estabilizador na região. Isso ajuda muito. Mas nossa relação com Cuba ou com a Venezuela depende de nós, não de outros países.
Recentemente, o presidente Obama expressou apoio à entrada da Índia no Conselho de Segurança da ONU. Ele poderia fazer gesto semelhante em relação ao Brasil?
Vou deixar essa resposta para o presidente Obama. Mas ressalto que, segundo ele, uma reforma da ONU deve levar em conta os representantes da América Latina e da África. O problema da reforma hoje não se restringe apenas aos países que o presidente americano identifica como possíveis candidatos, por que é uma negociação bem difícil e há interesses complexos. É preciso determinar quem vai representar a Europa, a Ásia e esses outros continentes. Todo mundo concorda que a composição atual ficou ultrapassada. Mas é preciso ter em conta que os países que são membros do Conselho de Segurança ainda são importantes. Ou seja, o conselho representa algo importante, mas não tudo o que é importante.
A propósito, a Alca é assunto definitivamente enterrado?
A Alca sim, o comércio não. Acho que uma área a respeito da qual os dois países têm que falar de uma maneira séria é o comércio. Porque hoje temos um comércio bilateral de US$ 50 bilhões, que é significativo, mas não representa toda a potencialidade que existe. Brasil e EUA têm de procurar uma maneira de promover investimento e comércio entre os dois países, porque temos economias que têm muitas complementaridades e há muito a fazer na área de infraestrutura, energia, aviação civil, telecomunicações, na área agrícola.
O sr. acha que existe desconfiança com os compromissos americanos? Isso parece ter ficado evidente na questão das bases na Colômbia e sobre o domínio do Atlântico Sul.
Acho que a única maneira de enfrentarmos mal-entendidos é pelo diálogo. É falar, falar e falar… Em qualquer relação entre pessoas ou entre países haverá momentos difíceis. Mas a qualidade e o valor de uma relação se medem na capacidade de se entender os pontos difíceis e promover uma solução. Nos dois casos nossa capacidade de conversar abriu espaço para uma solução.
Em fevereiro o sr. cumpre um ano no posto. Que balanço faz desse período?
Foi um ano de muito movimento, com o fim de uma das presidências mais importantes da história do Brasil. E que marcou de maneira sumamente positiva as relações entre o Brasil e os EUA. Às vezes esquecemos os aspectos positivos e duradouros dessa relação que mostram a capacidade de os dois países trabalharem juntos. As pessoas ficam discutindo se o governo brasileiro é antiamericano ou se os EUA são ideológicos. Mas, enquanto isso, assinamos um acordo atrás do outro.
Trata-se de uma relação pragmática, então?
Penso que sim. Vejo no Brasil um “deal maker”, como os EUA. Tanto a presidente Dilma como o chanceler Antonio Patriota são “deal makers”, pragmáticos e têm suficiente conhecimento para entender nossas excentricidades e idiossincrasias.