Gabriel García Márquez disse certa vez que não dá para falar em música sem falar em Cuba. Sem querer parafrasear o escritor, o inverso também vale. Não dá para falar em Cuba sem falar em música. Havana, a capital da ilha, vive um pulsar de ritmos tradicionais, como a salsa, o son, o bolero e a rumba, que, misturados a outras sonoridades, como o rap, o afro pop e o jazz latino, parecem embalar a simpática população num eterno gingado. É raro entrar num restaurante ou num bar sem se arrepiar com a nota afinada de um trompete ou com um agudo suave de um cantor. Durante o dia, os passeios pelas ruas tortuosas de Havana Velha, núcleo inicial da cidade e eleito patrimônio histórico da humanidade em 1992, são acalentados pelos chocalhos das maracas. Nas praças principais, como a da Catedral, Velha ou a de Armas (dê três voltas na árvore da sorte e faça um pedido), há em geral um grupo amador arriscando algumas notas. Mas são nos restaurantes, paladares (ficam dentro das casas e receberam este nome por causa do nome do restaurante que Regina Duarte tinha na novela Vale tudo), bares e, claro, casas noturnas que os timbres ficam mais fortes.

Tudo soa diferente para sentidos habituados a uma cultura voltada à norte-americana. Os cubanos vivem com pouco, mas têm uma dignidade invejável. Há pobreza, mas não miséria. Pelas ruas não há outdoors, propagandas, a não ser uns poucos enaltecendo a revolução. O tempo é outro. Ninguém tem pressa – a não ser para falar: eles pronunciam tudo muito rápido –, a adrenalina corre tranquila nas veias e não borbulha por uma concorrência qualquer. A conversa segue fácil e bem-humorada, seja com um motorista de táxi, um representante do governo, alguém que quer vender charutos. Parece a Bahia – o lado bom da Bahia. Por isso, as primeiras horas em Cuba são, no mínimo, reflexivas. Turistas mais atentos – a ilha recebe atualmente pelo menos dois milhões deles por ano – questionam o isolamento e o que a abertura à visita de estrangeiros começa a refletir. Na música, por exemplo, agora há influência do hip hop, de outros sons latinos – inclusive do Brasil –, o que leva a pensar como pôde um povo tão musical e alegre ter passado uma geração inteira sem ouvir Beatles e Rolling Stones.

Logo após a revolução (1954-1959), as músicas de língua inglesa ficaram proibidas na ilha. Foram mais de dez anos sem escutar melodias que o mundo inteiro reverenciava. E com a saída dos americanos, alguns artistas resolveram continuar a carreira fora. Casas de shows fecharam as portas, o que de certa maneira fez com que muitas vozes naturalmente se calassem – assim foi com bons expoentes da geração Buena Vista. Outros, entretanto, seguiram cantando e até hoje influenciam as novas gerações. Os jovens, é bom lembrar, contam com boas escolas de música, artes e dança desde o ensino fundamental. O critério de seleção para esta ou aquela escola é o talento. Os cubanos se orgulham deste sistema e enchem a boca quando explicam que depois desses ensinamentos básicos vão para a Universidade de Música e Artes. Não é pouca coisa. A rapaziada sai preparada e não hesita em seguir a tradição artística.

Influência – Um exemplo desta troca de influências na música é a veterana Teresa Caturla, a Teté, bastante conhecida entre os ilhéus, mas com pouca expressão por aqui – ela esteve no Rio em 1999, durante o Heineken Concerts. Parceira de Omara Portuondo e de Ibrahim Ferrer, aos 72 anos Teté costuma se apresentar com uma banda jovem afinadíssima. Alegre, esta filha de Iemanjá – os cubanos voltaram a adotar a santeria, antes proibida por Fidel, semelhante ao candomblé – gosta de falar dos santos e de música. “Na vida, temos de rir e cantar”, filosofa. Teté costuma ocupar o palco do Hotel Nacional, espécie de Copacabana Palace de Havana, lugar que não se pode deixar de ir para visitar – ou se hospedar – e ouvir boa música. Há inclusive pequenos grupos que animam os restaurantes do hotel (abertos também a não hóspedes) que são verdadeiras surpresas.

O Hotel Nacional fica em frente ao Malecón, o calçadão de Havana, no charmoso bairro do Vedado, localizado entre Miramar e o centro, onde fica a universidade, a famosa sorveteria Coppelia e lugar de bons restaurantes e casas de shows. Logo ali em frente ao hotel, há o conhecido Gato Tuerto, uma boate simpática que apresenta grupos tradicionais até altas horas da noite. Verdade que atualmente está bem voltado para o turista, mas em Havana é difícil não esbarrar com eles. Especialmente levando em conta o tamanho da cidade – são dois milhões de habitantes – e a moeda corrente para quem não é de lá, o dólar, nem sempre acessível aos moradores. Portanto, quem quiser ficar mais próximo dos cubanos pode ir, por exemplo, ao Café Cantante (junto ao Teatro Nacional), uma boate que remete às dos anos 70, e à Casa de La Música (são dois endereços – confira no quadro na pág. ao lado). Ambos são para dançar, com a diferença de que no primeiro tocam bandas com sons mais modernos, pop, como Sintesis ou Moneda Dura. O segundo é onde a rapaziada se acaba na salsa até altas horas – e olha que eles ouvem o som alto, muito alto.

Para sossegar os ouvidos há o Jazz Café e o La Zorra y el Cuervo, ambos no Vedado. No La Zorra, todas as noites há bons grupos de jazz latino. Robertico Fonseca, o superpianista que acompanha Ibrahim Ferrer, costuma dar canjas por lá – assim como o pianista de Teresa Caturla. Jazz também se ouve no Irakere Club, dirigido pelo grupo do mesmo nome, que acompanha o pianista Chucho Valdés – que se apresenta lá às sextas-feiras. Conferir a programação seria uma boa idéia. Seria. Mas em Cuba não há bancas de jornais onde se pode comprar uma revista e escolher o que fazer. A informação vem muito da tevê, das rádios, da Internet (www. soycubano.com e www. cubamusic.com), do Granma (o tablóide que leva o nome do barco em que vieram Che e Fidel do México), e do Juventud Rebelde, distribuídos nas ruas, e de uma ou outra revista. A Carteleira é um exemplo. Quinzenal, pode ser encontrada nos hotéis e traz boas dicas de programação cultural. O que não falta em Havana, por sinal. Em junho, houve o festival de bolero, dedicado ao Brasil; em setembro, há o festival de jazz. O Carnaval acontece em fevereiro ou março, e em maio, o festival de guitarra. Sem falar em programações de danças e artes plásticas.

Como a cidade é razoavelmente pequena, é possível saber o que está acontecendo até no boca a boca. Dá para perguntar aos taxistas, por exemplo. Eles costumam ser informados. Tanto os que dirigem as novíssimas Mercedez como os que pilotam aqueles maravilhosos carrões dos anos 50 ou os Ladas que estão mais pra lá do que pra cá. Também dão dicas de bons restaurantes. Mas em Havana Velha e no Vedado há bons lugares para comer, embora a gastronomia tenha ficado um pouco empobrecida depois de 45 anos de embargo. Os cubanos gostam muito de porco e de frango acompanhados de um bom prato de cristianos e mouros – o arroz e feijão deles. Há ainda frutos do mar. Restaurantes como o La Mina e o El Patio (ambos em Havana Velha) e o paladar Aries, no Vedado, são especializados e de quebra trazem sempre bons grupos de música. E, embora forrados de turistas, não dá para deixar de conhecer o Bodeguita del Medio com seus mojitos e o Floridita, com os divinos daikiris. Ambos eram os preferidos de Ernest Hemingway durante o tempo em que viveu na ilha. Amigo de Fidel, o escritor morou em Havana por 22 anos. E, como ele, tenha certeza, por alguma coisa você vai se apaixonar em Cuba.