“É preciso criar os agentes comunitários, as brigadas locais em cada distrito, em cada município. São essas pessoas que dão as diretrizes em situações como essa e mostram o que fazer até a chegada do socorro oficial”, diz a vereadora Andréa Gouveia Vieira (PSDB/RJ). A família do marido de Andréa é proprietária do sítio que fora alugado para a estilista e designer Daniela Conolly e parentes. Invadida por água, lama e entulho, a casa foi soterrada junto com Daniela e mais sete membros de sua família (leia quadro). “A casa existia há mais de 70 anos. Nunca aconteceu algo dessa magnitude lá. O rio subiu em uma velocidade enorme, foi um volume de água impossível de ser contido. Havia 18 pessoas na casa, 14 morreram”, disse a vereadora. Embora seja política, seu discurso é o mesmo de qualquer cidadão comum: cansaço com as promessas nunca cumpridas de reflorestamento, limpeza dos rios, remoção de pessoas de áreas de risco.

Como em qualquer acidente, a causa não é uma só. É uma soma de erros de várias origens, entre as quais o inaceitável descaso com o meio ambiente. “Gerações foram criadas sem que houvesse uma preocupação ambiental. Houve uma ocupação desordenada com construção de residências em encostas”, aponta Luís Eduardo Peixoto, presidente do comitê de ações emergenciais de Petrópolis.

img14.jpg
PERIGO 
Trabalho de resgate num desabamento em Nova Friburgo

 

img16.jpg

img13.jpg
SOB PRESSÃO 
Bombeiros também viram vítimas.
Corpo de soldado é removido

 img15.jpg
DESTRUIÇÃO 
Carro arrastado em Petrópolis

 

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Aquecimento global e desmatamentos são algumas das causas de tragédias que têm acontecido no mundo. O aumento da população urbana é outra ponta do desequilíbrio. A pesquisadora mineira Waleska Marcy Rosa, 41 anos, do Centro Universitário Serra dos Órgãos, fez, em 2007, um estudo comparativo entre os municípios de Teresópolis e Petrópolis e concluiu que a ocupação das áreas de encosta dos dois municípios cresceu demasiadamente a partir da década de 1960, à sombra da fraca atuação do poder público, que, além de não conseguir impedir as ocupações irregulares, muitas vezes até as regulamentou. “É a desgraça do populismo, a permissividade de deixar a ocupação de áreas de uma maneira irresponsável como se eles (políticos) fossem aliados dos mais pobres”, comenta o governador Sérgio Cabral, obviamente excluindo-se da culpa que aponta nos outros governantes.

img5.jpg

Não há como, no entanto, negar que a responsabilidade maior é do poder municipal. “São as prefeituras que regulam o uso do solo, autorizam construções e fiscalizam regiões de risco”, diz o cientista político Ignácio Cano, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Para ele, a situação chegou a um ponto em que “é preciso uma política com um componente repressivo que impeça a construção irregular e remova quem está em área de risco”. A própria presidente Dilma Rousseff, que esteve na cidade na quinta-feira 13, reforça essa visão. “Ocupação irregular no Brasil não é exceção, é regra.” Segundo o secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, no ano passado foram gastos 13 vezes mais com a resposta do que com a prevenção. Ele afirma que houve um investimento de R$ 2,3 bilhões para remediar e apenas R$ 167,5 milhões para prevenir. Castello Branco critica também a má distribuição de recursos federais. “Do montante do ano passado, 50,5%, mais de R$ 80 milhões, foram destinados à Bahia, enquanto o Rio ficou só com 0,6%, ou seja, R$ 1 milhão. São Paulo teve 5,6% e Minas Gerais, 6,2%”. Ao contrário do Rio, a Bahia não é um Estado com histórico de desastres ambientais tão frequentes como o Rio. Mas a diferença entre os dois Estados é que o ministro responsável pela distribuição dos recursos, Geddel Vieira Lima, é baiano e tinha como objetivo principal no ano passado ser eleito governador do Estado que tanto privilegiou com a distribuição dos recursos.

img12.jpg
APOIO 
A presidente Dilma
Rousseff e o governador Sérgio
Cabral visitam Nova Friburgo
 

O resultado disso se vê em todas as esferas do poder público, que não consegue responder a uma crise das proporções da região serrana fluminense. Nos ineficientes e sucateados Institutos Médicos Legais das cidades atingidas, o cheiro da morte se espalhava pelos corredores e pelo entorno dos prédios. “Tenho que passar pomada com cheiro de menta no nariz para poder trabalhar. O mau cheiro está insuportável”, disse um dos funcionários responsáveis pelo transporte dos corpos em Nova Friburgo, que prefere não se identificar. Até a manhã da sexta-feira 14, a cidade chorava inacreditáveis 216 mortos na tragédia. A todo momento, caminhões e caminhonetes chegavam com corpos ao Instituto de Educação de Nova Friburgo, improvisado para funcionar como Instituto Médico Legal. Dia e noite, a porta da instituição ficava tomada por pessoas que buscavam saber se entre os mortos há algum parente ou amigo. “Não saio daqui enquanto não souber notícia de minha avó”, disse, ainda em estado de choque, a comerciária Regina Soares, 28 anos. Com tantos cadáveres e condições precárias, o trabalho no local tem sido sacrificante em Nova Friburgo e mostra que não há nenhuma preparação para enfrentar problemas como esse. Nem mesmo um plano de contingência para lidar com um número de mortos tão grande, algo que não é inédito por ali, parece haver.

img6.jpg

Sem a resposta rápida e eficaz do poder público, a população se divide entre um estado de absoluta catatonia e de desespero. No centro de Nova Friburgo, famílias de várias classes sociais perambulavam nos dias que sucederam ao desastre com bolsas e sacolas em punho, buscando refúgio. Uma delas era o pedreiro Andrei Silva, 26 anos, cuja casa, localizada no bairro do Jardim Califórnia, foi inundada pela chuva e ficou prestes a desabar. Ele deixou o imóvel com sua mãe e duas irmãs. “Não sei para onde vou, mas para lá não volto mais”, prometeu. Não longe dele, a advogada Lia Vieira caminhava com os pés envoltos em sacolas de supermercado. “Perdi minha casa e meu carro no desabamento”, contou. “Agora, o que eu quero é sair daqui.”

img8.jpg 

 

img7.jpg

Ao menos nesse momento, o desejo de Lia é compartilhado por milhares de famílias que perderam todos os seus bens e, principalmente, familiares. Assim, como nesse momento, os governantes prometem resolver os problemas emergenciais e criar condições para que tantas mortes não se repitam. Cabe agora esperar, e cobrar, que elas não sejam carregadas pelas águas de março que todos os anos fecham o verão.


img11.jpg

 

 

 

Colaboraram: Adriana Prado e Luciani Gomes


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias