Em busca da reeleição, prefeita deSão Paulo enfrenta dívida explosivae luta contra o próprio temperamentopara mudar imagem

O pavio curto da prefeita Marta Suplicy (PT), de São Paulo, custa os olhos azuis da cara. Ela bate-boca com cidadãos e com jornalistas. Não mede palavras. Daí ter dito que não confiaria em um vice do PMDB, o que acabou com a chance de ter esse apoio para tentar a reeleição. Hoje, ela está em terceiro lugar nas pesquisas, atrás de Paulo Maluf (PP) e do tucano José Serra. Ela ocupa o segundo lugar no ranking da rejeição, atrás apenas de Maluf. Apontada como “transparente” pelos colegas e como “arrogante” por adversários, Marta admite que terá de se conter. Mas há desafios bem mais complexos: a dívida da cidade, de R$ 26,3 bilhões. Ela responsabiliza os prefeitos anteriores e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, devido aos altos juros. Marta afirma que o governo federal vai ter que repactuar as dívidas. Garante que será impossível obedecer à meta que a Lei de Responsabilidade Fiscal determina para maio do ano que vem: todas as cidades devem limitar suas dívidas a 1,2 vez a receita corrente líquida. A dívida de São Paulo representa hoje 2,4 vezes a receita corrente líquida.

ISTOÉ – Por que a dívida da Prefeitura de São Paulo, de R$ 26,3 bilhões, chegou a ponto de superar o estipulado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)?
Marta Suplicy

Isso eu explico com prazer. O Paulo Maluf (ex-prefeito de 1992 a 1996) contratou R$ 3,9 bilhões de dívidas. Celso Pitta (1997-2000) acrescentou
R$ 291 milhões, o que não é nada. Com o recurso do BNDES acertado entre Pitta e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, eu tive direito a R$ 450 milhões. Mas a soma desses três valores não dá R$ 26 bilhões. A diferença vem dos juros que o PSDB fez o país pagar nos oito anos de seu governo e que aumentaram brutalmente a dívida de cidades como São Paulo. No final do mandato, Pitta negociou a dívida com FHC. Uma parte foi boa: colocar os juros fixos e um teto de 13% para o pagamento do município. Mas teve um pulo do gato: depois de dois anos (em novembro de 2002), a prefeitura teria que amortizar 20% do capital da dívida, que seriam R$ 3 bilhões. Isso não seria possível. A punição foi aumentar o juro de 6% para 9% e ainda retroativo. Mas a prefeitura honra o pagamento e já diminuiu o capital da dívida com os R$ 3,5 bilhões que já pagou.

ISTOÉ – Mas a sua gestão não tem responsabilidade por essa situação também?
Marta Suplicy

O governo FHC aumentou a dívida do Brasil seis vezes e a da cidade de São Paulo quatro vezes. Dizer que isso é responsabilidade da atual gestão, além de um equívoco, é má-fé. Nosso governo é austero. Pitta deixou R$ 1 bilhão para pagar a curto prazo, sem estar no orçamento. Pagamos mensalmente R$ 100 milhões com a dívida e ainda estamos reconstruindo a cidade, que estava abandonada. Com esse dinheiro dá para fazer dois hospitais ou cinco Centros de Ensino Unificados (CEUs) por mês. Durmo com a consciência tranquila e feliz.

ISTOÉ – A solução é uma renegociação?
Marta Suplicy

Não chamaria de renegociação, mas repactuação da dívida. São Paulo e metade dos cinco mil municípios brasileiros estão nessa situação (de infringir a LRF). Vai ter que haver uma revisão com todos. São Paulo tem tudo para sentar e conversar em maio do ano que vem, contando, inclusive, com a boa vontade do presidente da República. Se essa exigência (de limitar as dívidas das cidades
até 1,2 vez a receita corrente líquida) fosse para agora, ninguém teria condição de pagar (a dívida paulistana é 2,4 vezes a receita corrente líquida). O governador Geraldo Alckmin (PSDB) aumentou a dívida, de 2000 para cá, de R$ 62 bilhões
para R$ 100 bilhões. O Estado de São Paulo tem hoje uma dívida maior do que a capital proporcionalmente.

ISTOÉ – A sra. tem índices de rejeição altos e um dos aspectos apontados é a arrogância. A sra. se acha arrogante?
Marta Suplicy

Provavelmente deve ter pessoas que me consideram assim. Não sei por quê. Fico pensando o que será que levaria algumas pessoas a acharem isso. Do jeito como aparece na imprensa, parece uma unanimidade e não é todo mundo que me rejeita. É difícil alguém na rua falar alguma coisa desagradável. Eu não sou a fórmula de político tradicional e isso pode às vezes desagradar. Não vaselino, não fico em cima do muro, falo as coisas como são. Não tenho o perfil tradicional da mulher. Mas essa história de achar antipático muda na campanha. O candidato José Serra (PSDB) tinha índices altíssimos de rejeição na campanha presidencial e mudou. O Lula também.

ISTOÉ – A sra. pensa em mudar sua imagem de alguma forma, se segurar um pouco?
Marta Suplicy

Eu posso tentar, mas às vezes não consigo. Tem certas coisas que é meio difícil. Ninguém é máquina e as pessoas não mudam totalmente. O prefeito normal não falaria certas coisas. Eu falo. Depois eu penso: Ai, meu Deus, falei (ri). Aquela dentista (com quem Marta discutiu, diante das câmeras de tevê, em fevereiro deste ano, após as enchentes) tinha o direito de estar revoltada e eu deveria ter acolhido o sofrimento dela. Mas ela disse que eu só colocava palmeira na (avenida) Faria Lima e eu respondi que também colocava palmeiras na periferia. Eu não deveria ter discutido sobre as palmeiras da Faria Lima.

ISTOÉ – O senador Suplicy fez uma enfática declaração de apoio à sra. na convenção que oficializou a sua candidatura. Os temas pessoais contam muito na decisão do eleitor?
Marta Suplicy

Eu me dou muito bem com o Eduardo. Estou muito feliz porque ele
está apaixonado por outra mulher (a jornalista Mônica Dallari). Ele faz parte da coordenação da minha campanha. Sua postura está sendo corretíssima comigo. Nem um minuto ele coloca as críticas que porventura se ouve falar. Essas críticas também não procedem, viu? O PT fez pesquisas recentemente e quando me separei (para casar com o argentino Luís Favre). Os resultados mostraram a maturidade dos paulistanos, que dizem: “A vida pessoal é dela. Se for uma boa prefeita, ela vai ser julgada pelo que fez. Isso é que nos interessa”.

ISTOÉ – Os CEUs não são muito caros para abrigar apenas 2.460 alunos cada um?
Marta Suplicy

Dizer que nós fizemos os CEUs e não criamos vagas é uma piada. Dizer que gastamos muito dinheiro para 2.460 crianças também não procede porque as escolas do entorno utilizam a infra-estrutura dos CEUs, como piscinas, teatros, cinemas. No fim de semana, a média de frequentadores dos CEUs é de cinco mil pessoas. Já fiz a licitação para mais 24 CEUs (hoje existem 21). Ao todo serão 45. Não tem criança em São Paulo fora da escola no ensino fundamental. Fizemos 200 mil vagas no ensino. Nunca se fez tanto.

ISTOÉ – Na saúde, a sua gestão está mal avaliada. Por quê?
Marta Suplicy

É um ponto fraco no Brasil todo. Estou muito insatisfeita com a saúde na cidade de São Paulo. Mas é preciso lembrar como era quando assumimos e aí eu estou satisfeita com o que nós fizemos. Municipalizamos totalmente a saúde e nos habilitamos para receber R$ 1 bilhão por ano a mais do governo federal. Hoje, a dengue está controlada. Diminuímos os casos de Aids de 32, em 2001, para 28 por 100 mil habitantes em 2002. Vamos ter uma redução de 40% em 2003 em relação ao ano anterior. São Paulo tinha só 20 ambulâncias. Hoje temos 146. O governo do Estado repassou para a prefeitura o Programa da Saúde da Família, com 200 equipes. Aumentamos para 700 equipes, que atendem três milhões de pessoas.

ISTOÉ – Mas por que as pesquisas de opinião não refletem esses fatos?
Marta Suplicy

A população percebe o que é diretamente ligada a ela. Na campanha vamos mostrar como era antes e as nossas conquistas. Estou tranquila. Temos o que mostrar em três anos e meio. Distribuímos duas vezes por ano uniformes e material escolar para um milhão de crianças. Temos o maior programa de renda mínima de município do mundo. A evasão escolar diminuiu 50% nos primeiros 13 distritos onde implantamos o programa. Criamos 117 mil empregos nas áreas contempladas pelo Renda Mínima.

ISTOÉ – Um dos poucos pontos que sobressaiu positivamente nas pesquisas é o dos Transportes, com o bilhete único. A prefeitura será capaz de arcar com este custo?
Marta Suplicy

Em qualquer cidade do mundo que implantou o bilhete único, a receita aumentou rapidamente e em três meses vamos aferir em quanto aumentamos a nossa receita. Eles (empresas de transportes) fizeram aquela briga de foice comigo porque não queriam a catraca eletrônica, o controle. A nossa tarifa é a mais barata do Brasil. Com R$ 1,70 você pode andar em várias conduções durante duas horas.

ISTOÉ – Não foi um erro o PT nacional ter elegido São Paulo como ponto de honra nessa eleição?
Marta Suplicy

Acho que a mídia colocou a questão e o PT comprou. De fato, São Paulo é a cidade mais importante do Brasil. Ganhar a prefeitura em São Paulo é um grande voto de confiança no governo petista.

ISTOÉ – O PT tem sido muito criticado por estar mais parecido com um partido de centro-direita. Maluf chegou a dizer que o PT está à sua direita…
Marta Suplicy

São Paulo é o governo mais petista do País, onde foram implantadas todas as aspirações do partido.

ISTOÉ – Nos bastidores comenta-se que há um pacto de não agressão entre a sra. e o candidato Paulo Maluf (PP). Por exemplo, a Justiça suíça chegou a arquivar o processo contra Maluf alegando que não recebeu das autoridades judiciárias municipal e federal as informações sobre as suspeitas de lavagem de dinheiro.
Marta Suplicy

Não é verdade. No primeiro ano de governo, eu já queria adotar ações mais concretas, inclusive na Suíça. Mas a então secretária de Assuntos Jurídicos, Ana Emília Alves, explicou que a cidade só poderia entrar na Justiça lá na Suíça junto com a União, que preparava a papelada. Meu secretário de Assuntos Jurídicos está lá, tentando contratar outro escritório (de advocacia). Se houver qualquer possibilidade de o dinheiro ser retornado, a parte da cidade estará garantida.

ISTOÉ – Mas a Justiça da Suíça afirma que precisa apenas de um histórico com as suspeitas, nada muito complicado. A prefeitura não está fazendo corpo mole?
Marta Suplicy

Mas nem pensar! É impensável! Você acha que eu não teria feito todo o possível? Eu não teria ido atrás desse dinheiro? Imagine! Maluf continua nefasto como sempre foi.

ISTOÉ – Não foi um erro do PT de São Paulo não ter fechado a aliança com o PMDB?
Marta Suplicy

Fizemos acordo com o PMDB, alinhavado durante meses pelo então secretário (de Governo) Rui Falcão, pelo deputado estadual e presidente do PT municipal, Ítalo Cardoso, e pelo presidente do diretório municipal do PMDB, Milton Leite. O acordo nunca implicou o PMDB indicar o vice, mas ter 30 vagas de candidatos a vereador e participação no governo. Aí veio o presidente estadual do PMDB (Orestes Quércia) dizer que queria indicar o vice. Eu lembrei o acordo já selado com Milton Leite. Ele respondeu que era ele quem mandava. E eu neguei.

ISTOÉ – A sra. se arrepende de ter dito que não confiaria em um vice do PMDB, o que teria feito o deputado Michel Temer desistir de se candidatar para ser vice na chapa de Luiza Erundina (PSB)?
Marta Suplicy

A frase foi infeliz. Eu nunca quis dizer que não confiaria no PMDB. Eu quis dizer que tenho uma pessoa, o Rui Falcão, com a qual governei e que me é leal. Mas uma coisa tem que ficar clara: o PMDB não tem esse cacife eleitoral todo em São Paulo para exigir o vice. Foi jogo de cena para conseguir coisas do governo federal que não foram dadas. Se tem uma coisa que hoje na política as pessoas já sabem é que eu cumpro acordos, falo as coisas como são.

ISTOÉ – A sua insistência em ter Rui Falcão como vice seria porque a sra. pretende concorrer ao governo do Estado em 2006, deixando a prefeitura nas mãos dele?
Marta Suplicy

Não. O motivo é o fato de eu ter trabalhado muito bem com um vice do PT (seu atual vice é o jurista Hélio Bicudo). E o PT é mais forte na cidade. Não teria motivos para dar o vice para outro partido. Mas reitero que não vou sair para ser candidata a governadora.

ISTOÉ – Então, se for reeleita, vai ficar na prefeitura durante os quatro anos de mandato?
Marta Suplicy

Vou. Não se pode deixar de honrar esta confiança que o povo está dando para mais quatro anos de governo. É a primeira vez que nós vamos ter a reeleição aqui em São Paulo. Comecei a transformação e em oito anos posso apresentar uma São Paulo de qualidade.

ISTOÉ – Seu sonho é candidatar-se a presidente da República em 2010?
Marta Suplicy

Deixa eu fazer os meus dois mandatos. Tenho que pensar na reeleição e terminar o que tenho que fazer bem feito. Reeleita ou não, a cidade, em dezembro de 2004, terá entregue todas as suas obras. Espero poder, a partir de janeiro, continuar o trabalho que estou fazendo.