O traço e o estilo de Oscar Niemeyer cruzaram a Baía de Guanabara para transformar a cidade de Niterói. Esparramado por dez quilômetros à beira-mar, o Caminho Niemeyer, conjunto arquitetônico de dez construções por ele projetadas, tornará a antiga capital do Estado do Rio na segunda cidade do mundo com o maior volume de obras do arquiteto, superada apenas por Brasília. As curvas ousadas que o consagraram no mundo impressionam especialmente nas maquetes do Templo Batista e da Catedral Católica, uma cúpula suspensa para não tirar a vista da cidade do Rio. O complexo conta ainda com uma capela para abrigar a imagem de Nossa Senhora do Líbano, a Fundação Oscar Niemeyer – em fantástica forma de caracol –, a estação hidroviária, a praça Juscelino Kubitschek, o Centro de Memória Roberto Silveira, o Centro Petrobras de Cinema, o Museu de Arte Contemporânea e o Teatro Popular, inaugurado na semana passada com um show do ministro Gilberto Gil.

Ainda não é oficial, mas a Embratur faz gestões na Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) para que o corredor arquitetônico seja tombado e transformado em patrimônio histórico da humanidade. Em caso afirmativo, Niterói será a 18ª cidade-monumento tombada no País. O prefeito Godofredo Pinto (PT) não se mostra ansioso. “Com ou sem o tombamento oficial, já é um patrimônio da História”, orgulha-se. Ele está tão animado com o potencial turístico do corredor arquitetônico – iniciado na gestão do antecessor, Jorge Roberto Silveira (PDT) – que já acrescentou mais uma décima primeira peça ao projeto original: um oceanário. O consagrado arquiteto topou e sonha com um aquário gigante em forma de molusco. É da janela do seu escritório, num edifício antigo da praia de Copacabana, que Niemeyer desenha, olhando a distância a silhueta de Niterói. Duas outras obras já entraram na fila do Caminho Niemeyer: um centro de convenções e uma concha acústica. Os desenhos ainda não estão prontos, mas dificilmente seguirão um ângulo reto. Ele abandonou as linhas em favor das curvas há muitas décadas. “O que me atraí é a curva livre e sensual”, afirma.

Sagitariano que não recusa trabalho, Niemeyer é mestre em transformar a labuta em serenidade. “Aprecio uma arquitetura leve e vazada. Tão diferente que os visitantes não possam dizer que viram antes coisa parecida. Melhor, pode ser, mas nunca igual”, divaga. Ele costuma repetir que “a vida é mais importante do que a arquitetura”, mas seu cotidiano indica o contrário. “Basta ele se apaixonar pelo tema que aceita logo o projeto”, atesta José Carlos Sussekind, engenheiro calculista preferido do arquiteto, que faz das tripas coração para transformar as curvas para lá de criativas em cálculos e concreto armado. Há décadas trabalham juntos e é Sussekind quem o acompanha em viagens pelo Brasil e ao Exterior. Com mais de 500 projetos assinados no mundo, Niemeyer começou a esboçar o Caminho que leva seu nome ainda no começo dos anos 1990, ao projetar o Museu de Arte Contemporânea (MAC), que os cariocas chamam de disco voador, denunciando a ponta de inveja. O MAC reduziu a força da piada segundo a qual o que há de melhor em Niterói é a vista do Rio.

A maior atração do museu é a ousadia de suas linhas, marca registrada de Niemeyer. Um estilo que ainda surpreende e se renova. O prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, ficou atônito quando viu, há poucos dias, o esboço do futuro Museu da Pampulha. Niemeyer simplesmente ignorou o terreno onde a prefeitura pretendia construir o museu e o projetou dentro da Lagoa da Pampulha. “O prefeito levou o maior susto quando chegou aqui e viu a nova maquete”, ri Niemeyer. Apesar do sucesso internacional de seus traços, o arquiteto deixa evidente que sua maior paixão não é a arquitetura, mas o Partido Comunista Brasileiro. Não dá uma entrevista sequer sem encontrar brechas para tecer loas à utopia marxista. “Continuo acreditando na revolução.” O andar da carruagem das ideologias pode frustrar esse carioca de 96 anos, mas na arquitetura ele pode ter uma certeza absoluta: já promoveu a revolução.