Deu-se em Palmeira dos Índios, nas Alagoas. No palco, não havia Elba, Alceu, Zé Ramalho nem Geraldo Azevedo, dos grandes encontros nordestinos da música brasileira. Num palanque improvisado, confraternizavam, entre abraços e tapinhas nas costas, Lula e Fernando Collor. Não eram mais os adversários de 1989, ano em que Collor venceu a disputa presidencial com golpes abaixo da cintura. Eram os aliados de 20 anos depois, amadurecidos pelo tempo. No discurso, Lula elogiou dois antecessores – Juscelino Kubitschek e Collor – que viajavam o Brasil para "sentir o drama do povo". E atacou as elites, que criticam o Bolsa Família, entre goles de uísque. Por pouco não se ouviu um hino aos descamisados e um grito de caça aos marajás.

Não se sabe se foi Lula quem "colloriu" ou se foi Collor quem aderiu ao lulismo, mas não importa. Os dois têm dívidas de gratidão recíprocas. Ao vencer em 1989, acusando o "sapo barbudo" de ter um aparelho de som bacana, de não saber a diferença entre faturas e duplicatas e de ter tentado abortar uma filha, Collor prestou um favor ao adversário. Tivesse sido empossado na hiperinflação de 1990, Lula duraria pouco. Seria uma vírgula na história brasileira. Mas o atual presidente tem tanta sorte que só chegou aos jardins do poder após erros e acertos dos antecessores. Recebeu um prato pronto e teve a sabedoria de manter a receita, dividindo melhor o bolo. Em 2010, sairá consagrado do Planalto.

Collor, por sua vez, vem sendo resgatado do limbo político graças à mão generosa de Lula. O ex-presidente, que na adolescência ouviu de uma vidente que teria uma longa "morte em vida", chegou a acreditar que jamais sairia do caixão. Depois do impeachment e de cumprir sua pena eleitoral, elegeu-se senador e vem sendo reabilitado. Quase foi presidente da CPI da Petrobras, indicado pelos governistas. Segundo Lula, tem sido um dos mais leais integrantes da sua base. E os pecados da era Collor (a Elba, lembra?) talvez pareçam até banais, dignos de tribunais de pequenas causas, depois dos escândalos que lhes sucederam.

Conciliar é da tradição brasileira. Mas não deixa de ser estranho notar que os dois antípodas de 1989, que pareciam tão distantes, possam andar de mãos dadas 20 anos depois. Quando Lula e Collor, cheios de cumplicidade, sorriam um para o outro naquele palanque alagoano, era como se cantassem: "Se você vier, pro que der e vier comigo, eu lhe prometo o sol…" E lá embaixo, sob o mesmo sol inclemente do Nordeste, podia-se ouvir os descamisados: "Eh, oô, vida de gado, povo marcado, ê, povo feliz." Ecos, na política, de um grande encontro musical.