O apelo é forte. Basta a temperatura cair alguns graus para os restaurantes inaugurarem convidativos festivais de massas, cozidos, fondues e vinhos, entre outras delícias. Coincidentemente, nos dias mais frios também é comum sentir um ligeiro aumento do apetite. Enfim, o encontro perfeito entre o objeto e o desejo. Combinada a uma certa preguiça típica desta época de sair da cama para fazer exercício físico, está feito o estrago. No final da estação, os ponteiros da balança vão lá para cima. “Estudos feitos nas últimas duas décadas e comprovados no atendimento clínico mostram que há uma tendência de terminar o inverno com dois a cinco quilos a mais”, diz o endocrinologista Jader Baima, coordenador de área de endocrinologia e metabolismo do Laboratório Abbott, em São Paulo. A conclusão do especialista está baseada em um levantamento de estudos da literatura científica realizados para avaliar o efeito das mudanças de hábito durante os períodos mais frios do ano.

Para não chegar na primavera com medo de o zíper não fechar, é necessário ficar de olho nas armadilhas sutis que o frio traz para comprometer a silhueta. Uma delas é a escolha dos alimentos. Quando o termômetro baixa, a tendência é deixar de lado a comida mais leve e rica em água (frutas, legumes e verduras) e servir-se de porções maiores de carnes, cereais, massas e queijos, gêneros mais ricos em calorias. A origem dessas trocas está na necessidade de o organismo se adaptar à temperatura ambiente. “No calor, temos mais sede e menos fome. Preferimos alimentos mais frescos para compensar a transpiração. No inverno, a necessidade de repor água é menor. E damos preferência a alimentos com gordura, mais calóricos e de digestão mais lenta, que proporcionam sensação de saciedade por mais tempo”, explica a nutricionista Márcia Daskal Hirshbruch, da Recomendo Consultoria Nutricional, de São Paulo. Naturalmente, essas substituições são muito mais notáveis em países de inverno rigoroso, como a Finlândia e a Alemanha. Uma pesquisa feita nesses locais apontou quais os nutrientes mais consumidos em cada estação. “O estudo mostrou que nesses países se ingere mais gordura no inverno e na primavera, açúcares no verão e fibras no outono”, conta o endocrinologista Márcio Mancini, do Grupo de Obesidade do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Além dessas oscilações na seleção dos alimentos, certos deslizes conspiram a favor do aumento de peso. São detalhes como a inclusão de um pãozinho a mais no café da manhã, colheradas de cereais açucarados, torradinhas com manteiga para acompanhar a sopa, queijo ralado ou molhos mais incrementados (quatro-queijos, por exemplo), que facilitam a subida do ponteiro da balança. “Típicos dos pratos de inverno, esses complementos levam para a mesa boa parte das calorias excedentes que fazem a diferença no final do mês”, explica a nutricionista Carolina Sapienza, do Movere Núcleo de Atividades Esportivas, em São Paulo. Nas contas da especialista, basta adicionar entre 250 e 300 calorias à alimentação diária (algo como um croissant médio) para chegar no final do mês com aproximadamente sete mil calorias armazenadas, o que equivale a cerca de um quilo a mais.

Mito – Os excessos muitas vezes são justificados com argumentos bastante difundidos, mas que não são aceitos pelos especialistas. “Acredita-se que a fome aumenta no inverno porque o organismo precisa de mais nutrientes. Isso é mito. Não é necessário comer mais nesta estação”, explica o endocrinologista Márcio Mancini. Embora ocorra uma discreta elevação no gasto de combustível do corpo para manter a temperatura em níveis estáveis, ela não é grande o suficiente para justificar o aumento da ingestão de calorias. “Em países onde o inverno é rigoroso e as temperaturas caem a menos de zero, a necessidade de repor estoques de energia pode se elevar. Mas isso não é verdade no Brasil, onde o inverno é quase sempre ameno”, afirma. De fato, conforme o fisiologista Paulo Zogaib, professor da Universidade Federal de São Paulo e diretor do Centro de Reabilitação do Hospital Sírio-Libanês, esse aumento não chega
a 10% do gasto diário de calorias para manter o organismo funcionando. Não serve, portanto, de desculpa para encher o prato com queijos e pães nem para aposentar a salada.

Resta entender, então, por que a vontade de comer aumenta no inverno. “Uma parte é fome mesmo. Mas outra parte dessa vontade de comer que faz ingerir mais calorias do que de costume está associada com a relação emocional que temos com a comida”, explica o fisiologista Zogaib. Muitas vezes, o que se busca na comida quente e quase sempre mais calórica do inverno é aconchego e prazer. Quem entende isso sai ganhando. “A pessoa consegue trocar o chocolate quente pelo conforto de um chá de ervas”, diz a nutricionista Márcia. E, por incrível que pareça, alguns especialistas enxergam no inverno um aliado potencial do emagrecimento. “O fato de o metabolismo estar mais predisposto a aumentar a queima de calorias, nem que seja só um pouquinho, favorece o emagrecimento de quem mantém a dieta e o ritmo dos exercícios”, diz o fisiologista Zogaib. Apesar da conjuntura favorável, a idéia de fechar a boca no inverno não encontra grande receptividade. “É nessa época que o movimento do consultório diminui mais”, diz a nutricionista Evie Mandelbaum Garcia, de São Paulo, autora do livro Cuidado, olha o crachá no prato! (Ed. Alegro).

Ganhar dois ou três quilos, no entanto, não é o fim do mundo. Mas o risco se configura quando os gramas a mais ultrapassam padrões considerados seguros, como o cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC, que corresponde ao peso, dividido pela altura ao quadrado) e
a medida da cintura ou circunferência abdominal (acima de 88 centímetros para as mulheres e de 102 centímetros para os homens). Por isso, quem já está acima do peso deve redobrar a atenção com o que come no inverno. Poucos quilos, às vezes, podem ser bastante inconvenientes para indivíduos com alguma alteração no colesterol, pressão alta e diabete. “Alguns estudos mostram que há variações no colesterol durante o inverno por causa da escolha dos alimentos. Junto com excesso de peso, isso pode aumentar o risco de doenças cardiovasculares”, diz o médico Baima.

Incentivo – Sozinho, o aumento do apetite pode levar ao aumento de peso. Mas quando se associa a outra armadilha do inverno – a diminuição da atividade física –, o prejuízo é maior. E a queda do pique é sensível. É nos meses de inverno que as academias registram as maiores baixas. Na Estação do Corpo, no Rio, por exemplo, a frequência costuma cair até 40% nos meses de junho e julho. “No verão as pessoas têm o incentivo de ficar mais expostas e em setembro a procura volta a aumentar”, conta Henrique Piraí, coordenador da academia. A fuga dos malhadores preguiçosos aumenta especialmente pela manhã porque, além de ser mais frio, demora mais a clarear. Para evitar a evasão dos alunos por causa do frio, as academias estão lançando programas especiais. A Movere, em São Paulo, criou circuitos com exercícios combinados e oferece atividades como a dança. “Nesta época as pessoas precisam ser mais estimuladas”, diz a fisiologista Vera Barbosa, da Movere. Nas academias maiores, as salas são climatizadas com temperatura entre 23 e 25 graus. Além disso, há dezenas de programas para agitar a galera. A Bio Ritmo, em São Paulo, criou o Passaporte Saúde, um programa no qual o aluno contabiliza milhas a cada sessão de exer-cícios para concorrer a prêmio. Uma aula de esteira rende mil milhas, uma de spinning vale 1,5 mil. Quem amealhar até agosto 60 mil milhas concorrerá ao sorteio de seis passagens aéreas para Nova York. A Estação do Corpo, no Rio, também preparou um pacote de inverno. Para quebrar a rotina, professores se alternam nas modalidades. Por exemplo, o instrutor de musculação fica à frente
do alongamento. Haverá também olimpíadas e festas. Quem não vem para malhar pelo menos visita a academia.

Prazer – Manter a dieta e o ritmo da atividade física é a receita de quem consegue atravessar esse período sem entrar em guerra com a balança. Mas há outros recursos para auxiliar na tarefa, como o casamento entre o prazer de comer e a moderação. É o que pensa o chef italiano Giuliano Hazan. Ele ensina culinária italiana em Verona. Recentemente, publicou um artigo no jornal The New York Times para explicar por que o índice de obesos na Itália é menor do que se verifica nos Estados Unidos, apesar de comerem mais massa do que qualquer outra coisa. Hazan argumenta que há um lado social da comida que não deve ser ignorado. “O modo como nós comemos
é tão importante ou mais do que o que comemos.

É nosso relacionamento com a comida e o estilo de vida, e não os carboidratos ou outros nutrientes, que nos fazem ficar obesos”, disse Hazan a IstoÉ. O chef acha que fazer as refeições à mesa e com tempo para conversar ajuda a controlar a quantidade. “Comer em pé, depressa e sem saborear faz comer pior e mais. Ao se alimentar lentamente, o corpo sente que a comida chegou ao estômago e desliga a sensação de fome, antes que a pessoa exagere. A comida não deve ser temida. É uma fonte de bem-estar”, ensina Hazan.