Com a conquista da credibilidade da escrita, a memória – ferramenta de sobrevivência para os povos primitivos e de poder para os civilizados – passou a ser dominada pelo Estado e por instituições como a Igreja Católica, que organizou arquivos, registros, monumentos e calendários. São estes preciosos exemplos de documentos que estão reunidos na mostra A escrita da memória, que será inaugurada na quarta-feira 7, no Instituto Cultural Banco Santos, em São Paulo. No total, são 500 peças vindas da Cid Collection, cedidas em regime de comodato, mas que, segundo Leandro Karmal, diretor do departamento de história da Unicamp e curador da exposição, não podem ser confundidas com uma espécie de compêndio da evolução da escrita. Na história tradicional, enfatizava-se que o documento escrito era a única fonte possível de memória. Com o tempo, ampliou-se o conceito, que hoje se estende tanto a lápides quanto a prosaicas receitas culinárias. Na exposição, há peças datadas de até sete mil anos atrás.

Valendo-se do espaço privilegiado – dois salões contíguos ligados por um mezanino que permite uma vista aérea –, a cenografia criada por Marcelo Dantas divide-se em três módulos inspirados nas formas recorrentes em todos os tipos de escrita. São eles: Berços da escrita, referência à Mesopotâmia, ao Egito, China, Vale do Indo e América; Arte e ciência, que confronta fotos e documentos de cientistas como Thomas Edson e Madame Curie, e de músicos e artistas do porte de Richard Wagner e Pablo Picasso; e Poder e cotidiano, que exibe
tanto documentos oficiais de relações de compra e venda de escravos quanto manuscritos do cotidiano. Num lounge de leitura especial, o visitante pode ainda
ler a íntegra dos manuscritos ou se orientar com um mapa interativo que funciona
ao toque dos dedos.

Os objetos expostos chegam a provocar arrepios, principalmente no primeiro módulo, no qual repousa uma pedra encontrada no Saara com uma imagem
pré-histórica de pássaros. Lá, contemplam-se lápides maias e egípcias, um exemplar da Bíblia impressa por Gutenberg no século XV, exemplares das
primeiras máquinas de escrever surgidas no século XIX e as mais estranhas escritas, como uma executada toda em nós feitos em cordões pelos índios americanos. A mostra se encerra com a imagem holográfica de dois objetos semelhantes, cuja confecção é separada por milênios: um tablete de argila com escrita cuneiforme, gravada com o auxílio do cálamo – o ancestral da caneta esferográfica, utilizada pelos povos das margens dos rios Tigre e Eufrates – e um computador de mão com sua caneta eletrônica, ferramenta obrigatória do homem moderno. Mais curioso é que, além de parecidos fisicamente, a concepção de ambos é baseada no mesmo sistema binário.