Na madrugada do dia 25 de janeiro passado, o fotógrafo Fernando Bueno acampou com seus equipamentos no terraço do edifício-sede da Nossa Caixa, no centro de São Paulo, para fazer um ensaio muito especial. A escolha de um posto de observação tão privilegiado tinha como objetivo registrar a cidade durante 24 horas no dia da comemoração dos seus 450 anos. O resultado dos vários cliques feitos por ele integra as 440 imagens que compõem o livro São Paulo 450 anos em 24 horas (Buenas Idéias, 200 págs., distribuição para escolas e instituições), que será lançado com uma exposição de 94 fotos na quarta-feira 7, em São Paulo. Não foi só Fernando Bueno que documentou a capital paulista naquele domingo. Em pontos variados, outros 44 fotógrafos, entre os melhores em atividade – Juan Esteves, Klaus Mitteldorf, Walter Firmo, Pedro Martinelli e Evandro Teixeira são alguns deles –, esquadrinharam a cidade nos seus mais variados ângulos e aspectos. Do vendedor de frutas corintiano, flagrado em fulgor pictórico por Rogério Reis, aos soldados da Rota desfocados pela visão crítica de Claudio Edinger, o que se vê é um painel vibrante, que casa estilos e assuntos como convém a uma cidade em constante movimento e transformação.

Dono da idéia, o escritor e jornalista Eduardo Bueno – autor do texto do livro e curador do projeto com o professor Rubens Fernandes Jr. – explica que o objetivo era mostrar a metrópole como um organismo vivo. Criou, assim, 45 pautas ou temas que foram sorteados entre os nomes selecionados pelo irmão, Fernando Bueno, coordenador-geral. Metade dos assuntos refere-se à história paulistana e seus marcos, que são agora revisitados num salto tão grande quanto a vertiginosa mutação de aldeia de mestiços e mamelucos para megalópole tentacular. O ponto de partida é o Pátio do Colégio, registrado em austero preto-e-branco por Ruy Varella. Numa fusão de passado e presente, são evocados nas páginas seguintes traços indígenas e bandeirantes, o fausto da cafeicultura e o apito das fábricas, entre outros momentos históricos testemunhados por monumentos, construções tombadas e galpões desativados.

Referências – No ensaio sobre o bairro da Liberdade, enclave da cultura japonesa, Marlene Bergamo recria uma cena que parece saída do filme Blade runner – o caçador de andróides. “Essa primeira parte, que também traz referências geográficas importantes ao desenvolvimento da cidade, como os rios Tietê, Pinheiros e Tamanduateí, é fundamentalmente apoiada na história”, explica Eduardo. Para fechar o bloco, o assunto escolhido foi o elevado Costa e Silva, o Minhocão, resquício do “urbanismo” da ditadura, documentado por Hélio Campos Mello, diretor de redação de ISTOÉ. Contrapondo escalas, ele mostra um atleta que se revela liliputiano diante da imagem de uma mulher.

Mais antropológica, segundo Fernando, a outra metade do livro mergulha no cotidiano da capital, focando desde a movimentação das maternidades – por hora, nascem 50 crianças na cidade, diz o texto – até o silêncio dos cemitérios, passando por todas as manifestações de vida, como se divertir, comer, orar, amar, torcer. Os fotógrafos souberam de suas pautas apenas um dia antes de sair a campo e só tiveram o sábado para pesquisar as locações. Se quisessem, podiam trocar de tema. Foi o que aconteceu com Miro. Brindado com a pauta “São Paulo vista do ar”, ele suou frio, porque tem horror a avião. Ao todo, foram entregues 25 mil fotos aos curadores, que baixaram o número para 1.500 numa primeira seleção. A diretora de arte Ana Adams se encarregou de dar uma coerência às 440 imagens finais. “Busquei contar uma história tendo como critério a qualidade e o movimento das fotos”, explica. Para a última página, ela escolheu o clique de Antonio Hamdan, que mostra uma mesa de boteco com um chope e dois pastéis. Ou seria um “chops e dois pastel”?