Todos os mortos são iguais, mas uns são mais iguais do que os outros. Na destruição causada pelas chuvas no Rio de Janeiro, os jornais e as emissoras de televisão concederam destaque especial à história de uma família, a dos Connoly, que pertence à elite financeira e cultural carioca. Com o devido respeito à alma dos que se foram e ao luto dos que aqui ficam, a devastação nos condomínios de luxo das serras fluminenses evidencia uma realidade: a força da natureza não distingue classes sociais. Durante décadas, essas tragédias anunciadas se repetiram. As cenas eram sempre as mesmas: gente humilde, que perdeu tudo do pouco que tinha, sendo removida. Em seguida, as autoridades prometiam acabar de vez com a ocupação irregular. O que se percebe, agora, é que todos – pobres e ricos – são responsáveis pelo desmatamento e pelo uso indevido do solo.

Um ano atrás, o governador do Rio, Sérgio Cabral, teve de enfrentar a tragédia de Angra dos Reis, que também atingiu áreas de luxo. Prometendo acabar com “décadas de populismo habitacional”, ele disse que, com o auxílio dos governos estadual e federal, milhares de pessoas seriam removidas de suas casas – ao mesmo tempo que um decreto continuava permitindo a construção de mansões em áreas protegidas. Hoje, um verão depois, é possível que exista ainda mais gente morando nas encostas, à beira de sepulturas naturais.

A natureza talvez seja indomável, mas não é imprevisível. Antes mesmo das tempestades no Rio, os meteorologistas já sabiam que elas iriam ocorrer. Apesar disso, o Brasil é um país que investe pouco em defesa civil e em sistemas de alerta. Em vez de prevenir, prefere remediar o que já não tem mais remédio. E é nas tragédias que chovem recursos federais – mais de R$ 700 milhões já foram anunciados, que poderão ser gastos pelos gestores públicos em regime de urgência, sem nenhum controle. Ou seja: por trás de quase toda catástrofe, há sempre uma decisão – ou uma indecisão – política.

Em São Paulo, não é muito diferente. O governador Geraldo Alckmin foi atacado por dizer que obras contra enchentes não ficam prontas em 24 horas, muito embora os tucanos estejam no poder há 16 anos. Mas o fato concreto é que, quando foi governador pela primeira vez, de 2001 a 2006, Alckmin de fato investiu no aprofundamento da calha do Tietê. Seu sucessor, José Serra, reduziu os gastos com a dragagem dos rios e privilegiou obras mais visíveis, como as novas pistas nas marginais dos rios. Na natureza, nem tudo acontece por acaso.


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