Caro Sr. Mohamed, A história da humanidade já passou por muitas eras. Desde os tempos primitivos até os tecnológicos dias atuais, a alimentação sempre foi assunto vital. Tudo o mais que envolve a existência humana é secundário ao fato de as pessoas necessitarem se alimentar. A cultura, a educação, a filosofia, a arte e mesmo a saúde são atributos posteriores à prioridade de comer. Talvez por
isso haja tantas formas de pensar sobre o assunto – e consequentemente tantas formas de comer.

Defendo a minha. Há mais de 20 anos que não como carne. Várias razões me moveram a isso. Razões estritamente pessoais, como o fato de me sentir mais saudável após abolir a carne do meu cardápio, e outras de natureza filosófica (e mesmo estética), como ser contrária ao sacrifício de animais para o nosso desfrute alimentar, bem como aos perversos modos de abatê-los.

Foi assim que me converti a uma alimentação baseada em grãos, legumes e verduras. Desde então minha vida se transformou, sinto-me leve e disposta. E também mais de acordo com os princípios da Natureza, com a ideia primordial de harmonia cósmica e, porque creio, com Deus.

Trabalho para que o homem evolua na sua forma de pensar a alimentação e, naturalmente, de se alimentar. Não vivemos mais no tempo de Isaac, em que animais precisavam ser abatidos para conter a ira divina. Nem há escassez de recursos naturais no mundo que justifique a não inclusão de vegetais à nossa ração diária. A natureza é pródiga e o homem tem capacidade de produzir vegetais que abasteçam a população mundial. Torço para que os homens acabem com a matança de seres inocentes cuja vida merece outro destino.

Jane Lettuce (presidente da Ordem Vegetariana Mórmon “Radicais e Livres”)

Prezada Sra. Jane,
Posso entender a necessidade de um humano se alimentar de repolhos, acelgas e vagens, o que não suporto é ter que ouvir suas abobrinhas. Dizer, por exemplo, que o abate do boi é “desumano” é de uma boçalidade bovina, uma vez que o boi nunca foi homem. Além do que, o boi é um bicho besta, quase uma mula de tão besta. Passa o dia pastando (não é à toa que a expressão “vai pastar” tornou-se insulto feroz) e ruminando e engordando. Só poderia ter mesmo essa serventia na vida: nos dar leite e carne. Aliás, é o que confere alguma razão e nobreza à sua existência, do contrário sua vida seria um grande desperdício. Até concordo que o abate poderia ser mais brando, mas aí já é outra conversa.

“Filósofos” vegan argumentam que a diferença entre comer animais e plantas está no fato de que os bichos têm “vida psicológica”, ao passo que os vegetais não. Ora, que papo é esse? Será que teremos, daqui por diante, profissões tais como psicólogos para bois e vacas? “Psicoterapia lacaniana para novilhos traumatizados à véspera do abate”?… E que compaixão toda é essa por um animal cujo destino bíblico parece ser nos alimentar e só? Será que nutrem a mesma solidariedade por seus irmãos humanos, desamparados e famintos que se avolumam por aí? Considero isso um desvio, conversa pra boi dormir. Além do mais, está provado por A + B que nossa dentição pede carne, que nosso organismo tem necessidade de proteína animal e que, não raro, comedores de algas tornam-se anêmicos.

Sei que uma boa salada de folhas após a carne facilita – e muito – a digestão (eventualmente ajuda a diluir a culpa também). Mas nenhum argumento me convencerá do contrário. Lugar de boi é na mesa, bem ou malpassado, e sua serventia é nosso pasto. Isso para mim são favas contadas.

Mohamed Al Catra (churrasqueiro de Cabul e sócio-fundador da costelaria“Entrecôte de Adão”)